O fundo soberano de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, o Mubadala, anunciou um investimento de US$ 13,5 bilhões (R$ 69 bilhões) ao longo de dez anos no setor de biocombustíveis brasileiro.
Parceiros do BRICS, os Emirados Árabes (EAU) se uniram ao grupo no início do ano. Os investimentos do país no Brasil são vantajosos por inúmeros motivos, desde o desenvolvimento da economia brasileira à redução da pegada de carbono emiradense, apontaram especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Nos últimos meses, o Mubadala tem realizado vários investimentos no Brasil, em setores que vão desde o transporte de passageiros, como o metrô do Rio de Janeiro e estradas, a rede de academias Bluefit e, com maior destaque, a Refinaria de Mataripe, vendida na gestão de Jair Bolsonaro (2019–2022) e controlada pelos árabes através da Acelen, além de uma bolsa de valores para rivalizar com a B3.
“Um dos quatro negócios integrados que a Mubadala Capital atua é justamente investimentos com foco no Brasil”, diz Jacques Paes, professor do MBA de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG, na sigla em inglês) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Dentro da estratégia de investimento dos árabes, aponta Paes, está justamente “a redução da dependência do petróleo e promoção de energias limpas”.
O economista e doutor em relações internacionais, Igor Lucena, detalha que os EAU têm “uma visão política muito forte de como eles vão se diversificar [economicamente] ao longo do tempo”. “Eles são um país petroleiro e entendem que isso vai chegar a um fim.”
Para não ficar para trás, os emiradenses fizeram uma “transmutação econômica” para diversos setores, como turismo, linhas aéreas, serviços financeiros, serviços médicos e, agora, biocombustíveis. “Matrizes que vão ser o futuro pelos próximos 100, 200 anos.” “Essas tecnologias de combustíveis sustentáveis são a base da manutenção e do avanço do poder e da influência dos Emirados Árabes nos próximos séculos.”
Contudo, ressalta Paes, esses investimentos não garantem somente benefícios no longo prazo. Hoje os EAU têm uma das maiores taxas de emissões de CO₂ per capita do mundo “devido ao seu rápido crescimento e uso de combustíveis fósseis”. Reduzir essas emissões com medidas internas é um grande desafio, aponta o professor da FGV, “e como signatário do acordo de Paris este investimento ajudaria os EAU a compensar suas próprias emissões”. Ou seja, no curto e médio prazo a compra de créditos de carbono pode ser necessária para os esforços de mitigação do EAU, destaca Paes.
Como serão os investimentos do Mubadala?
Luis Augusto Medeiros Rutledge, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na área de petróleo e gás e analista de geopolítica do Centro de Estudos das Relações Internacionais (Ceres), explica à Sputnik Brasil os objetivos dos investimentos do fundo soberano de Abu Dhabi.
Ao longo de dez anos, diz o especialista, os emiradenses investirão US$ 13,5 bilhões (R$ 69 bilhões) em biocombustíveis na indústria de biocombustíveis do Brasil. O objetivo é produzir diesel renovável e querosene de aviação “sustentável” utilizando materiais vegetais. O Brasil, conta Rutledge, é um dos líderes mundiais na produção de biocombustíveis, em especial o etanol obtido da cana de açúcar e “em escala crescente o biodiesel, que é produzido a partir de óleos vegetais ou de gorduras animais e adicionado ao diesel de petróleo.”
Outra fonte que será explorada pelos árabes é o biometano, um combustível gasoso obtido a partir do processamento do biogás “que, por sua vez, é gerado pela digestão de matéria orgânica (biomassa) em equipamentos chamados de biodigestores”, explica o analista. Ao todo, cinco unidades de produção serão criadas, cada uma com um valor de US$ 2,7 bilhões (R$ 13,79 bilhões). A primeira, afirma Rutledge, está prevista para iniciar a produção até o final de 2026.
