IPEA comprova piora das condições de trabalho em aplicativos

Foto: Agência Brasil

A crescente presença de trabalhadores autônomos no mercado de trabalho brasileiro, especialmente impulsionada pela expansão dos aplicativos de transporte e entrega, trouxe à tona questões significativas sobre a precarização das relações de trabalho. Este artigo analisa as condições de trabalho dos motoristas e entregadores no Brasil, utilizando dados da PNAD Contínua e outras fontes para avaliar os impactos da plataformização na qualidade do emprego e na segurança dos trabalhadores.

Nos últimos anos, o Brasil experimentou um aumento significativo no número de trabalhadores autônomos, em grande parte devido à flexibilização das leis trabalhistas e à popularização do modelo de microempreendedor individual (MEI). O fenômeno da “plataformização” – o uso de plataformas digitais para mediar serviços – tem sido um fator chave nessa transformação, promovendo a narrativa de autonomia e liberdade entre os trabalhadores. Contudo, os dados indicam uma realidade de crescente precarização.

De acordo com dados da PNAD Contínua, a proporção de trabalhadores autônomos no Brasil aumentou de 22,3% em 2012 para 27,3% em 2021. Este crescimento reflete tanto a expansão do trabalho por aplicativos quanto a flexibilização das leis trabalhistas, que incentivaram muitos trabalhadores a buscar oportunidades de emprego fora do tradicional mercado formal.

As plataformas digitais, que incluem empresas como Uber, iFood e 99, tornaram-se centrais para a economia gig. Estas plataformas são frequentemente promovidas como opções de trabalho flexíveis e autônomas, mas na prática, elas criam condições de trabalho que são frequentemente mais precárias do que aquelas encontradas no emprego formal.

Os motoristas e entregadores são os principais grupos afetados pela plataformização. A análise dos dados da PNAD Contínua revela que essas ocupações têm experimentado uma redução significativa na qualidade do emprego.

Os motoristas de passageiros, que incluem taxistas e motoristas de aplicativos, viram uma transformação dramática em suas condições de trabalho. Antes da chegada das plataformas, a maioria dos motoristas autônomos eram taxistas, com uma certa estabilidade e regulamentação pública. Com a chegada dos aplicativos, houve um aumento substancial no número de motoristas, mas também uma queda na renda média e na formalização.

  • Crescimento do Setor: Em 2015, havia cerca de 600 mil motoristas no transporte de passageiros. Em 2022, esse número aumentou para 1,1 milhão, indicando a forte entrada dos motoristas por aplicativo.
  • Queda na Renda: A renda média dos motoristas autônomos caiu de R$ 3.100,00 em 2012 para menos de R$ 2.400,00 em 2022, refletindo a superoferta de motoristas e a consequente pressão para baixar preços.
  • Longas Jornadas de Trabalho: A proporção de motoristas que trabalham mais de 49 horas por semana aumentou significativamente, refletindo a necessidade de trabalhar mais horas para manter uma renda estável.

Os entregadores, particularmente aqueles que utilizam motocicletas, têm experimentado uma precarização ainda mais intensa. Antes da plataformização, a maioria dos entregadores eram empregados formais, mas com a expansão dos aplicativos de entrega, a proporção de trabalhadores autônomos e informais aumentou dramaticamente.

  • Crescimento da Ocupação: O número de entregadores aumentou de 200 mil em 2002 para 643 mil em 2015. Em 2022, quase 1 milhão de motociclistas trabalhavam como entregadores.
  • Redução da Formalização: A formalização dos entregadores caiu significativamente, com a proporção de trabalhadores formais no setor de malote e entregas diminuindo de 40% em 2012 para apenas 6,3% em 2022.
  • Renda e Jornada: A renda média dos entregadores plataformizados caiu de R$ 2.250,00 em 2015 para R$ 1.650,00 em 2021. Além disso, a proporção de entregadores que trabalham mais de 60 horas por semana aumentou substancialmente.

A contribuição previdenciária entre os trabalhadores plataformizados também apresentou uma queda significativa, evidenciando a precarização dessas ocupações. Enquanto a contribuição previdenciária dos taxistas comuns se manteve relativamente estável, a dos motoristas por aplicativo caiu quase pela metade.

  • Taxistas e Motoristas por Aplicativo: Em 2015, cerca de 47,8% dos motoristas de passageiros contribuíam para a previdência social. Em 2022, esse número caiu para 22,2% entre os motoristas por aplicativo.
  • Entregadores: A contribuição previdenciária entre os entregadores plataformizados também diminuiu, com apenas 25,6% contribuindo em 2022, comparado a 47,0% dos entregadores sem aplicativo.

Uma das principais promessas das plataformas de trabalho é a autonomia oferecida aos trabalhadores. No entanto, a realidade é que muitos trabalhadores plataformizados têm pouca ou nenhuma autonomia sobre suas condições de trabalho.

Os dados mostram que a maioria dos trabalhadores por aplicativo não tem controle sobre os preços, os clientes ou os prazos de entrega. Além disso, muitos são influenciados por bônus, punições e escalas de turnos sugeridos pelas plataformas, o que reflete uma condição de trabalho subordinado.

  • Falta de Autonomia: 98% dos motoristas por aplicativo e 86% dos entregadores plataformizados indicaram que o valor recebido é determinado pelo aplicativo.
  • Influência nas Jornadas: 63,6% dos motoristas por aplicativo afirmaram que suas jornadas são influenciadas por bônus e promoções, e 42,7% por ameaças e punições.

A falta de formalização e a baixa contribuição previdenciária entre os trabalhadores plataformizados refletem uma precarização significativa dos direitos trabalhistas. Muitos trabalhadores estão em um “limbo jurídico”, sem a proteção adequada da legislação trabalhista.

Considerações Finais

A análise dos dados da PNAD Contínua e outras fontes revela que a plataformização do trabalho no Brasil tem levado a uma significativa precarização das condições de trabalho, especialmente entre motoristas e entregadores. Embora as plataformas ofereçam uma aparente autonomia e flexibilidade, a realidade é que muitos trabalhadores enfrentam longas jornadas, baixa remuneração e falta de proteção social.

Para abordar essas questões, é necessário um esforço conjunto entre governos, empresas de plataformas e trabalhadores para garantir que os direitos trabalhistas sejam protegidos e que as condições de trabalho sejam melhoradas. Somente através de políticas públicas eficazes e uma regulamentação adequada das plataformas digitais será possível reverter a tendência de precarização e assegurar um mercado de trabalho mais justo e equitativo para todos.

Para ler a íntegra do estudo do IPEA clica aqui.

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