Elon Musk está de olho no lítio do Brasil

Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

No fim de maio de 2022, esteve no Brasil o empresário Elon Musk. Ao que tudo indica, ele veio em virtude do lançamento de um projeto de conectividade na Amazônia à rede de satélites da SpaceX – empresa de tecnologia espacial do bilionário. Entretanto, devido ao fato de ser o presidente da Tesla, empresa que comanda todas as fases de criação, engenharia e produção global dos veículos elétricos, produtos de baterias e energia solar, e estar envolvido em declarações polêmicas acerca da extração de lítio na Bolívia, muito se alardeou sobre os reais interesses aos recursos minerais brasileiros, especialmente, o lítio.

O lítio é um metal singular de coloração prata esbranquiçada, ocupa o terceiro lugar na tabela periódica e é o mais leve dos metais. É chamado o “ouro branco” ou o “petróleo do século 21” devido a sua versatilidade. Dentro da utilização das energias renováveis o lítio aparece por meio da energia solar, eólica e dos reatores para a energia nuclear. Matéria-prima e protagonista dos equipamentos eletrônicos e dos veículos elétricos, seu maior destaque nos últimos anos tem sido na utilização de baterias de veículos elétricos e no sistema de armazenamento híbrido de energia.

Na Estratégia de Materiais Críticos do Departamento de Energia dos Estados Unidos, o lítio está incluído como a primeira dentre as 16 matérias-primas consideradas fundamentais para a transição energética. Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (2021), atualmente, as principais fontes de lítio são as salmouras e estão localizadas maioritariamente na América Latina, no chamado “triângulo do lítio” – Argentina, Bolívia e Chile – com 68% das reservas mundiais. Neste momento o principal produtor de lítio em salmoura é o Chile e o principal produtor de lítio em rocha é a Austrália.

Retomando a pergunta central deste texto: estaria Elon Musk interessado no lítio brasileiro?

Neste momento não existe qualquer evidência que nos permita afirmar que há interesse por parte do empresário mais rico do mundo nas reservas de lítio brasileiras, porém seus negócios dependem da mineração essencialmente do níquel, do cobalto e do lítio.

É importante mencionar que entre os estudos mais recentes detalhados na série Minerais Estratégicos, conduzidos pelo Serviço Geológico do Brasil (CRPM), a Amazônia não se encontra como área potencial para a exploração do lítio, tampouco consta entre as principais ocorrências de minerais de lítio no Brasil, contrariando o que foi mencionado por alguns meios de comunicação.

Relativo ao lítio brasileiro, o último estudo publicado pelo Serviço Geológico do Brasil (CRPM) apontou áreas potenciais para a descoberta de novos depósitos, principalmente na região do Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais). O resultado deste trabalho, que mapeou 45 ocorrências, sendo 20 inéditas, mostrou um salto nas reservas de 0,5% para 8% em relação às reservas mundiais. Apesar das ocorrências do metal localizarem-se nos estados de Minas Gerais, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, foi a região de Minas Gerais que apresentou certo “pioneirismo” em termos industriais e por isso tem destaque na exploração deste recurso. Atualmente, a produção de lítio no Brasil é realizada por três empresas localizadas em Minas Gerais: a Companhia Brasileira de Lítio (CBL), a AMG Mineração e a canadense Sigma Mineração.

A Companhia Brasileira de Lítio (CBL) é uma empresa totalmente nacional, uma das poucas empresas no mundo que dominam a tecnologia integrada minério-concentrado-composto químico. Em 2018 o governo de Minas, por meio da Codemig Participações (Codepar), subsidiária da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), adquiriu 33% das ações da CBL (o valor não foi revelado).

A negociação parecia ser promissora. Em 2020, a Revista Fapesp publicou um artigo com destaque à mobilidade colocando o Brasil como o próximo país a integrar o grupo de países que fabricariam baterias, segmento atualmente liderado por China, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul. O projeto ocorreria por meio de um acordo firmado entre a Oxis Energy e a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge). Segundo a matéria da Fapesp (2020), a Codemge criou um fundo de investimento próprio (chamado Aerotec) e em 2019 investiu R$ 18,6 milhões por uma participação de 12% na Oxis Energy, permitindo trazer o projeto industrial de produção de baterias para o Brasil.

A fábrica seria instalada em Juiz de Fora e, em 22 de maio de 2020, em um comunicado proferido pelo então governador de Minas Gerais, Romeu Zema, foi anunciado que o empreendimento teria um investimento inicial de R$ 245 milhões e seria coordenado pela Codemge em parceria com a empresa britânica Oxis. Comunicou também que Codemge-Oxis assinaram um contrato de locação de 15 anos para a instalação de uma fábrica do parque industrial da Mercedes Benz.

Contudo, em outubro de 2021, uma notícia surpreendeu a expectativa promissora e o processo teria sido encerrado em virtude da ação falimentar da empresa Oxis Energy. Na reunião de esclarecimentos o diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), Thiago Coelho Toscano, explicou que o Estado firmou um contrato em 2018 e que neste projeto para a produção das células de bateria foram investidos 6 milhões de libras, o que pelo câmbio da época correspondia a R$ 50 milhões. Após o anúncio de falência da Oxis Energy, o Estado tentou negociar com a sede britânica a participação na venda de patentes para recuperar o investimento, mas acreditavam não ter esperança de sucesso.

