Luiz Augusto Barroso, CEO da PSR e ex-presidente da EPE, alerta para os riscos de desgovernança energética
Hoje o país é visto como potencial ganhador no contexto da transição energética. Quais desafios esse contexto implica ao planejamento elétrico brasileiro?
O maior desafio é não escolher vencedores e não proteger perdedores. Isso significa que o planejamento, através de critérios técnicos, é fundamental para facilitar a integração de tecnologias que garantam ao Brasil este protagonismo na transição. Por exemplo, sem transmissão não há transição energética, sobretudo para absorver os anunciados investimentos em hidrogênio verde. Precisamos planejar as linhas certas nos lugares corretos para não onerar desnecessariamente as tarifas no Brasil.
Ainda que em haja sinalizações de reconhecimento da importância de se reduzir os encargos incidentes na tarifa de energia – o próprio documento do programa Nova Indústria Brasil (NIB), do governo federal, destaca esse tema –, há projetos legislativos que que sinalizam o contrário. Como avalia esse cenário?
É fundamental eliminar subsídios a quem não mais precisa. O aumento ou a manutenção de subsídios a quem não precisa enfraquece a crença de que os encargos serão disciplinados. E estes precisam ser atacados. Alguns podem ir para o orçamento da União, mediante rubrica própria. Outros podem ser redistribuídos. E há os que devem ser reduzidos.
Estudo da PSR aponta, por exemplo, impactos no custo da energia provenientes do projeto de lei que cria um marco legal para a exploração da geração eólica offshore, aprovado na Câmara dos Deputados em novembro do ano passado, e que voltou a tramitar no Senado em abril. Qual seria o modelo adequado à indução de novas atividades como essa geração – com potencial externalidade positiva em desenvolvimento tecnológico e de cadeia produtiva, por exemplo – sem desequilibrar o mercado?
É importante dissociar o custo das emendas estranhas ao PL da eólica offshore, os famosos jabutis, e que foram tema do estudo da PSR, da política pública específica para o desenvolvimento da eólica offshore. Os jabutis associados a este PL podem, caso aprovados, custar ao consumidor 25 bilhões de reais ao ano até 2025, aumentando suas tarifas em cerca de 11%, com reflexos diretos no poder de compra da população, inflação e competitividade industrial. Portanto, o passo inicial para desenvolver a eólica offshore é não aprovar os jabutis inseridos no seu PL. O PL da eólica offshore cria um ambiente regulatório para o desenvolvimento da fonte. Isso é bom, estimula o mercado e começa a colocar o Brasil nesta rota. Mas, para a integração desta fonte, o mercado vai depender da sua competitividade e da necessidade do sistema por esta energia.
Em recente webinar promovido pelo FGV IBRE e Folha de S. Paulo (leia aqui), Joisa Dutra, diretora do FGV Ceri consideram que falta uma liderança clara que defina a estratégia do setor. Concorda? Como chegar à melhor equação possível?
Instituições e um poder concedente fortes, tecnicamente preparados, são fundamentais para pautar diálogos qualificados no setor, viabilizando assim reformas essenciais para o país, beneficiando-se da inteligência distribuída no setor, mas sem ser capturado por esta. É isso que o país deve buscar.
Qual agenda do setor no curto prazo que mais lhe preocupa?
Acho que vivemos uma desgovernança energética muito grande, com interferências no setor, sobretudo no planejamento; má distribuição de subsídios e alto valor de encargos. Estamos perigosamente caminhando em direção a um precipício, como dito pelo próprio ministro. Portanto, para não cair no precipício, temos que parar de caminhar em direção a ele. Caso contrário, teremos um ambiente de investimentos tumultuado, escolhendo vencedores, protegendo perdedores, gerando ineficiência, e assim perdendo para nós mesmos a oportunidade de liderar a transição energética.
Publicado originalmente pelo FGV IBRE em 09/05/2024
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro