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A queda acentuada nas matrículas de pós-graduação no Brasil

Número mostra um declínio do interesse em carreiras científicas acadêmicas. O total de ingressantes em programas de mestrado e doutorado caiu 12% entre 2019 e 2022, atingindo o nível mais baixo em quase uma década. Um relatório preliminar divulgado no mês passado pela Agência Federal de Apoio e Avaliação da Pós-Graduação (CAPES) constatou que o interesse dos […]

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Devido a questões sistêmicas e interrupções causadas pela pandemia da COVID-19, o interesse pelas carreiras acadêmicas no Brasil atingiu um novo nível. Crédito: Lucas Landau/Reuters

Número mostra um declínio do interesse em carreiras científicas acadêmicas. O total de ingressantes em programas de mestrado e doutorado caiu 12% entre 2019 e 2022, atingindo o nível mais baixo em quase uma década.

Um relatório preliminar divulgado no mês passado pela Agência Federal de Apoio e Avaliação da Pós-Graduação (CAPES) constatou que o interesse dos estudantes de graduação do país em seguir uma carreira acadêmica está em um ponto baixo. Após um crescimento constante entre 2015 e 2019, o número total de indivíduos inscritos em programas de mestrado e doutoramento começou a diminuir. Entre 2019 e 2022, mais de 14.000 vagas de pós-graduação foram perdidas, e 2022 teve o menor número de matrículas em pós-graduação em quase uma década.

Os programas de engenharia sofreram um impacto significativo. De 2015 a 2022, registaram-se um declínio geral no número de novos estudantes, que caiu de um pico em 2017 de 14.196 para 9.090 – uma diminuição de 36%. Os programas de pós-graduação em ciências agrárias também foram afetados, com queda de 23% desde 2015; nas ciências biológicas, esse número foi de 14%, e nas ciências da terra, foi de 12%.

“Isso é bastante preocupante”, diz Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação do Brasil, com sede em São Paulo. “Cerca de 90% da produção científica no Brasil envolve de alguma forma a participação de pós-graduandos e depende de suas contribuições”, acrescenta. Denise Guimarães Freire, química do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, diz que seu grupo passou por um declínio: “Há alguns anos, eu tinha dez alunos de pós-graduação em meu laboratório, mas agora só tenho três.”

Esses dados são do Plano Nacional de Pós-Graduação, documento publicado pela primeira vez na década de 1970 pela CAPES – órgão do Ministério da Educação de Brasília que avalia programas de pós-graduação e concede bolsas de mestrado e doutorado. O plano, que é publicado cerca de uma vez por década, contém métricas que informam a manutenção e o suporte do sistema de pós-graduação no Brasil.

Um factor óbvio que contribui para o declínio é a pandemia da COVID-19. Segundo o relatório, a suspensão das atividades presenciais gerou atraso nas inscrições, de modo que, em 2020, 25% dos programas de mestrado em 20 áreas de pesquisa tiveram mais vagas do que candidatos. Nos programas de doutoramento, 12 áreas registaram uma diminuição significativa da procura.

Falta de dinheiro

No entanto, alguns cientistas sugerem que esta crise poderá ter raízes estruturais que se estendem para além das perturbações pandémicas, tais como a falta de financiamento para subvenções e investigação. Soares diz que até 60% dos estudantes de pós-graduação no Brasil que fazem mestrado ou doutorado não têm bolsa ou financiamento por meio de projeto de pesquisa. No mês passado, num novo capítulo da crise de financiamento da ciência e da educação no Brasil, milhares de professores de universidades federais entraram em greve , exigindo salários mais elevados e financiamento para infra-estruturas em ruínas.