Após a negociação bastante delicada em relação à utilização dos recursos públicos, a Codemge abriu no mês de abril passado uma consulta de interesse com a finalidade de receber propostas do setor privado para a alienação de sua participação (33,33%) na Companhia Brasileira de Lítio (CBL). O diretor-presidente da Codemge Thiago Coelho Toscano chamou atenção para a necessidade de reordenar a posição estratégica do Estado a partir de desestatização:

Ele deixa claro que reduzir o tamanho do Estado é uma pauta do governo estadual e que não vê sentido na presença governamental em uma empresa privada, mesmo em um negócio lucrativo como a exploração de lítio, presente na fabricação de plásticos, vidros, cerâmicas e baterias, como as dos carros elétricos. “Se o negócio é bom, o que o governo está fazendo lá? A iniciativa privada não tem as limitações que o Estado tem e, para ela, é muito mais fácil acessar o mercado de capitais e levantar os recursos para uma possível expansão. Ao mesmo tempo, ela pode enfrentar riscos que não faz sentido para o Estado correr”, afirma Toscano.

O que foi divulgado até este momento é que, a princípio, 13 investidores estiveram interessados na aquisição dos 33% da Companhia Brasileira de Lítio.

A Sigma Mineração, de origem canadense, está situada em Araçuaí – Minas Gerais, onde estão localizados os corpos pegmatitos contendo espodumênio e também a planta de beneficiamento. A Sigma obteve os direitos minerários referentes a Arqueana Minérios e Metais, a empresa possui muitas pesquisas na região de Minas Gerais em fase de prospecção com alto nível de sondagem e possui reservas consideráveis. A Sigma afirmou ter interesse na implementação da cadeia do lítio construída em média escala através de hubs continentais para atender às demandas da indústria automobilística regional. A empresa deve iniciar suas operações no final de 2022, produzindo 240 mil toneladas de concentrado de lítio/ano com grau de bateria de alta pureza.

AMG Mineração é uma empresa de origem holandesa que opera no Brasil há 75 anos com exploração de variados metais (ligas de alumínio, óxidos de tântalo e de nióbio, concentrado de lítio, estanho, entre outros) e sua planta no Brasil está localizada no município de Nazareno, centro-sul do Estado de Minas Gerais. A planta industrial de hidróxido de lítio possuía previsão de implantação para 2021, mas alterações no projeto acabaram modificando os prazos e a inauguração deve ocorrer até 2024. Nos próximos cinco anos a AMG fornecerá cerca de 40 mil toneladas/ano de concentrado de lítio, estabelecido por meio de um contrato de venda antecipado firmado com a China. O projeto contribuirá para descaracterização de duas barragens desativadas e dará um fim econômico aos rejeitos. Quando do esgotamento dos rejeitos a nova planta continuará a ser abastecida por novos rejeitos gerados durante a mineração do tântalo.

Ao que tudo indica, o lítio, por ser uma matéria-prima importante aos equipamentos de armazenamento de energia, deverá ser crucial nas próximas décadas. Sob o viés energético, entender o posicionamento e as estratégias das diferentes empresas que atuam no Brasil será de fundamental importância para que o País consiga vislumbrar sua própria estratégia econômica e de matriz energética.

Porém, na nossa análise, a política brasileira no que tange ao lítio tem andado à margem principalmente quando olhamos para a América Latina, que nos últimos anos tem realizado diversas investigações e debates regionais com intenção de formar uma associação de países produtores de lítio nos moldes da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).

Do ponto de vista geopolítico, embora o Brasil seja parte do chamado Sul global, se consolida como um “poder regional” – mesmo exercendo um papel de diferentes referenciais teóricos semiperiféricos ou subimperiais na América do Sul – e em permanente tensão, na tentativa de ascensão na ordem global do ponto de vista produtivo, comercial, financeiro, tecnológico e até bélico. Em relação ao lítio, o que temos visto nestes últimos anos é uma ausência de política integral para a cadeia produtiva desta matéria-prima, cujo aumento da produção está focado na exportação, somado ao entreguismo por meio da desestatização.

O fato é que os novos patamares de extração e a velocidade com que os projetos de mineração de lítio, entre outros, tenderão a aumentar significativamente os conflitos sociais/territoriais e grandes impactos ambientais, e serão muito úteis para realizar a transição energética no Norte global sem alterar as causas que levam à crise socioambiental, utilizando a chamada sustentabilidade de maneira somente ideológica.

Portanto, caso Elon Musk, que já manifestou interesse em investir na mineração do lítio com vista a manter o controle da cadeia de suprimentos, decida realizar esta investida no Brasil, sequer teremos uma estratégia para negociar economicamente, politicamente e socioambientalmente recursos favoráveis à realidade brasileira. Já anunciava Eduardo Galeano, em sua obra As veias abertas da América Latina (1970): “Mas a região continua trabalhando como serviçal, continua trabalhando para satisfazer às necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, de cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos, que consumindo-os, ganham muito mais do que ganha a América Latina ao produzi-los”.

O artigo, publicado no Jornal da USP, foi produzido por Elaine Santos, pós-doutoranda do Instituto de Estudos Avançados da USP (USP-Cidades Globais), e Maria da Penha Vasconcellos, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP

Foto: Agência Brasil
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