Por Rodrigo Perez
No último dia 10, o presidente Lula se reuniu com reitores para anunciar o investimento de 5.5 bilhões de reais do Novo PAC nas universidades federais e hospitais universitários.
O evento faz parte de um complexo, e tenso, processo de negociação entre o governo e entidades sindicais representativas dos professores e técnicos administrativos, em greve há quase três meses.
Segundo o presidente, somados ao plano de reestruturação da carreira e a promessa de reajuste salarial para janeiro de 2025, os investimentos anunciados tornam a greve sem sentido, e que muitas vezes as lideranças sindicais têm coragem para iniciar uma greve, mas não têm para finalizá-la.
Lula disse, ainda, que em uma negociação é necessário saber que nunca podemos ganhar tudo e quem quer ganhar tudo, acaba com nada. As palavras do presidente foram mal recebidas pelas categorias em greve, que formam o núcleo duro de sua base social.
Pessoalmente, não acho que Lula tenha dito nenhum absurdo. Como ex-líder sindical, o presidente apenas refletiu sobre o fundamento elementar da atividade sindical em tempos de greve. Fato é que os servidores estão insatisfeitos, e não só com a declaração do presidente, mas com a forma como o governo vem tratando o movimento grevista.
É difícil dizer que uma greve que conseguiu mobilizar todo o sistema não seja legítima. De fato, a precarização dos campi universitários chegou no limite da disfuncionalidade. Há, também, as perdas salariais acumuladas durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, que ainda não foram completamente compensadas pelo governo Lula, apesar do reajuste já oferecido em 2023 e com o aumento linear prometido para 2025.
Porém, é perfeitamente possível avaliar os efeitos da greve. Por mais que as lideranças tentem fazer uma “greve de ocupação”, o esvaziamento dos campi é inevitável, o que traz graves prejuízos para a economia local e lança trabalhadores informais que dependem do pleno funcionamento da universidade em situação de miséria.
Sem contar, é claro, o prejuízo acadêmico para os estudantes, que têm seus planos de vida comprometidos, algo especialmente grave neste momento em que o governo federal lançou o Concurso Nacional Unificado. Certamente, muitos estudantes terão dificuldade de tomar posse nos cargos para os quais foram aprovados em virtude do atraso no calendário de conclusão de seus cursos.
Há, também, o aspecto político. É difícil explicar para a opinião pública que a comunidade que tanto se engajou na “campanha do L” tenha feito uma greve, justamente, contra o governo que ajudou a eleger. É algo ainda mais estranho se levarmos em consideração que as universidades não pararam durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, que de fato eram inimigos da educação pública.
Também acho que o movimento grevista se equivocou ao não tomar o parlamentarismo orçamentário de Arthur Lira como alvo prioritário da insatisfação. Normalmente, greves de servidores públicos se direcionam contra os governos. Mas não estamos em tempos normais. Ainda vivemos sob o golpe parlamentar que derrubou a presidenta Dilma em agosto de 2016. De lá para cá, foi imposta uma perversa legislação que enfraqueceu a instituição Presidência da República.
Autonomia do banco central, a PEC do Teto de Gastos e a prática do orçamento secreto. Um governo que tem 21% do orçamento sequestrado pelo Congresso Nacional (algo que não acontece nem mesmo em Repúblicas parlamentaristas) não pode ser eficiente na execução de políticas públicas. O movimento grevista das universidades parece não ter capturado bem as especificidades da experiência de crise democrática ainda em curso no Brasil.
A greve das universidades foi amplamente explorada pela oposição bolsonarista no Congresso Nacional, com o deputado Nikolas Ferreira (PL/MG) instrumentalizando a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para desestabilizarar o presidente Lula. Em um momento difícil para o governo, a greve nas universidades federais foi, sim, fator de desgaste. Quais serão os efeitos? Precisamos esperar o filme acabar. Em 2015, na ocasião da última greve realizada pelo segmento, os impactos na derrocada final de Dilma não foram irrelevantes.
Por outro lado, é inegável que a greve forçou o governo a ceder e a proposta para as instituições e para os servidores, de fato, melhorou. Nesse sentido, podemos dizer que a greve foi vitoriosa? Bom, depende da relação custo X benefício e, certamente, essa questão estará em disputa dentro das próprias universidades durante os próximos anos.
O que me parece evidente é que a greve desgastou a relação do governo com parte da comunidade universitária. Desgastou a tal ponto que já é possível observar o retorno do velho antipetismo de esquerda. Enunciados como “o PT traiu sua base”, “Lula se rendeu ao mercado financeiro” voltaram a ressonar em círculos da esquerda brasileira, tendo, agora, o ministro Fernando Haddad como um dos principais alvos da crítica.
Durante o governo Bolsonaro e na conjuntura das eleições de 2022, o PT conseguiu hegemonizar a esquerda brasileira, após anos de conflitos e de acusações. Os leitores com melhor memória devem lembrar do lema “fora todos” e da tese segundo a qual o impeachment de Dilma não passava de um “conflito entre frações da burguesia brasileira”, tão enunciados por grupos de esquerda entre 2015 e 2016.
Parece que a trégua acabou e a memória do governo Bolsonaro já não é mais tão traumática a ponto de vabilizar o consenso petista na esquerda brasileira. É provável que a partir de agora, o governo Lula precise lidar com mais um problema, entre tantos outros: o antipetismo de esquerda.
É um problema menor diante da voracidade do centrão e da capacidade de mobilização da extrema direita bolsonarista? Talvez seja. Mas bem sabemos que quando as coisas não estão bem, não existe problema pequeno.