Peso das emendas cresceu a partir de 2016. Estudo detalha o financiamento de ações e serviços públicos de saúde e retrata as desigualdades regionais de 2010 a 2022
O uso de emendas parlamentares (EPs) na alocação de recursos do orçamento federal para ações e serviços públicos de saúde ganhou relevância no Brasil a partir de 2016. Em 2014 e 2015, quando ainda não havia sido aprovada a obrigatoriedade da execução das EPs por emenda à Constituição, as emendas parlamentares representaram 3,2% e 1,7%, respectivamente, do orçamento do Ministério da Saúde com ações e serviços públicos de saúde (ASPS). Esse percentual subiu para 7,1% em 2016, 10,1% em 2019 e 9,9% em 2022.
Os dados estão no estudo Financiamento das Ações e Serviços Públicos de Saúde no Brasil: um retrato das desigualdades regionais do período 2010-2022, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nesta sexta-feira (28). Os autores – Fabiola Vieira, especialista em políticas públicas e gestão governamental no Ipea, e Sergio Francisco Piola, pesquisador bolsista – analisaram os gastos das três esferas de governo (federal, estaduais e municipais) no financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Após a aprovação do limite para as emendas parlamentares individuais pela Emenda Constitucional nº 86 e com a proliferação de emendas de bancada, que também passaram a ser impositivas a partir de 2019, e de emendas de relator, o peso das emendas parlamentares no orçamento do Ministério da Saúde subiu consideravelmente”, explica Vieira. O estudo constatou que as emendas de relator e as emendas individuais alcançaram todas as Unidades Federativas em 2022.
Naquele mesmo ano, as emendas individuais tiveram seus maiores valores per capita nos estados de Roraima (143,3), Amapá (112,2), Acre (109,7) e Tocantins (58,5). Já as emendas de relator tiveram, também em 2022, seus maiores valores per capita em Roraima (117,7), Acre (84,9), Maranhão (83,9) e Piauí (73,8). “A alocação de recursos por emendas parlamentares tem gerado preocupações em decorrência do crescimento de sua participação no orçamento do Ministério da Saúde, dado o contexto de subfinanciamento crônico do SUS e de questionamento do piso federal em ações e serviços de saúde após a aprovação do novo arcabouço fiscal”, completa Piola.
Vieira explica que, nos últimos anos, houve redução da participação federal no financiamento público da saúde, que passou de 44,2% em 2010 para 37,5% em 2022. Já os estados, Distrito Federal e municípios aportavam 55,8% em 2010 e passaram a 62,4% em 2022. “Isso é grave, pois são os recursos da União aqueles que podem diminuir, de forma mais concreta, as desigualdades regionais no financiamento setorial. E embora as emendas parlamentares possam representar um caminho de atendimento de demandas regionais no orçamento da saúde, ao serem majoritariamente destinadas para ações de custeio, podem estar criando problemas futuros para a sustentabilidade da oferta de serviços de saúde”.
Com relação à distribuição das emendas segundo a natureza da despesa, desde 2016, a maior parte dos recursos alocados por meio de EPs foi destinada a cobrir outras despesas correntes (ODC), que constituem o principal grupo de despesa do Ministério da Saúde. Em 2022, por exemplo, outras despesas correntes alcançaram 83,4% do gasto total com ações e serviços de saúde.
Gastos com serviços públicos de saúde
A pesquisa também revela que o gasto com ASPS no Brasil cresceu 26,6% entre 2010 (R$ 280,9 bilhões) e 2019 (R$ 355,8 bilhões), quando apresentou um incremento médio anual de quase 3%, superior ao crescimento populacional no mesmo período, estimado em 0,8% ao ano. Os anos de 2020 (R$ 402,5 bilhões) e 2021 (R$ 432,4 bilhões) foram de crescimento atípico, em virtude dos gastos realizados para o enfrentamento da pandemia de covid-19. Já em 2022, os registros indicam gastos de R$ 403,7 bilhões –ainda superiores ao período pré-covid, mas voltando ao compasso mais usual.
Em relação à participação do gasto com ações e serviços de saúde das esferas de governo no produto interno bruto (PIB), o estudo mostra que o gasto federal, com exceção dos anos de 2020 e 2021, manteve-se, entre 1,6% e 1,7% do PIB. O gasto estadual, por sua vez, ficou entre 0,9 e 1,1% do PIB. O aumento mais consistente ocorreu na esfera municipal: o equivalente a 1,0% do PIB em 2010 para 1,4% em 2022.
As regiões Nordeste e Norte são as que contabilizam os menores gastos totais por habitante, no período de 2010 a 2022. Além disso, a região Centro-Oeste, a partir de 2018, passou a ser aquela com maior gasto per capita consolidado, superando as regiões Sudeste e Sul. O Norte e Sul são, respectivamente, as regiões que receberam os menores e os maiores valores de recursos federais regionalizados, por habitante, no período 2010-2022. As regiões Nordeste, desde 2016, e Centro-Oeste, desde 2019, superaram o Sudeste no ranking dos valores per capita do gasto federal com ações e serviços de saúde regionalizado.
Publicado originalmente pelo IPEA em 28/06/2024 – 18h57