Por Edmir Amanajás Celestino, Alexandre Freitas e Roberto Monteiro
A cidade do Rio de Janeiro enfrenta desafios significativos decorrentes da expansão urbana e industrial, impactando diretamente a vida das comunidades pesqueiras artesanais.
A pesca artesanal, uma atividade econômica e culturalmente importante, está sofrendo com as transformações provocadas pelo crescimento urbano desordenado e pelas atividades industriais intensivas nas regiões da Baía de Guanabara e da Baía de Sepetiba.
Na Baía de Guanabara, a Ilha do Governador, a Maré e o Caju são áreas historicamente vinculadas à pesca artesanal. Na Baía de Sepetiba, as localidades de Guaratiba e Sepetiba, com suas tradições pesqueiras, enfrentam desafios semelhantes.
Os pescadores artesanais dessas regiões relatam uma série de dificuldades, incluindo a redução das capturas, a contaminação do pescado e os riscos à saúde decorrentes da exposição a poluentes.
Além disso, enfrentam a perda de território, a perda de acesso a áreas de pesca tradicionais, e a pressão do crime organizado em torno do tráfico de drogas e das milícias locais, o que agrava ainda mais sua vulnerabilidade econômica e social.
As políticas públicas voltadas para a mitigação desses impactos muitas vezes são insuficientes ou inadequadas, resultando em um cenário de conflitos e incertezas para essas comunidades.
Nesse cenário, surge a urgência em discutir os impactos da expansão urbana e industrial sobre a pesca artesanal no Rio de Janeiro, explorando os conflitos emergentes e propondo modificações nas políticas públicas municipais, que possam harmonizar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental, das práticas culturais e laborais, essenciais para a sustentabilidade da pesca artesanal.
Impactos na Baía de Guanabara
A Baía de Guanabara, uma das mais importantes áreas pesqueiras do Rio de Janeiro, enfrenta sérios desafios ambientais decorrentes da expansão urbana e industrial.
A industrialização intensiva, iniciada nos anos 60, trouxe poluição crescente e degradação dos manguezais. Nos anos 90, a expansão industrial descompromissada com a sustentabilidade, aumentou os problemas ambientais, com níveis alarmantes de contaminação.
Em janeiro de 2000, um dos maiores desastres ambientais do Brasil ocorreu na Baía de Guanabara, com o derramamento de cerca de 1,3 milhões de litros de óleo pela Petrobras.
Este evento devastou a vida marinha e afetou drasticamente a pesca artesanal, impactando aproximadamente 12 mil pescadores. Esforços de limpeza foram iniciados, mas a eficácia foi limitada e a poluição residual persistiu nos manguezais.
Nos anos 2010, a baía continuou enfrentando desafios significativos devido à poluição industrial e ao crescimento urbano desordenado. A construção de infraestrutura portuária e industrial e a descarga de esgoto não tratado agravaram a situação, levando a uma degradação ambiental contínua.
Além disso, eventos climáticos extremos, como chuvas intensas, contribuíram para a lavagem de poluentes dos solos urbanos para as águas da baía, exacerbando os problemas de contaminação.
Entre os principais impactos para a pesca artesanal está a contaminação dos pescados e a degradação dos ecossistemas marinhos. Vazamentos menores e crônicos de instalações industriais continuam a impactar a Baía de Guanabara e os rios que deságuam lá estão contaminados por mercúrio, chumbo, tolueno e outros compostos químicos.
A presença de hidrocarbonetos no sedimento marinho tem efeitos tóxicos na vida aquática. A poluição compromete a qualidade dos pescados, causa mutações e doenças em peixes, e ameaça a saúde dos consumidores, o que preocupa os pescadores e a população local.
Impactos na Baía de Sepetiba
Na Baía de Sepetiba, a industrialização começou nas décadas de 70 e 80, com a instalação de grandes indústrias e infraestrutura portuária.
Durante os anos 90, a expansão industrial continuou, com incidentes significativos como o rompimento do dique de contenção da Companhia Mercantil Ingá em 1996, liberando grandes quantidades de resíduos tóxicos na baía.
A instalação da Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) em 2010 marcou um novo período de industrialização intensiva, causando graves problemas de saúde e contaminação ambiental.
Desde 2022, as usinas termelétricas flutuantes da Karpowership trouxeram novos desafios ambientais e sociais para a região. Este projeto, que fornece energia elétrica por queima de gás, na contramão de políticas de mudança de matriz energética, a instalação dessas usinas gerou preocupações devido ao potencial poluidor e ao impacto sobre a pesca artesanal e a qualidade das águas da baía.
Estes impactos já são notados por comunidades pescadoras da baia de Sepetiba, devido a exclusão de áreas de pesca e o assoreamento de canais antes utilizados para passagem na maré baixa, onde hoje se encontram as torres de transmissão de energia do empreendimento.
Quanto a questão portuária, a dragagem para a manutenção dos canais de navegação remobilizou sedimentos contaminados, agravando a poluição da água. A poluição por metais pesados, provenientes das atividades industriais, em níveis acima do aceitável, foi identificada em estudos realizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Esses metais se acumulam na cadeia alimentar, afetando a saúde dos pescadores e consumidores de pescado, expondo a população a riscos de saúde graves, incluindo transtornos cognitivos e câncer.
