Por Marcelo Uchôa
Há 60 anos uma conspiração civil-militar emplacou um golpe no Brasil. Uma ditadura que durou duas décadas e só cessou com a Constituição. Apesar de finda a ditadura, a transição política deixou a desejar.
Primeiramente, os facínoras que violentaram a democracia e usaram do Estado para praticar crimes de lesa-humanidade (torturas, execuções sumárias, desaparecimentos forçados, etc.) nunca foram responsabilizados. Por sua vez, instituições de segurança e judiciárias, como Forças Armadas, polícias estaduais e Justiça militar em nada alteraram suas estruturas autoritárias, jamais servindo como difusoras de novos ares.
Também a memória não foi satisfatoriamente trabalhada. Em que pese os relevantes trabalhos das comissões da verdade, anistia e comissão sobre mortos e desaparecidos políticos, a criminalização da ditadura não foi assumida como prioridade pelo Estado, de tal maneira que, de norte a sul do país, logradouros seguem louvando ditadores, sequer sendo a verdade do período estudada por inteiro nas escolas, apenas excepcionalmente dando-se devida ênfase ao resultado destrutivo da era de exceção para a independência dos Poderes, as liberdades civis individuais e políticas, o direito dos trabalhadores, a economia nacional e para a própria soberania brasileira. Finalmente, a transição também não honrou reparação simbólica às vítimas, faltando a milhares um pedido formal de desculpas do Estado.
Não admira, pois, que em janeiro de 2023 as crias das mesmas pessoas que usurparam o Brasil por 20 anos tenham tentado aplicar novo golpe. Traidores da pátria que carregam nas veias o veneno da conspiração, cujos olhos estão abertos a novas oportunidades de assalto aos Poderes.
Por isso, comentar sobre 64 não é remoer passado, é evitar que fraturas democráticas assombrem o futuro. E o que esperar nestes 60 anos do golpe? Muito, p. Ex.:
1) reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecido Políticos;
2) substituição de nomes de logradouros que homenageiam ditadores por mártires da resistência democrática;
3) que instituições de ensino estudem acuradamente a ditadura;
4) que a mão firme da Justiça prevaleça e a punição dos envolvidos na intentona de 2023 chegue aos financiadores, divulgadores e mentores, os quais merecem ver do xadrez as transformações que o Brasil precisa encarar.
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Marcelo Uchôa é Professor de Direito Internacional Público da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, conselheiro da Comissão de Anistia do MDHC e presidente da Comissão da Memória, Verdade, Justiça e Defesa da Democracia da OAB-CE. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e do Grupo Prerrogativas. Advogado em Fortaleza-CE. Redes: @MarceloUchoa_
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