Queimado pelo sol e sujeito à seca, o vale do Jequitinhonha, no sudeste de Minas Gerais, é um dos lugares mais pobres do país.
Mas a região, apelidada de “vale da miséria”, está à beira de um boom: abriga cerca de 85% das reservas de lítio do Brasil, o quinto maior produtor mundial do metal, um ingrediente essencial nas baterias de veículos elétricos.
As autoridades da região estão ansiosas para explorar o potencial do metal branco prateado.
No mês passado, organizaram um evento repleto de alarde na sede da bolsa de valores Nasdaq, em Nova Iorque, onde lançaram uma iniciativa para atrair investimentos para o que chamam de “Vale do Lítio”.
Nem todo mundo está entusiasmado com a ideia, no entanto.
Alguns residentes na região de cerca de um milhão de pessoas queixam-se do impacto ambiental da mineração de lítio, outros queixam-se de que as comunidades locais não estão a ser incluídas.
“Esse é o vale do Jequitinhonha… Querem chamar de ‘Vale do Lítio’. Mas não vamos colocar os interesses mineiros à frente da identidade do nosso povo”, afirma Aline Gomes Vilas, 45 anos, activista local na cidade de Aracuai.
‘Lítio verde’
Ana Cabral-Gardner, executiva-chefe da mineradora canadense Sigma Lithium, faz questão de responder a essas críticas.
A sua empresa, que iniciou a mineração no vale em Abril, está entre as primeiras a explorar as suas reservas de lítio.
Seu objetivo é produzir mais de 600.000 baterias de veículos desse metal em seu primeiro ano, aumentando até três vezes essa quantidade.
A Sigma se autodenomina uma mineradora de “lítio verde” e enfatiza suas credenciais sociais e ambientais.
A mineração de lítio é notoriamente intensiva em água, um problema dado que o metal é normalmente encontrado em regiões pobres em água.
Cabral-Gardner, que é brasileira, diz que sua empresa reutiliza 90% de seu abastecimento de água, protege o riacho local e não utiliza produtos químicos no processo de mineração.
“Toda a nossa operação é construída em torno de encontrar um equilíbrio entre sustentabilidade e mineração”, disse ela à AFP.
“Fui chamado de ‘CEO hippie’.”
Apenas mais uma corrida do ouro?
Em Aracuai, que fica perto da mina da Sigma, Gomes Vilas diz que já está a ter um impacto negativo, incluindo danos nas casas das pessoas devido às explosões utilizadas no processo de mineração.
“Esta era uma área rural pacífica. Agora há um barulho constante. Já existem casas com rachaduras nas paredes por causa das explosões”, diz ela.
“A casa toda treme toda vez que há uma explosão”, acrescenta Luiz Gonzaga, trabalhador rural de 71 anos que mora próximo à mina.
“Eles estão cavando bem longe de mim por enquanto, e a poeira já está nos incomodando. Imagine como será quando eles começarem a cavar mais perto.”
O Brasil, um país com uma história de aumentos e quedas vorazes de recursos, precisa garantir que comunidades como esta se beneficiem da mineração de lítio, dizem os defensores.
“O vale do Jequitinhonha passou por uma corrida do ouro, uma corrida do diamante, e isso nunca trouxe desenvolvimento”, diz Ilan Zugman, diretor para a América Latina do grupo ambientalista 350.org.
“Obviamente acreditamos que a transição para a energia limpa precisa acontecer, mas deve ser justa e inclusiva para as comunidades locais.”
Até agora, o lítio extraído no Brasil é quase inteiramente exportado – o que não é um bom sinal, alerta Elaine Santos, pesquisadora da Universidade de São Paulo.
“Olhem para a Europa e os Estados Unidos: eles têm uma estratégia para desenvolver toda a cadeia de valor dos carros elétricos, desde a mineração até à produção de veículos”, afirma.
“A política do Brasil ainda é muito limitada… O Brasil corre o risco de aprofundar sua dependência como país que apenas exporta matérias-primas, com pouco valor agregado.”
O Brasil reformulou a sua indústria de lítio no ano passado, quando o governo do antigo presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro emitiu um decreto que a tornou mais atractiva para os investidores estrangeiros, nomeadamente através do levantamento das restrições à exportação.
O seu sucessor de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, não rompeu com essa política até agora. Na verdade, a sua administração enviou um enviado ao recente evento “Lithium Valley” em Nova Iorque.
A posição do Brasil difere da do Chile, por exemplo, onde o Presidente Gabriel Boric anunciou recentemente planos para nacionalizar a indústria do lítio – a segunda maior do mundo, depois da Austrália.
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