Por Tainá de Paula*
Hoje, 19 de junho, é dia do Cinema Brasileiro, e as produções para as telonas são um dos maiores tesouros da nossa cultura. De Orfeu Negro, que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1960 (representando a França, mas todo mundo sabe que Orfeu e Eurídice são gente nossa, e aqui do Rio!), à beleza emocionante de Marte Um, que representou o Brasil na cerimônia de 2023, e conta a história de Deivid (interpretado pelo fofíssimo Cícero Lucas), menino negro que sonha ser um astronauta da Nasa, o que não falta é talento e sensibilidade para envolver audiências.
Escolhi esses dois exemplos a dedo, justamente para refletir sobre quem é que faz cinema no Brasil. Como em Hollywood, homens brancos constituem a grande maioria nos cargos de direção, produção e roteiro. Mulheres, negros e indígenas e o povo LGBTQIA+ têm trabalhado muito por muito pouco para obter representação e reconhecimento equitativos.
Recentemente eu li uma compilação de políticas públicas para a diversidade racial e de gênero, feita para o Nexo Jornal por Marcia Rangel Candido e Marcelle Felix, que confirma meu compromisso em ser uma preta na política. O cinema brasileiro tem sido palco de movimentos voltados para a promoção da diversidade racial e de gênero em suas produções. Desde o ano 2000 iniciativas e políticas públicas têm sido implementadas para ampliar a representatividade e a diversidade nas telas e bastidores do audiovisual nacional.
Um marco significativo foi o “Manifesto Gênese do Cinema Negro Brasileiro”, liderado por Jeferson De em 2000, que fez um chamado crucial para a inclusão e representação de pessoas negras nas produções cinematográficas do país. O “Manifesto de Recife” em 2001 reforçou essas reivindicações durante o Festival de Cinema da cidade, mostrando movimento e articulação da negritude do setor.
Em 2010 foi implementado no Brasil o “Estatuto da Igualdade Racial”, que começou a estabelecer diretrizes preliminares para a inclusão de cotas no audiovisual – um primeiro passo legislativo rumo à equidade racial no cinema. A partir de 2012, com o lançamento do “Edital Curta-Afirmativo”, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura deu um passo adiante ao financiar curtas-metragens que protagonizam a juventude negra. Editais subsequentes, como o “Edital Curta Afirmativo 2014”, expandiram o escopo sem perder o critério racial.
A criação da APAN (Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro), em 2015 é um ponto de inflexão, reunindo cineastas negros do país em defesa de direitos e em busca de mais oportunidades. A associação promove visibilidade, e também pressiona por políticas públicas mais inclusivas. Em 21 de novembro de 2017 foi oficializada na Ancine a Comissão de Gênero, Raça e Diversidade, visando implementar medidas de redução das disparidades de raça e gênero no audiovisual.
Mas políticas culturais retrógradas, implementadas durante o governo Bolsonaro, causaram retrocessos notáveis. Em 2019, o inelegível instituiu um decreto (Nº 9.759) que simplesmente encerrou canais de participação da sociedade civil no governo – e entre muitas comissões, grupos de trabalho, comitês e outros espaços sociais de participação extinguidos, um foi a Comissão de Gênero, Raça e Diversidade da Ancine. Isso representou um revés para os avanços conquistados na última década.
Apesar dos desafios, iniciativas como o “Edital Ruth de Souza”, já de 2023 no Governo Lula, e focado exclusivamente em longas-metragens dirigidos por mulheres, bem como as contínuas publicações de relatórios pela Ancine sobre desigualdades de raça e gênero, mostram um movimento de resistência e continuidade na luta por um cinema mais diverso e representativo no Brasil.
O cenário do cinema brasileiro é marcado por avanços importantes, mas não ficou imune aos retrocessos. Isso só evidencia a necessidade por políticas públicas efetivas, para entregar as demandas legislativas e democráticas que vêm dos profissionais e dos movimentos sociais engajados na promoção da equidade racial e de gênero no setor audiovisual do país.
Viva o Cinema Nacional, e viva a negritude do audiovisual brasileiro. De Orfeu Negro à Marte Um, com a bênção de Ruth de Souza, é tudo nosso!
*Tainá de Paula é arquiteta, urbanista e ativista das lutas urbanas. É especialista em Patrimônio Cultural pela Fundação Oswaldo Cruz e Mestre em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é vereadora da Cidade do Rio de Janeiro.