Desde os primeiros dias do seu mandato, o governo negacionista de extrema-direita de Javier Milei vem adotando medidas predatórias de austeridade econômica que ameaçam a continuidade dos projetos e iniciativas de pesquisa e as carreiras de milhares de cientistas no país.
Buscando responder a esta crise, neste fim de semana ocorreu o evento “Eu escolho crescer: Ciência x Argentina”, composto por palestras, debates, experimentos e músicas, organizado por cientistas e comunicadores.
por Bruno Falci, de Buenos Aires, para o Portal O Cafezinho
É alarmante a situação do setor de ciência e educação da Argentina. Desde os primeiros dias do seu mandato, o governo negacionista de extrema-direita de Javier Milei vem adotando medidas predatórias de austeridade econômica que ameaçam a continuidade dos projetos e iniciativas de pesquisa e as carreiras de milhares de cientistas no país.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação foi transformado em uma secretaria. O CONICET – Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas -, principal órgão dedicado à promoção da ciência e tecnologia na Argentina, projeta que o orçamento anual só é suficiente para cobrir as despesas até o próximo mês de junho. Depois, não haverá mais dinheiro e os 300 institutos federais de pesquisa do país entrarão em colapso.
Buscando responder a esta crise, neste fim de semana ocorreu o evento “Eu escolho crescer: Ciência x Argentina”, composto por palestras, debates, experimentos e músicas, organizado por cientistas e comunicadores, em uma iniciativa autogerida por pessoas que trabalham na ciência.
Houve também a preocupação de informar o trabalho científico desenvolvido na Argentina. O evento ocorreu neste fim de semana, entre os dias 6 e 7 de abril, em mais de 100 cidades do país, de Jujuy a Tierra del Fuego, de Río de la Plata até a Cordillera. Em Buenos Aires, a solenidade aconteceu no sábado, das 14h às 18h, no Parque Centenário e no Parque Saavedra. O encerramento ocorreu no domingo no mesmo horário, mas no Parque Rivadavia.
Um centro de excelência
Atualmente trabalham no CONICET mais de 11,8 mil pesquisadores, mais de 11,8 mil bolsistas de doutorado e pós-doutorado, mais de 2,9 mil técnicos e profissionais de apoio à pesquisa e aproximadamente 1,5 mil funcionários administrativos. Trabalham distribuídos por todo o país – da Antártica à Puna e da Cordilheira dos Andes ao Mar Argentino – em seus 16 Centros Científicos e Tecnológicos (CCT), 8 Centros de Pesquisa e Transferência (CIT), um Centro de Pesquisa Multidisciplinar e mais de 300 Institutos e Centros exclusivos do CONICET e com dupla e tripla dependência de universidades nacionais e outras instituições.
A sua atividade desenvolve-se em quatro grandes áreas do conhecimento: Ciências Agrárias, de Engenharia e de Materiais Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Exatas e Naturais e Ciências Sociais e Humanas.
A ciência argentina é reconhecida mundialmente por cientistas, prêmios Nobel e universidades de excelência. Até hoje, cinco argentinos foram laureados com o Nobel, sendo três na área científica: Luis Federico Leloir (1970), agraciado na categoria Química, Bernardo Houssay (1947) e César Milstein (1984), vencedores do prêmio de Fisiologia/Medicina. Carlos Saavedra Lamas (1936) e Adolfo Pérez Esquivel (1980) conquistaram o famoso Nobel da Paz.
Em carta conjunta assinada por cientistas de todo mundo, enviada a Milei, em março de 2024, 68 ganhadores do Prêmio Nobel de diferentes áreas, protestam afirmando que a ciência na Argentina está a beira do precipício, com a redução drástica de bolsas de estudo para estudantes e pesquisadores e o congelamento da maioria dos programas de pesquisa. O documento foi divulgado pelo químico britânico Richard Roberts, vencedor do Nobel de medicina de 1993.
Em fevereiro de 2024, a presidenta da ABC – Academia Brasileira de Ciências-, Helena Bonciani Nader, também já havia expressado sua profunda preocupação em carta enviada a Javier Milei, diante das recentes declarações do mandatário argentino, e enfatizando a importância do CONICET para a ciência mundial. “O trabalho do CONICET tem sido fundamental na geração de conhecimento especializado essencial para atender às necessidades dos setores público e privado, resultando em frentes a nível nacional e Internacional e contribuindo para o desenvolvimento de empresas com forte componente tecnológico”.
A afirmação sintetizada em transmissões nas redes sociais é concreta: “Não podemos ficar de braços cruzados face à destruição do sistema científico e tecnológico”.
Em conversa com a rádio AM750, a doutora em química e uma das organizadoras do evento, Valeria Eldestzein, explicou a gênese de Elijo Crecer.
“Isso começou em janeiro, quando meu companheiro e eu soubemos das demissões no C3 (Centro Cultural de Ciências), então começamos a pensar no que poderia ser feito. Na época de Macri, eram realizados festivais em defesa da universidade pública”, afirmou.
“É um festival para aproximar a ciência da sociedade. Para que as pessoas aprendam um pouco mais sobre o que fazemos, mas também é uma ação de luta. Os nossos slogans são contra o desmantelamento da ciência e da tecnologia; pelo cumprimento da lei de financiamento da ciência e tecnologia e contra as demissões arbitrárias no Estado”, observou.
O encontro teve como objetivo principal mostrar à sociedade os avanços locais e tornar visível a necessidade de um Estado presente que promova políticas na área. Tal como em tempos do governo neoliberal de Mauricio Macri (2015-2019) e de asfixia orçamental, a comunidade científica saiu às ruas para contar o que faz e para celebrar a democratização do conhecimento.
Vários grupos apresentaram as suas experiências sobre o que trabalham e qual o impacto das suas pesquisas. Também esclareceram que o evento tinha como objetivo defender o sistema científico argentino e mostrar à comunidade a importância da ciência para o desenvolvimento das províncias e do país, além de se manifestar contra o desmonte do setor e as demissões no Estado.
Os trabalhadores da ciência e da educação argentinos se autoconvocaram para defendê-los em todos os cantos do país. Professores primários, secundários, terciários e universitários participaram do festival, assim como pessoal não docente das universidades públicas, investigadores, divulgadores de ciência, pessoal administrativo, de serviço e apoio, pessoal técnico e bibliotecários.
Ciência e desenvolvimento do país
Numa carta de intenções, os seus organizadores demonstram a convicção de que a ciência e a investigação são o motor do desenvolvimento de um país.” O objetivo é integrar a ciência argentina à comunidade de todos os cantos do território. Queremos também mostrar o que fazemos, ouvir quais são as necessidades e dialogar com a sociedade”. A carta enfatiza que o evento é necessário porque o sistema científico-tecnológico está paralisado e desmembrado, trabalhador por trabalhador, órgão por órgão, instituto por instituto.
Os organizadores consideram que este ato é político, embora não seja de nenhum partido em particular. “É uma frente unida de luta, uma comunidade diversificada comprometida com três lemas: Pelo cumprimento da lei de financiamento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Contra o desmantelamento do sistema de ciência e tecnologia. Contra as demissões arbitrárias no Estado”.
O evento também foi considerado como uma celebração.” É hora de lutar contra isso, sabemos disso, mas também de não deixar que tirem nosso entusiasmo e orgulho pelo que fazemos, para celebrar a ciência. Em cada centro, em cada cidade, em cada canto do país convidamos você a defendê-la. Você encontrará palestras, stands, entrevistas, caças ao tesouro, músicas, experimentos, perguntas e respostas, feiras de livros e muito, muito mais”, conclui o documento.