Se você tiver curiosidade para examinar uma guerra híbrida se formando, desde o início, convido-o a ler o texto abaixo, do Joshua Kurlantzick, um analista à serviço dos interesses imperiais. O primeiro ministro da Malásia, Anwar Ibrahim, decidiu assumir uma postura independente e pragmática na geopolítica regional, e já começou a ser duramente atacado pelos think tanks de Washington, como Council on Foreign Relations, para o qual o autor do texto abaixo trabalha.
Para os EUA, os países localizados ao Sul da Ásia tem apenas uma função, que é servir de posto avançado de seus joguinhos de guerra contra a China. Como Anwar tem formação ocidental, os lobistas de Washington achavam que ele seria subserviente e flexível às suas pressões, submetendo a Malásia a “acordos militares” que a jogariam em rota de colisão direta com Pequim. Não é isso que tem acontecido. Anwar assumiu uma postura independente, que o artigo abaixo chama de “indecisão política”.
Leia o artigo abaixo, portanto, com essas lentes. É um ataque inicial de uma estratégia maior de guerra híbrida, que frequentemente desemboca no patrocínio a mudanças de regime, golpes de Estado, sanções econômicas, e o que mais instrumentos o deep state da guerra achar necessários para vergar a soberania dos países a seus desígnios.
Entretanto, é interessante notar que mais mais países vem se rebelando contra esse tipo de imperialismo. É a razão pela qual, a propósito, tantas nações mostram interesses em ingressar nos Brics, como forma de se protegerem contra esse tipo de pressão.
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Indecisão na política externa de Anwar agrava desafios da Malásia
Por Joshua Kurlantzick, em 10 de junho de 2024, para o World Politics Review.
Ao assumir o cargo de primeiro-ministro da Malásia no final de 2022, após décadas na oposição, Anwar Ibrahim prometeu inaugurar uma nova era na política interna e externa do país. Reformista político e defensor da moderação religiosa, Anwar mantinha relações próximas com os EUA, ao mesmo tempo que mantinha contatos importantes na China. Observadores esperavam que ele pudesse convencer Pequim a levar mais a sério as reivindicações territoriais da Malásia no disputado Mar do Sul da China e cumprir compromissos de enfrentar desafios econômicos e combater a corrupção.
No entanto, Anwar e seu governo falharam em grande parte em ambas as frentes, com consequências mútuas. Ele parece cada vez mais improvável de realizar suas promessas audaciosas de atrair investimentos e fazer reformas econômicas. Parte dessa falha se deve à sua posição severa na guerra Israel-Hamas em Gaza, que alienou os Estados Unidos. Além disso, ele não defendeu suficientemente os interesses de segurança da Malásia contra os avanços da China e não conseguiu atrair um fluxo significativo de investimentos chineses.
Anwar sempre teve laços pessoais próximos com formuladores de políticas dos EUA e da Europa, onde sua experiência como líder da oposição preso repetidamente gerou simpatia e apoio. Líderes ocidentais comemoraram sua nomeação como primeiro-ministro, e muitas empresas americanas e europeias consideraram aumentar os investimentos na Malásia. A administração de Joe Biden esperava que a Malásia, sob a liderança de Anwar, desempenhasse um papel mais ativo na cooperação de segurança em uma região ameaçada pela assertividade militar da China.
No entanto, enquanto a China ameaça a segurança da Malásia de maneiras que Kuala Lumpur não pode mais ignorar, Anwar hesitou. Outros estados do Sudeste Asiático, como as Filipinas sob o presidente Ferdinand Marcos Jr., se aproximaram do guarda-chuva de segurança dos EUA ou, como Cingapura, seguiram um jogo equilibrado habilidoso entre as potências. A Malásia, por outro lado, parece incerta sobre o que fazer. Em uma conferência em Tóquio, Anwar disse: “Embora eu mantenha excelentes relações com os Estados Unidos, Japão e [Coreia do Sul], acho que para a Malásia e para a região, é melhor continuar a se engajar com a China.”
As falhas na política externa de Anwar podem exacerbar seus desafios internos, dificultando a atração de investidores dos EUA e do Ocidente. Ele acredita ingenuamente que as diferenças entre EUA e China serão resolvidas, uma perspectiva improvável, especialmente se Donald Trump, que prometeu medidas severas contra a China, voltar à Casa Branca. Anwar também anunciou recentemente que as disputas da Malásia com Pequim sobre o Mar do Sul da China poderiam ser resolvidas com “engajamento diplomático agressivo”, o que falhou durante anos.
Anwar parece disposto a permitir que a China tenha liberdade nas águas malaias, com implicações significativas para a segurança e economia da Malásia. Embora muitos investidores estrangeiros ainda estejam interessados na Malásia, a postura de Anwar sobre a guerra em Gaza azedou parte de sua boa vontade em Washington. Anwar tem usado regularmente um keffiyeh palestino e insistido que a Malásia manterá laços com o Hamas, criticando os EUA por seu papel no conflito.
Como resultado, a Malásia tem tido “menos trocas bilaterais de alto nível e visitas” com autoridades dos EUA, em contraste com os engajamentos com a China. Anwar se distraiu de suas prioridades domésticas, incluindo medidas para reduzir a burocracia, reformar o sistema educacional, criar uma burocracia mais meritocrática e promover a tolerância em um país onde os muçulmanos malaios estão se tornando mais conservadores. Em vez de usar sua habilidade para unir muçulmanos seculares e conservadores, Anwar nomeou um conselheiro religioso com uma visão extremamente rígida da lei islâmica.
A falta de direção clara na agenda doméstica e na política externa de Anwar está complicando o caminho já desafiador para ele e para a Malásia.
Joshua Kurlantzick é membro sênior para o Sudeste Asiático no Council on Foreign Relations e analista destacado para o World Politics Review.