Esta é a última parte de uma entrevista que fizemos com o professor de relações internacionais, Dawisson Belém Lopes. As outras partes podem ser lidas nos links abaixo:
Primeira parte: Imprensa brasileira está fora da nova ordem mundial
Segunda parte: Geopolítica de Lula recupera o sonho de uma diplomacia independente
Terceira parte: Forças Armadas precisam cortar o cordão umbilical com os EUA
Quarta parte: Rejeição a Lula entre evangélicos não mudou muito depois da polêmica sobre Israel
Quinta parte: O Brasil ainda tem uma elite de colonos
Cafezinho: O Brasil experimenta, desde alguns anos, uma grande perplexidade política com a ascensão de uma extrema direita negacionista. Investigações recentes mostram atos extremos, ou mesmo desesperados, de membros do governo anterior, neste sentido, como a falsificação de cartões de vacinação contra a Covid-19, até usando equipamentos do Palácio da Alvorada. Isso me faz questionar: por que uma classe média educada, com acesso a educação superior e renda estável, ainda apoia um governo tão anti-ciência e anti-cosmopolita, como o de Bolsonaro? A manifestação na Avenida Paulista, em 25 de fevereiro, evidencia a força dessa direita extremista. Como entender a tolerância da classe média com um movimento tão atrasado, que nega valores fundamentais como o respeito às conquistas científicas, destacando-se as vacinas? Gostaria de saber sua visão sobre o motivo dessa ascensão da direita reacionária no Brasil.
Essa é uma pergunta muito boa. Eu entendo que o Brasil tem desde sempre um problema com a sua elite e que remete à própria questão nacional. Nossa elite sempre me pareceu pouco comprometida com as coisas do Brasil. Historicamente, é uma elite de colonos. São os filhos dos colonizadores que aqui se estabeleceram e que usaram o Brasil, em larga medida, como plataforma para auferir lucros, como um lugar bom para fazer dinheiro, mas não necessariamente para criar os filhos. Essa elite nacional é aquela que não usa os hospitais do país, que não manda os seus filhos para as universidades brasileiras, que se muda para algum lugar do mundo onde o Brasil é só “um quadro na parede” – para brincar com aquela passagem do Drummond sobre Itabira. Essa elite vive em Miami ou Lisboa, mas, naturalmente, mantém os seus negócios, mantém influência no território brasileiro. E para essa elite, e não é de hoje que isso acontece, não é um problema apoiar um regime ditatorial sanguinário, como não foi um problema apoiar a extrema direita negacionista em época de pandemia. No fundo, então, tem a ver com a nossa questão nacional. A falta de uma elite nacionalista é um problema que nos acompanha desde sempre. Não que não existam pessoas imbuídas de propostas nacionalistas ou que busquem o melhor para a sociedade brasileira, para o país. É claro que há. Mas, ao mesmo tempo, há muita gente poderosa remando na direção contrária, descomprometida com essa perspectiva.
Há, de resto, uma onda mundial ultradireitista, conservadora, e isso talvez se encaixe bem com leituras de mundo dos neoliberais, dos rentistas, dos extrativistas. É o que de fato aconteceu no Brasil recente, esse casamento entre ultraliberalismo econômico e conservadorismo político-religioso. Como eu dizia, contanto que não atrapalhe os negócios, isso nunca foi um grande problema para a elite brasileira. Uma elite que se constituiu a partir do escravismo, do extrativismo, do rentismo, da força de trabalho mal remunerada. Esse agronegócio que concentra renda, que paga salários baixos, essa elite da especulação financeira da Faria Lima, esse pessoal não tem problema em apoiar alguém como Bolsonaro nesta quadra histórica. Calhou de ser o candidato justamente desses setores em 2022. Eu acho que isso se explica bem. Agora, note: o custo de se associar a um golpe de Estado talvez tenha sido alto demais até para eles.
Quem é Dawisson Belém Lopes
Professor de Política Internacional e Comparada da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi pesquisador visitante na University of Oxford (Reino Unido, 2022-2023) e no German Institute of Global and Area Studies (Alemanha, 2013); e professor visitante da Université Catholique de Louvain (Bélgica, 2016). É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq, conselheiro internacional do British Journal of Politics and International Relations (BJPIR) e senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Realizou comunicações sobre temas internacionais a convite dos governos de Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Portugal, Uruguai e Brasil, além da ONU e de diversas universidades ao redor do mundo. Colabora regularmente com os cursos de formação do Instituto Rio Branco, academia diplomática do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Rede social: https://x.com/dbelemlopes