Por Jacqueline Muniz, professora na UFF
Nasci e me criei com enchentes anuais em Pádua/RJ. A casa de minha mãe entra 1 metro de água quando o rio transborda e cobre quase toda a cidade, isolando-a. Aprendemos a lidar com os desafios antes, durante e depois das enchentes arrasadoras.
As marcas da destruição, as perdas humanas e materiais se acumulam até a próxima enchente que leva embora o que se conseguiu recuperar. Saímos vitoriosos, combalidos e endividados até acontecer tudo de novo. Vive-se o desespero de salvar familiares, pets, vizinhos, coisas de valor.
Sente-se frio, fome, sede. Não se tem como ir ao banheiro ou fazer a higiene básica. Assiste-se sua casa invadida por “piratas”, tomada de lixo, com bichos mortos, portas e janelas quebradas e móveis e eletrodomésticos (ainda no crediário) sendo levados pela correnteza.
Quem vivencia tudo isso e, ainda, a especulação da água, mantimentos, materiais de higiene e limpeza, vacinas, agasalhos, colchonetes e também doações virando um mercado ilegal não quer saber quem é o culpado de ocasião enquanto sofre e resiste. Não quer sermão tipo “você não devia morar aí!” Quer pronta-resposta governamental, cooperação e solidariedade da sociedade.
Água chega e sobe rápido, nem dá tempo de salvar coisas ou de sair. É desrespeitoso partidarizar a tragédia enquanto se luta pela vida e pela sobrevivência. Isto é mais uma reprodução oportunista da nossa lógica autoritária-acusatória que sabota a própria responsabilização que se busca e pode esperar diante da emergência e da calamidade pública.
Isto é mais uma demonstração de quem prefere passar o serviço adiante do que arregaçar as mangas para ajudar! Abraços solidários aos irmãos gaúchos.
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