O artigo abaixo foi escrito por uma brasileira residente em Londres, que preferiu não se identificar.
Eleições no Reino Unido: a obscura ascensão de Keir Starmer
Labour ganhou 33,9% do voto popular e controlará 65% do parlamento
Não há nenhum motivo para celebrar a obscura ascensão de Keir Starmer ao poder. Uma trajetória política construída por fraudes, difamações virulentas e estrategicamente calculadas, expurgação e perseguição implacável das forças progressistas de dentro do Partido Trabalhista, alianças com o capital corporativo e, o que é mais grave, a partir de uma aliança ideológica incondicional com o sionismo e com apoio financeiro das elites sionistas.
O grande paradoxo do resultado eleitoral
Keir Starmer, apesar de ter 57% de reprovação do eleitorado, paradoxalmente consegue uma vitória acachapante para o Labour, com 410 assentos até agora, ou quase 2/3 do parlamento.
No seu distrito eleitoral, Holborn & St Pancras, Starmer perdeu 17% dos seus votos comparados à sua última eleição. Em 2017, ele tinha acumulado mais de 41.000 votos e hoje conseguiu um pouco mais de 18.000. Em compensação, o candidato opositor de Starmer, Andrew Finkelstein, judeu antissionista e ex-parlamentar na África do Sul no governo Mandela, em seis semanas de campanha pelo partido Workers Party of Britain conseguiu 19% dos votos.
Mas como explicar que uma figura impopular, sem carisma, que endossa abertamente o genocídio na Palestina, ao qual a população britânica se mostra em feroz desacordo, consegue uma vitória tão avassaladora?
Em parte, isso se deve ao próprio sistema eleitoral britânico de eleições indiretas do chefe de governo e o chamado “first past the post”. No Reino Unido, as eleições para Primeiro-Ministro são indiretas. O Chefe de Estado (Rei) indica o Chefe de Governo (Primeiro-Ministro), que é o líder do partido com a maior parte das cadeiras no parlamento. Os eleitores apenas elegem, através do voto direto, os parlamentares.
O número de cadeiras no parlamento tem pouca relação com o número de votos populares. Isso se deve ao sistema distrital de eleições. Cada eleitor pode votar apenas para um membro do parlamento em seu distrito. Cada partido tem apenas um candidato por distrito. Assim, um candidato muito bem votado, que chega a perder a eleição, não tem seu voto revertido ao partido. Esses votos se perdem e não se expressam em cadeiras. Da mesma forma, um candidato muito popular nacionalmente só pode ser votado por residentes em seu distrito.
Nestas eleições, o Labour ganhou apenas 33,9% do voto popular, mas controlará 65% do parlamento. O Partido Conservador, com 23,6% do voto popular, terá 119 assentos no parlamento.
Os Liberais Democratas terão 71 assentos com apenas 12,1% dos votos populares, enquanto o partido de extrema-direita (Reform UK), com 14,3% dos votos populares, terá apenas 4 cadeiras.
O Partido Verde, com 6,8% dos votos populares, o Reform UK, com 14,3% dos votos populares, e Plaid Cymru, com 0,7%, terão todos o mesmo número de cadeiras no parlamento, 4.
A campanha do Labour parece ter sabido explorar essa característica do sistema eleitoral com grande estratégia, no entanto, nem sempre com métodos legítimos, senão por vezes criminosos. Por exemplo, atacando e difamando candidatos específicos vistos como ameaça, como o caso de George Galloway no distrito de Rochdale. Como denunciou o Double Down News, removendo candidatos anti-armamentistas do próprio partido sem aviso e de última hora, e substituindo-os por candidatos associados a corporações acusadas de fraude e com enorme financiamento para campanha (ver aqui também).
Essa tática de Keir Starmer é, na realidade, a continuação de uma estratégia muito bem-sucedida que o levou a ascender a líder do Labour através de um golpe interno, que expurgou Jeremy Corbyn e a ala progressista do partido, acusando-os de anti-semitismo. Essa ascensão, apoiada pelo lobby sionista e interesses corporativos (há suspeitas inclusive do envolvimento dos serviços secretos), foi denunciada extensamente pelo documentário da Al Jazeera, The Labour Files, ignorado pela imprensa britânica. Trata-se de “uma investigação baseada no maior vazamento de documentos da história política britânica (…) que examinou milhares de documentos internos, e-mails e mensagens de mídia social para revelar como os altos funcionários (Keir Starmer) de um dos dois partidos do governo do Reino Unido deram um golpe de Estado contra o líder eleito do partido (Jeremy Corbyn). O documentário mostra como os funcionários começaram a silenciar, excluir e expulsar seus próprios membros em uma campanha implacável para destruir as chances de Jeremy Corbyn se tornar o primeiro-ministro da Grã-Bretanha sob o manto do antissemitismo. Os candidatos a cargos políticos importantes foram bloqueados e os grupos do distrito eleitoral foram suspensos enquanto o escritório central do partido procurava controlar a liderança eleita.”
Tal como revelou o renomado jornalismo investigativo do Declassified UK, 2/5 do gabinete de Keir Starmer tiveram sua ascensão financiada pesadamente por lobbies pró-Israel. Não apenas isso, Starmer e membros do seu gabinete receberam milhares de libras em “presentes”, geralmente a porta de entrada de lobbies para ter acesso a candidatos para depois selar acordos mais lucrativos.
Starmer e seu gabinete abertamente defendem o genocídio em Gaza. David Lammy, parlamentar e braço direito, apesar de negro, apoia o apartheid racista, declarando durante o recente ataque a Rafah, onde dezenas de civis morreram queimados, que “havia uma justificativa legal para Israel fazer esse ataque.”
David Lammy é apenas um exemplo do gabinete de Starmer que apoia explicitamente o que no consenso jurídico configura, no mínimo, um crime de guerra.
Outra revelação do Declassified UK foi a participação de Starmer em cobrir os crimes de guerra de Israel através do abuso de poder de sua função. “Em outubro de 2011, Keir Starmer foi solicitado por um grupo de direitos humanos e um escritório de advocacia a emitir um mandado de prisão para a ex-ministra das Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni, que estava visitando Londres, por supostos crimes de guerra. Na época, Starmer era Diretor de Processos Públicos (DPP) do Crown Prosecution Service (CPS). Mas dois dias depois, ele bloqueou o pedido de prisão de Livni, citando uma decisão do Ministério das Relações Exteriores de conceder à visita dela o status de ‘missão especial’.”
Outro fator que explica a catapultante vitória do Labour é a imensa rejeição que o Partido Conservador acumulou em 14 anos de vandalismo legislativo, desregulamentação, marginalização de acordos internacionais, políticas de austeridade e políticas ferozes de criminalização da imigração viabilizadas por uma implementação talibanesca do Brexit. O Reino Unido, livre das amarras constitucionais da Europa, implementou o Brexit em violação contínua dos direitos fundamentais e dos acordos de Paz com a Irlanda do Norte.
Ministros como Suella Braveman e Priti Patel, duas filhas de imigrantes asiáticos, fizeram campanhas para a revogação dos Direitos Humanos (Human Rights Act) da legislação britânica e introduziram legislação criminalizando jornalistas e ativistas em padrões a serem invejados pelo ditador El Sisi do Egito, infame pela sua perseguição a jornalistas.
Suella Braveman falava que era “seu sonho e obsessão enviar requerentes de asilo político num avião à Ruanda”, mas a Corte Europeia de Direitos Humanos e ativistas interviram quando o voo carregando vítimas de guerra do Afeganistão e outros países estava prestes a decolar no aeroporto de Heathrow.
A ala da ultradireita do Partido Conservador, os talibãs do Brexit e da supremacia britânica no mundo, acabou por se tornar um fator contraproducente ao gerar dois outros fenômenos: o eleitor mais moderado do conservadorismo migrou para os Liberais Democratas e partidos independentes, e a linha dura por eles criada encontrou um novo lar: o Partido de extrema-direita Reform UK, que fragmentou de forma decisiva o voto conservador e usou alegações sem provas de intervenção russa na campanha para ganhar votos. Paradoxalmente, esse foi um dos argumentos usados pelos próprios conservadores num inquérito parlamentar pós-Brexit, e pelos democratas nos Estados Unidos, o infame Russiagate que teve que ser desmentido.
Partir do princípio que o resultado eleitoral é expressão de uma eleição livre no Reino Unido é o pressuposto equivocado para a análise dos resultados. A cooptação do processo eleitoral britânico pelos financiamentos sem transparência, associada à máquina de desinformação, extermínio de candidaturas, é o ponto de partida para entender os resultados. Esses fatores determinam, por não dizer cooptam, o processo eleitoral britânico, chagado pelas consequências econômicas do Brexit, das sanções à Rússia e de um estado militarizado. £12,00 por minuto são gastos no Reino Unido para financiamento da indústria bélica, mas os estrangeiros que precisam ser deportados e a “fanfarra” do estado social abatido.
Não há nenhum motivo para celebrar a obscura ascensão de Keir Starmer ao poder.
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