Rejeição a Lula entre evangélicos não mudou muito depois da polêmica sobre Israel

Imagem: Ricardo Stuckert

Esta é a quarta parte da entrevista que fizemos com o professor de relações internacionais, Dawisson Belém Lopes. As outras partes podem ser lidas nos links abaixo:

Primeira parte: Imprensa brasileira está fora da nova ordem mundial
Segunda parte: Geopolítica de Lula recupera o sonho de uma diplomacia independente
Terceira parte: Forças Armadas precisam cortar o cordão umbilical com os EUA
Quarta parte: Rejeição a Lula entre evangélicos não mudou muito depois da polêmica sobre Israel
Quinta parte: O Brasil ainda tem uma elite de colonos

O Cafezinho: Qual a sua visão sobre as recentes pesquisas de opinião pública, que mostram o declínio da aprovação ao governo Lula?

Como é bem sabido, foram realizadas diversas pesquisas recentemente. Quatro das principais empresas que realizam essas sondagens regularmente divulgaram dados, ao longo das últimas duas ou três semanas: Quaest, Ipec, Atlas e Datafolha. As quatro agências que conduziram essas pesquisas convergiram no diagnóstico. Caiu a aprovação ao governo Lula 3. Há uma convergência – e acho que é razoável imaginar que o fenômeno de fato tenha se dado. As interpretações dessas pesquisas variaram enormemente e o que chamou muito a atenção, a minha atenção pelo menos, foi a ênfase especial dada ao fenômeno da política externa. Isso é mais ou menos novo no curso histórico.

O nexo pretendido era o seguinte: ao comparar o massacre israelense em Gaza, hoje, com o Holocausto dos judeus no século 20, Lula teria despertado um processo que culminou com a desaprovação ao seu governo. Esse nexo não passou por escrutínio técnico. Ele foi inferido a partir de uma correlação simples: houve a fala do Lula na Etiópia e, em sequência, caiu a aprovação ao governo, particularmente naquele segmento do eleitorado que se identifica como evangélico. As pessoas então inferiram que a política externa de Lula estaria tirando aprovação e, no limite, esvaziando a preferência eleitoral por Lula no futuro. Eu fiquei encafifado e comecei a investigar, porque eu estudo a relação entre democracia e política externa há muitos anos, e isso vai na contramão da literatura acadêmica.

Em regra, política externa não causa esse tipo de efeito, e só muito raramente ao longo da história, e em circunstâncias muito específicas, a política externa é capaz de alavancar o governo ou de tirar-lhe apoio popular. Só em momentos extraordinários a política externa dá ou tira voto. Nunca fez muito sentido pra mim essa conexão direta pretendida pelos meios de imprensa e por alguns intérpretes da academia e da sociedade civil.

Olhando de perto essas pesquisas, todavia, o que salta aos olhos é: a Datafolha recente mostra que, de fato, aumentou a rejeição a Lula e ao seu governo no segmento evangélico desde a fala em Adis Abeba. Mas o elemento objetivo é que a desaprovação subiu a um patamar que é mais ou menos o mesmo em que se encontrava a rejeição ao governo Lula, entre os evangélicos, em setembro de 2023. A desaprovação oscilou dentro da mesma faixa, voltou para onde ela estava pouco tempo atrás.

Se você olha uma outra linha do gráfico, que é a linha daqueles que acham que o governo Lula é regular, percebe também que esse número baixou, caiu entre os evangélicos, mas caiu rigorosamente para o mesmo número que foi registrado em setembro de 2023.

O que eu quero dizer com isso é que, a rigor, parece não ter sido exatamente o conteúdo da fala de Lula que desencadeou um incremento da rejeição; o que há é uma predisposição antiga, por parte desse segmento do eleitorado, de rejeitar Lula e seu governo. Há, ademais, certa propensão latente ao bolsonarismo, que pode se manifestar quando estimulada. O catalisador desse último pico de rejeição teria sido – como, aliás, foi externado por Silas Malafaia e outros líderes evangélicos – o evento promovido na Av. Paulista, em defesa de Bolsonaro.

Outro aspecto interessante: a pesquisa Atlas mostra que a queda de aprovação ao governo passou por todas as áreas, e não apenas por política externa ou outra política específica. Foi fenômeno orgânico. Não há de ter sido, portanto, motivado por um gesto específico de Lula na Etiópia. É, mais provavelmente, o fruto de agendas transversais da economia (inflação de alimentos, preço de combustíveis etc.), da segurança pública (criminalidade urbana), da saúde pública (dengue). É a suposição mais razoável. O desencontro entre governo e evangélicos é crônico; o desconforto com a fala sobre Israel é só mais um elemento narrativo. Não tem todo o poder explicativo que lhe atribuíram.

Quem é Dawisson Belém Lopes

Professor de Política Internacional e Comparada da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi pesquisador visitante na University of Oxford (Reino Unido, 2022-2023) e no German Institute of Global and Area Studies (Alemanha, 2013); e professor visitante da Université Catholique de Louvain (Bélgica, 2016). É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq, conselheiro internacional do British Journal of Politics and International Relations (BJPIR) e senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Realizou comunicações sobre temas internacionais a convite dos governos de Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Portugal, Uruguai e Brasil, além da ONU e de diversas universidades ao redor do mundo. Colabora regularmente com os cursos de formação do Instituto Rio Branco, academia diplomática do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Rede social: https://x.com/dbelemlopes

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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