Os dados para inflação divulgados ontem pelo IBGE deveriam ligar o sinal amarelo do governo Lula (e suponho que já tenham ligado).
Se há um fator que pode reduzir a aprovação do governo e gerar, com isso, instabilidade política, é a inflação dos alimentos.
Antes dos alertas, todavia, e até para não confundirmos isso com alarmismo, é importante ter em mente duas boas notícias de ordem estrutural.
A primeira é que, de modo geral, a inflação está sob controle. O índice acumulado em 12 meses, de 3,93%, ainda se mantém abaixo de 4%, ou seja, ainda está abaixo do limite máximo estabelecido pelo governo e pelo Banco Central.
A inflação de maio (0,46%), um pouco superior a de abril (0,38%), puxou o índice em 12 meses um pouco para cima, mas desde março nos afastamos da zona do perigo, que são indicadores acima de 5%, como se deu em setembro de 2023.
A outra boa notícia é que a inflação de alimentos, um dos indicadores que, por motivos óbvios, mais impactam os mais pobres, recuou em maio para 0,62%, na comparação com abril, que foi de 0,70%. Um detalhe é que houve um recuo razoável nos preços dos alimentos consumidos em domicílio (ou seja, comprados no mercado), de 0,81% em abril para 0,66% em maio.
Então é isso.
A inflação está sob controle, mas há alguns incêndios que o governo precisa apagar com relativa urgência.
A propósito, o boletim Focus, publicação semanal do Banco Central, com previsões do mercado, sinaliza indicadores econômicos, incluindo fiscais, bastante sólidos para 2024, 2025 e 2206. Segundo o Focus, a inflação de 2024 deve fechar este ano em 3,9%, ou seja, dentro da meta. E a de 2025, em 3,78%. O resultado nominal do PIB deve fechar o ano com déficit de 7,04%, mas cair para 6,39% em 2025, e ceder ainda mais nos dois anos seguintes.
Agora vamos às notícias ruins.
A principal delas é que, mesmo tendo caído um pouco em maio, na comparação com abril, a inflação dos alimentos ainda está alta. A maneira mais intuitiva de entender isso é comparando com a inflação geral. A inflação dos alimentos foi de 0,62% e a inflação geral foi de 0,46%.
Quando se usa o outro indicador do IBGE, o INPC, que foca num público de menor poder aquisitivo (1 a 5 salários de renda familiar mensal), a alta de inflação em maio é sentida com mais peso, tanto a geral como a de alimentos. A inflação geral no mês, para o INPC, foi de 0,46% em maio, contra 0,37% em abril e 0,19% em março.
Um lado bom é que a inflação mensal do INPC ainda está muito menor que os meses mais difíceis de dezembro a fevereiro, quando oscilaram de 0,55% a 0,81%.
No acumulado em 12 meses, o INPC ficou em 3,34%, um índice bom para o Brasil, e bem distante dos 4,51% de setembro. Bom também. Mas veremos adiante que, mesmo assim, há razões para ficarmos alertas.
Por exemplo: indicador para alimentos do INPC cresceu para 0,64% em maio, na comparação com o mês anterior. Isso é grave!
Entretanto, o que deve estar fazendo os estrategistas políticos do governo ficarem de cabelos em pé é o comportamento de alguns alimentos específicos, e que são muito apreciados pela culinária popular, como a batata, a cebola, a cenoura, o alho e, sobretudo, o arroz!
Esses produtos experimentaram uma alta explosiva nos últimos meses. O arroz, para citar um alimento que está nas manchetes hoje, por causa da decisão do governo de voltar a fazer estoques reguladores, registra uma alta de quase 27% em 12 meses! No mês de maio, a alta do arroz foi de 1,47%.
Esse comportamento no preço do arroz prova que o governo está absolutamente correto em sua determinação de importar arroz e estocar na Conab, como os governos brasileiros, aliás, fizeram por décadas, até o golpe de 2016, quando essa política foi desmontada por Michel Temer e Bolsonaro.
O aumento da cebola, alimento também muito popular entre os brasileiros, é ainda mais perturbador. Em 12 meses, o preço médio da cebola no país subiu 86%. E a situação ainda está complicada, por que houve aumento de quase 8% em maio (depois de crescer 15% em abril).
Conclusão
A alta nesses produtos básicos, especialmente a concentração em alguns deles, se explica pela volatilidade natural das safras agrícolas, expostas aos humores do clima. Aparentemente, o clima anda ficando mais volátil nos últimos anos, e por isso os brasileiros terão que conviver com variações mais intensas no preço dos produtos.
Foi o caso da cebola, tomate e arroz, prejudicados pelas adversidades climáticas observadas desde meados do segundo semestre de 2023, como as fortes chuvas em setembro, que comprometaram a safra de hortaliças, especialmente na região Sul. Essa informação, a propósito, foi confirmada por levantamento feito pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), um dos principais “think tanks” agrícolas do Brasil.
Importante não esquecermos que a oscilação nos preços dos produtos agrícolas vendidos nos supermercados brasileiros visam cobrir os custos dos produtores rurais. Com isso, eles podem expandir a sua produção na safra seguinte, estabilizando os preços de forma relativamente rápida.
A solução mais simples para o combate à inflação dos alimentos, claro, está ao alcance das próprias famílias, que é adotar hábitos de consumo mais flexíveis, seletivos e bem informados, reduzindo o consumo dos alimentos que estiverem, por conta de razões climáticas, com preços fora da média. A enorme variedade de alimentos naturais disponíveis nos mercados brasileiros, em virtude da nossa agricultura pujante (tanto comercial como familiar), facilita esse tipo de estratégia. O governo pode ajudar com informação, mas o próprio mercado corrige automaticamente essas distorções.
A outra solução, e que o governo já adotou, é recompor os estoques reguladores da Conab.
Por fim, as grandes cidades brasileiras precisam ter políticas públicas voltadas à organização de cinturões agrícolas, especialmente de produtos mais rapidamente perecíveis, como legumes, frutas e folhas. Isso também vai ajudar a estabilizar os preços, além de assegurar boa qualidade dos produtos, sem contar a geração de empregos nas áreas rurais das periferias das metrópoles. É perigoso, para um país com centros urbanos tão gigantescos, depender da produção agrícola concentrada em regiões distantes, ainda mais em tempos de volatilidade crescente no clima.