Por que Xi Jinping está cauteloso com o abraço de Kim Jong Un a Vladimir Putin

Kim Jong Un, à esquerda, e Vladimir Putin selaram um acordo de assistência mútua de defesa durante a visita do presidente russo à Coreia do Norte na semana passada © Korean Central News Agency/Korea News Service/AP

Líder norte-coreano estreita laços com presidente russo, aumentando sua independência de Pequim

Em um artigo sobre a recente visita de Vladimir Putin à Coreia do Norte, a agência estatal chinesa Xinhua afirmou que a viagem deve ter “mexido com os nervos” de Washington. O que a propaganda chinesa naturalmente omitiu foi como o encontro de Putin com Kim Jong Un, que selou um acordo de assistência mútua em defesa, deve ter irritado outra grande capital: Pequim.

O presidente Xi Jinping tem observado cautelosamente há meses enquanto dois importantes, embora difíceis, parceiros se aproximam, com Pyongyang fornecendo a Moscou a tão necessária munição para sua invasão da Ucrânia em troca de promessas de melhores tecnologias militares.

Publicamente, a China se absteve de críticas. Mas sinais de desconforto estão surgindo. Em abril, Xi enviou a figura mais sênior do Partido Comunista Chinês a visitar a Coreia do Norte em cinco anos para reafirmar a “profunda amizade” entre os dois lados.

Analistas acreditam que a China está preocupada que os laços cada vez mais estreitos de Kim com Putin possam aumentar sua sensação de independência de Pequim. Se encorajado, o ditador norte-coreano poderia realizar mais testes de mísseis que ameaçariam desestabilizar uma região já tensa.

A última visita de Putin não fará nada para aliviar essas preocupações. Os líderes russo e norte-coreano assinaram um “Tratado de Parceria Estratégica Abrangente”, que promete assistência militar e outras “por todos os meios disponíveis” em caso de ataque, segundo uma tradução do NK News.

O problema para a China, disse Shen Dingli, professor chinês de estudos internacionais, é que Pequim e Pyongyang têm seu próprio acordo de defesa mútua no “Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua”, assinado pela primeira vez em 1961. Isso significaria que, se Pyongyang se sentisse obrigada pelo tratado a se envolver em uma das guerras da Rússia — como a invasão da Ucrânia — os inimigos de Moscou poderiam atacar a Coreia do Norte. Isso, por sua vez, poderia desencadear o tratado de defesa mútua entre Pequim e Pyongyang, colocando a China em uma situação delicada.

“A Coreia do Norte colocou a China em uma situação muito perigosa desnecessariamente”, disse Shen.

Outros estudiosos são mais otimistas, destacando que o tratado sino-norte-coreano foi assinado há décadas e a interpretação de Pequim sobre ele evoluiu. Ren Xiao, professor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade de Fudan, disse que o pacto para a China “não significa envolvimento militar automático em qualquer conflito na península coreana”.

A relação bilateral entre China e Coreia do Norte tem sido tensa, levando alguns analistas a chamá-los de “aliados amargos”. Pyongyang regularmente lança provocações militares contra seus vizinhos, causando descontentamento em Pequim ao perturbar a estabilidade regional.

A linguagem do tratado russo-norte-coreano também pode ter sido vaga o suficiente para dar margem de manobra a ambos os lados. Durante a era soviética, os dois países também tinham um acordo de defesa mútua, mas nunca foi invocado, apesar de vários conflitos relevantes, e acabou expirando.

“A ressalva é o que constituiria assistência”, disse Yun Sun, diretor do programa China do Stimson Center, um think-tank em Washington. “Então, parece que eles deixaram isso bem nebuloso.”

Tudo isso levanta a questão de por que Kim e Putin, que dependem mais do que nunca de Xi, arriscariam irritar seu poderoso parceiro. Shen sugeriu que eles podem sentir que a China não os ajudou o suficiente — Putin gostaria de mais do que apenas tecnologia de uso dual para ajudar sua guerra na Ucrânia e quer que Pequim compre mais gás russo. Kim, por sua vez, pode acreditar que Pequim não está fornecendo apoio suficiente contra os EUA e seus aliados. Quando líderes chineses, japoneses e sul-coreanos falaram sobre a desnuclearização da península coreana em uma cúpula trilateral no mês passado, Pyongyang denunciou a discussão como uma “grave provocação política”.

Kim também chamou a Rússia de “amigo mais honesto” da Coreia do Norte durante a recente visita de Putin — uma indireta à China que ecoa a habilidade de Pyongyang de jogar Pequim contra Moscou durante a Guerra Fria. Ambos os líderes estavam ansiosos para demonstrar que tinham mais amigos do que apenas Pequim.

Poucos esperam protestos visíveis de Pequim. A China ainda quer manter distância de algum tipo de arranjo estratégico tripartite com as duas nações rebeldes. Em uma dica da frustração de Pequim, a Xinhua foi desdenhosa sobre a potencial contribuição comercial da Coreia do Norte para a Rússia. A Coreia do Norte “não pode fornecer um ímpeto proeminente para a Rússia sair de suas dificuldades econômicas no curto prazo”, escreveu a Xinhua. Ficou subentendido que, quando se tratava de apoio econômico, a China era praticamente a única opção para Putin.

Para Xi, que se orgulha de seu relacionamento pessoal com Putin, o episódio é um lembrete de que a amizade conta pouco na diplomacia, mesmo em uma parceria “sem limites” como a que a China afirma ter com a Rússia.

Via Financial Times.

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