Essas circunstâncias podem levar muitos estudantes de pós-graduação a abandonarem os cursos e ingressarem no mercado de trabalho, afirma a presidente da CAPES, Denise Pires de Carvalho. Segundo dados da agência, num período de quatro anos iniciado em 2013, os programas de mestrado em engenharia tiveram uma taxa de evasão de 23%. Nos programas de doutoramento em engenharia, 21% dos alunos matriculados em 2013 abandonaram os estudos no prazo de cinco anos. “O mercado de trabalho nessas áreas é mais competitivo e oferece salários melhores do que qualquer bolsa acadêmica”, afirma Rodrigo Calado, pró-reitor de pós-graduação da Universidade de São Paulo.

Ao mesmo tempo, a inflação corroeu o valor das bolsas concedidas pela CAPES, o que também torna a pós-graduação uma perspectiva menos atraente. “Os valores das bolsas de mestrado e doutorado foram reajustados pela última vez em 2013, enquanto a inflação acumulada desde então chegou a 117%”, diz Carvalho.

No ano passado, diz ela, a agência criou 5.300 novas bolsas e aumentou o valor das bolsas de mestrado de 1.500 reais (US$ 290) para 2.100 reais por mês. As bolsas de doutorado foram aumentadas de 2.200 reais para 3.100 reais por mês. “Mas isso ainda não é suficiente para que os estudantes se dediquem em tempo integral à formação intelectual, principalmente em estados com alto custo de vida, como São Paulo e Rio de Janeiro”, diz Charles Morphy, pró-reitor associado de pós-graduação da Universidade Federal do ABC em Santo André, Brasil. Carvalho concorda, afirmando que “espera aumentar ainda mais estes valores até 2026”.

Longas distâncias

Além disso, muitos pesquisadores no Brasil descobriram que o longo tempo gasto em treinamento para uma carreira científica acadêmica não vale a pena. Geralmente, os cientistas levam pelo menos dez anos após obterem seu doutorado para conseguir um cargo permanente em uma universidade ou instituto de pesquisa. A trajetória profissional da bióloga Thaís Barreto Guedes ilustra essas dificuldades. Ela obteve seu doutorado em 2012 e realizou três bolsas consecutivas de pós-doutorado no Brasil e na Suécia.

Em 2022, aos 40 anos, ganhou uma bolsa de cinco anos para desenvolver um projeto sobre evolução de répteis e anfíbios tropicais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil. “Se eu não conseguir me firmar em uma universidade, estarei desempregado até 2027, pois não tenho contrato de trabalho com a Unicamp”, diz Guedes.

Para o biólogo Hernani de Oliveira, de 39 anos, a longa preparação e o investimento na carreira acadêmica ainda não valeram a pena.

Depois que Oliveira obteve seu doutorado na Queen Mary University of London em 2018, ele completou duas bolsas de pós-doutorado na República Tcheca e nos Estados Unidos. Em 2020, voltou ao Brasil para se firmar como pesquisador universitário, mas as oportunidades eram escassas. Ele passou a pandemia como pós-doutorado “enquanto [se candidatava a] cargos em universidades, institutos de pesquisa e agências governamentais — tudo sem sucesso”, diz ele.

Em vez disso, candidatou-se a um cargo de técnico de laboratório na Universidade de Brasília. “Sinto que meu potencial está sendo subutilizado”, diz ele. “Eu poderia estar fazendo pesquisas de alto impacto, mas em vez disso estou limpando vidros.” Olhando para trás, acrescenta ele, não escolheria seguir novamente a carreira acadêmica.

Estas duras realidades estão provavelmente a dissuadir os licenciados universitários de se inscreverem em programas de pós-graduação, dizem os entrevistados pela Nature. “Há uma percepção crescente no país de que não vale mais a pena ser professor ou cientista, pois as oportunidades se tornaram escassas e o salário se deteriorou devido à inflação”, diz Simon Schwartzman, sociólogo do Instituto de Estudos de Política Econômica em Rio de Janeiro. O governo estabeleceu um plano para formar 25 mil doutorados todos os anos entre 2014 e 2024, diz Schwartzman, “mas esqueceu-se de investir na infraestrutura necessária para absorvê-los”. Guedes acrescenta: “É como construir uma mansão e abandoná-la”.

Via Nature.

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