A sucroalcooleira Atvos, cuja participação da Odebrecht foi comprada pelo Mubadala em 2023, receberá um investimento paralelo de R$ 350 milhões para a construção de uma usina de biometano em Nova Alvorada do Sul, onde já há uma instalação produtora de etanol. “A planta de biometano deverá ter capacidade de produção de 28 milhões de metros cúbicos”, detalha.
Brasil pode se tornar referência na exportação
Para o Brasil, comenta Rutledge, os investimentos dão oportunidade de se destacar ainda mais no uso e na exportação de biocombustíveis, ainda mais após um período de enfraquecimento dessa fonte de energia.
Iniciado pelo Ministério de Minas e Energia em 2016, o programa RenovaBio visava estimular a produção de etanol e biodiesel no país de modo a reduzir o impacto ambiental que os combustíveis têm. “Entretanto, o uso de biocombustível está abaixo do seu potencial”, afirma o analista do Ceres, ainda mais quando comparado à grande produção brasileira. Hoje o Brasil é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, ficando atrás dos Estados Unidos, que usam o milho como matéria-prima. “O país tem vocação para a produção de energias renováveis e consequentemente biocombustíveis. Porém, de fato, a porcentagem ainda é pequena da frota nacional.”
Rutledge, contudo, destaca que ainda assim o Brasil é “um líder mundial no uso e implementação de políticas de incentivo aos biocombustíveis”. “O país possui um longo histórico de uso de etanol, que teve início na década de 1970 com o programa Proálcool. De lá pra cá, o país tem se destacado pelo desenvolvimento de tecnologias e políticas voltadas para o biocombustível.”
Esses esforços podem ser observados principalmente através do papel de grandes empresas. A JBS, por exemplo, “possui um projeto em andamento para mudar toda a frota de caminhões para biodiesel puro (B100)”, afirma.
O mundo precisará de biocombustíveis
A biomassa — matéria orgânica que dá origem aos biocombustíveis — é “um elemento essencial” nas previsões de mudanças das matrizes elétricas, destaca Rutledge. “A mudança na área de transportes e mobilidade vai se utilizar de várias frentes contra mudanças climáticas e a descarbonização.”
Não só a União Europeia dá destaque “à segurança energética e às alterações climáticas” em seu documento de Estratégia Energética, mas ao redor do mundo haverá a necessidade de novas fontes de energia. “O interesse é global”, sintetiza o especialista. “O biometano é uma alternativa sustentável ao gás natural e a União Europeia pretende aumentar a sua produção para 35 bilhões de metros cúbicos por ano até 2030”, exemplifica. “Já é uma realidade a eletrificação e a ampliação da demanda por biocombustíveis e hidrogênio renovável.”
Do outro lado do planeta, aponta Jacques Paes, o crescimento da Índia e da China “resulta em um aumento significativo de demanda por energia”. A industrialização desses países, somado ao crescimento de suas populações, explica Paes, “estão impulsionando substancialmente o consumo de mais energia, tornando a diversificação das suas matrizes energéticas tão importantes quanto vitais para suportar este crescimento.”
Nesse sentido, Paes concorda com a avaliação de Rutledge de que esta é uma oportunidade do Brasil para exportar biocombustíveis ao mundo. “Todo investimento externo é uma oportunidade de alavancagem do crescimento econômico brasileiro.” O mercado mundial de biocombustíveis foi na ordem de US$ 120 bilhões em 2023, ressalta Paes, “o que traz luz à importância desses recursos haja vista que ele pode promover o crescimento deste mercado e posicionar o Brasil ainda mais como um protagonista neste mercado”.
“Vários fatores sustentam esta afirmação, como a abundância de áreas para produção de matéria-prima, condições climáticas apropriadas para o cultivo de cana de açúcar […] e possuir domínio da tecnologia de produção.”
“O Brasil tem um grande potencial para aumentar suas exportações de biocombustíveis”, diz Paes, mas além disso, pode colocar o país em uma posição favorável para “contribuir positivamente para a agenda climática global e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.
Com informações da Sputnik Brasil.