A criação de zonas de exclusão para a pesca, devido à atividade portuária, tem restringido ainda mais o acesso de pescadoras e pescadores artesanais aos recursos marinhos. A construção e manutenção de infraestrutura industrial e portuária resultou na destruição de manguezais e têm contribuído para o assoreamento das praias e outras áreas costeiras críticas, afetando diretamente a pesca artesanal devido à degradação ambiental, a diminuição e contaminação das populações de peixes e mariscos, na qual destaca-se o impacto sobre a atividade das mulheres marisqueiras de Sepetiba.
Conflitos Socioeconômicos Ausência de Políticas Públicas Municipais
Os megaempreendimentos industriais e portuários têm gerado conflitos significativos entre as comunidades locais e as empresas. A falta de transparência e participação das comunidades nos processos de decisão exacerbou as tensões. Os programas de compensação e mitigação frequentemente falham em proporcionar benefícios concretos, devido à má gestão e desorganização interna nas entidades representativas dos pescadores.
Na cidade do Rio de Janeiro, a ausência de políticas públicas municipais eficazes para dar suporte à pesca artesanal agrava ainda mais a situação. Apesar da existência de alguns instrumentos e programas estaduais voltados para o desenvolvimento da pesca artesanal, esses são insuficientes para lidar com a complexidade dos desafios enfrentados pelas comunidades tradicionais pesqueiras no município.
As políticas existentes frequentemente não consideram as especificidades locais e não proporcionam os recursos necessários para a preservação dos modos de vida tradicionais e a sustentabilidade das atividades pesqueiras.
A falta de investimentos em infraestrutura básica, apoio técnico e financeiro, e a ausência de uma fiscalização eficaz, que promovam a adequação e não a perseguição dos pescadores artesanais, contribuem para a vulnerabilidade das comunidades pesqueiras no município do Rio de Janeiro.
Embora existam programas de compensação pagos por empresas que atuam no Rio de Janeiro e gerenciados pela prefeitura, especialmente através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC), esses recursos raramente são alocados diretamente para iniciativas que beneficiem a pesca artesanal, sendo um dos poucos exemplos o programa guardiões do mar.
As compensações ambientais acabam por não atender às necessidades específicas das comunidades pesqueiras do município, que dependem de ações concretas para a melhoria de suas condições de trabalho e de vida, deixando os pescadores em uma situação de vulnerabilidade e descrentes de qualquer ação do poder público municipal na garantia de seus direitos.
A falta de instrumentos públicos específicos para a assistência aos pescadores artesanais é evidente na estrutura administrativa da prefeitura do Rio de Janeiro.
Enquanto existem várias iniciativas voltadas para a preservação ambiental e o combate à poluição, mobilizando recursos geralmente destinados a projetos de conservação e reabilitação ambiental em áreas urbanas, adoção de áreas verdes, parques naturais fiscalização ambiental, educação sobre preservação do meio ambiente e outros projetos ecológicos, mas não há um foco específico na inclusão dos pescadores artesanais nesses programas e não há programas robustos e contínuos que ofereçam suporte técnico, financeiro e logístico para as comunidades de pescadores.
A falta de instrumentos públicos específicos para a assistência aos pescadores artesanais é evidente na estrutura administrativa da prefeitura do Rio de Janeiro. A pesca artesanal é frequentemente marginalizada nas políticas municipais, o que agrava os problemas sociais e econômicos enfrentados por pescadoras e pescadores.
A regulamentação e as políticas públicas municipais existentes não abordam de maneira eficaz as necessidades dessas comunidades, que incluem a proteção social e ambiental de seus maretórios, garantia de acesso a áreas de pesca, a melhoria da infraestrutura para a pesca e a comercialização do pescado, além de programas de formação e capacitação técnica.
Um fator que agrava ainda mais essa situação é a recente transferência da competência do licenciamento ambiental da SMAC para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Essa mudança dificulta o direcionamento de políticas públicas que possam beneficiar a pesca artesanal, já que o foco da Secretaria de Desenvolvimento Econômico está mais voltado para o crescimento industrial e comercial, não considerando adequadamente as necessidades e impactos nas comunidades pesqueiras.
Atualmente, não existe uma secretaria municipal de agricultura e pesca no Rio de Janeiro, o que impede a formulação de políticas específicas para essas áreas. Além disso, o plano diretor da cidade do Rio de Janeiro não reconhece a existência de áreas rurais, o que dificulta ainda mais a implementação de políticas que beneficiem as comunidades tradicionais que dependem da pesca. Para um melhor direcionamento das políticas públicas para a pesca artesanal, seria necessário a criação de um setor específico para este fim, como uma Coordenação de Pesca Artesanal dentro da estrutura dos instrumentos municipais de gestão, além do compromisso da Câmara Municipal com a formatação de leis que direcionem as políticas públicas para a pesca artesanal.
Por Edmir Amanajás Celestino (Doutorando no Programa de Pós-Graduação e Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária – PPGCTIA/UFRRJ, e Pesquisador Conselheiro no Forum Nacional da Pesca Artesanal – FNPA/MPA), Alexandre Freitas (Professor do Departamento de Economia – UFRRJ, e Coordenador do Centro de Estudos em Economia do Mar – CEEMAR/UFRRJ) e Roberto Monteiro – Advogado e Ex-vereador do Rio (2007-2012).
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!