Especialistas alertam: “Eles estão tentando usar o Brasil como laboratório para interferir na política local”.
Um tribunal brasileiro anunciou que abrirá uma investigação sobre o proprietário do X, Elon Musk, por obstrução da justiça, depois que Musk reativou contas de extrema direita que o governo brasileiro havia sinalizado para remoção. O anúncio veio depois que Musk pediu que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que chefia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do país, “renunciasse ou sofresse impeachment”, e uma declaração de X alegou que as ordens para remover as contas violam a constituição brasileira.
Embora o tribunal não tenha divulgado a lista de contas solicitadas para bloqueio ou investigação, o jornal Estadão, de São Paulo, informou que ela inclui o influenciador de extrema direita fugitivo Allan dos Santos, um apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (Allan dos Santos fugiu do país em 2020 para evitar investigação por disseminação de desinformação). A lista também inclui o YouTuber de direita Bruno Aiub, conhecido como Monark, que tem mais de 1 milhão de seguidores no X e argumentou que o Brasil deveria reconhecer o partido nazista, e o bilionário brasileiro e apoiador de Bolsonaro, Luciano Hang.
Separadamente, após assumir o controle da empresa, Musk reativou as contas dos políticos brasileiros de extrema direita Carla Zambelli, Gustavo Gayer e Nikolas Ferreira. Ferreira, um apoiador de Bolsonaro, questionou abertamente a segurança das urnas eletrônicas do Brasil, embora tenha vencido a disputa legislativa local.
“Todos esses nomes têm sido problemáticos há anos nas redes sociais”, diz Flora Rebello Arduini, diretora de campanha da organização sem fins lucrativos de defesa de direitos Ekō. “Há muito tempo que eles pressionam a extrema direita e a desinformação eleitoral.”
Quando Musk comprou o Twitter em 2022, mais tarde renomeando-o como X, muitos ativistas no Brasil temiam que ele abusasse da plataforma para promover sua própria agenda, diz Arduini. “Ele tem habilidades de transmissão sem precedentes. Ele está intimidando um juiz da Suprema Corte de um país democrático e está mostrando que usará todos os recursos de que dispõe para pressionar por tudo o que favoreça suas opiniões pessoais ou suas ambições profissionais.”
Sob Musk, X tornou-se um refúgio para a extrema direita e a desinformação. Depois de assumir, Musk ofereceu anistia aos usuários que haviam sido banidos da plataforma, incluindo o influenciador de direita Andrew Tate, que, junto com seu irmão, foi indiciado na Romênia por diversas acusações, inclusive de estupro e tráfico de pessoas em junho de 2023 (ele negou as acusações). No mês passado, um dos representantes de Tate disse à BBC que “eles rejeitam categoricamente todas as acusações”.
Um estudo de 2023 descobriu que o discurso de ódio aumentou na plataforma sob a liderança de Musk. A situação no Brasil é apenas o mais recente exemplo de Musk se alinhando e promovendo movimentos perigosos de extrema direita em todo o mundo, dizem especialistas à WIRED. “Não se trata do Twitter ou do Brasil. Trata-se de uma estratégia da extrema direita global para superar as democracias e as instituições democráticas em todo o mundo”, diz Nina Santos, pesquisadora de democracia digital do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Brasil que pesquisa a extrema direita brasileira. “A opinião de um bilionário americano não deveria contar mais do que uma instituição democrática.”
Isto também ocorre no momento em que o Brasil continua a trabalhar para compreender e investigar os preparativos que culminaram no 8 de janeiro de 2023, quando rebeldes negadores das eleições e que se recusaram a aceitar a derrota do presidente de direita Jair Bolsonaro invadiram o Legislativo brasileiro. O TSE, tribunal eleitoral do país, é um órgão judicial especial que investiga crimes eleitorais e faz parte do mecanismo de fiscalização geral dos processos eleitorais do país. O tribunal tem investigado a disseminação de notícias falsas e desinformação que lançaram dúvidas sobre as eleições do país nos meses e anos que antecederam a tomada da legislatura em 8 de janeiro de 2023. Tanto Arduini quanto Santos acreditam que as contas que Musk se recusa a remover estão provavelmente ligadas ao inquérito do tribunal.
“Recentemente ocorreu no Brasil uma luta de vida ou morte pelo Estado Democrático de Direito e contra um golpe de Estado, que está sob investigação por este tribunal em conformidade com o devido processo legal”, disse Luís Roberto Barroso, presidente do STF – suprema corte federal, em comunicado sobre os comentários de Musk. “O inconformismo contra a prevalência da democracia continua a manifestar-se na exploração criminosa das redes sociais.”
Santos também teme que Musk esteja estabelecendo um precedente de que a extrema direita será protegida e promovida em sua plataforma, independentemente das leis locais ou da opinião pública. “Eles estão tentando usar o Brasil como um laboratório para interferir na política e nos negócios locais”, diz ela. “Eles defendem que a sua decisão é mais importante do que a decisão nacional de uma instituição democrática estatal.”
Embora Musk tenha afirmado ser um defensor da liberdade de expressão, e a declaração pública de X sobre as remoções afirme que os brasileiros têm direito à liberdade de expressão, a aplicação desses princípios pela plataforma tem sido, na melhor das hipóteses, desigual. Em fevereiro, por ordem do governo indiano, X bloqueou as contas Hindutva Watch e India Hate Lab na Índia, duas organizações sem fins lucrativos sediadas nos EUA que rastreiam incidentes de violência de motivação religiosa perpetrados por apoiadores do governo de direita do país. Um estudo de 2023 do Centro Berkman Klein para Internet e Sociedade em Harvard descobriu que X atendeu a mais pedidos de remoção do governo sob a liderança de Musk do que antes. Em março, X bloqueou as contas de vários investigadores e jornalistas proeminentes depois de terem identificado um conhecido cartunista neonazi, alterando posteriormente os seus próprios termos de serviço para justificar a decisão.
X não respondeu a um pedido de comentário sobre o motivo pelo qual a empresa fez uma declaração pública condenando as ordens de remoção do tribunal brasileiro, mas não aquelas emitidas por outros governos.
“Temos uma formação diferente da dos EUA. É mais parecido com o conceito europeu de liberdade de expressão”, diz João Brant, secretário de política digital da Secretaria de Comunicação Social do Brasil. “Você pode discutir as eleições, é claro. O problema foi afirmar categoricamente que houve fraude e que a Justiça Eleitoral não agiu. É perfeitamente normal discutir ordens judiciais, mas também é importante cumpri-las.”
Publicado originalmente pelo Wired em 09/04/24 – 9h51
Por Vitória Elliott
Saulo
09/04/2024 - 17h52
Elon Musk está mostrando ao mundo o lixo autoritário que virou o Brasil.
Está dando uma lição de civilização aos brasileiros… o problema é que não irão aprender absolutamente nada.