Resistência à expansão da Tesla em Brandemburgo gera teia de coalizões inesperadas e antipatias. Em mais de uma ocasião, bilionário apoiou a AfD, mas sigla se opôs à ampliação da fábrica.
Os planos do bilionário americano Elon Musk de expandir sua Tesla Gigafactory em Grünheide, nos arredores de Berlim, à custa de 100 hectares da floresta local, atrai uma gama excepcionalmente ampla de opositores, os quais nem sempre se entendem entre si.
Entre as ressalvas à colossal fábrica de automóveis está seu alto consumo de água e a ameaça de poluição que representa. Cerca de 100 manifestantes ocuparam o bosque que a montadora quer comprar, no estado de Brandemburgo, construindo casas de árvore entre os pinheiros e formando uma minicomunidade em apenas duas semanas. Dizeres como “Elon, Eloff” adornam o local.
Unido sob o slogan “Parem a Tesla”, esse eclético coletivo de ambientalistas conta basicamente com o apoio dos habitantes de Grünheide, que doam comida ao acampamento e até colocam suas casas à disposição para os ativistas tomarem uma chuveirada e lavarem as roupas.
Menos bem-vinda é a Alternativa para a Alemanha (AfD), embora o partido populista de direita seja o único do parlamento estadual de Brandemburgo que se opõe à expansão. O porta-voz da Grünheide Bürgerinitiative, Steffen Schorcht, que representa a oposição local aos planos de Musk, se incomoda por sua organização ser às vezes publicamente associada à sigla extremista.
“Somos uma aliança muito ampla de associações de proteção ambiental, ativistas do clima, políticos locais, cientistas da Universidade Técnica de Berlim e empresas, mas desde o início somos confrontados com a acusação de ser pelo menos próximos à AfD. Claro que isso é um disparate total: nós nos distanciamos desde sempre, quem trabalha conosco vem principalmente dos movimentos verde e de esquerda.”
Antipatia mútua entre ambientalistas e AfD
Schorcht acusa a AfD de cinicamente explorar a situação política do estado, cuja coalizão de governo centrista – formada pelo Partido Social-Democrata (SPD), a União Democrata Cristã (CDU) e o Partido Verde – saudou o potencial impulso econômico de uma fábrica da Tesla, mas também se preocupa com a impopularidade do projeto entre os residentes.
“A AfD está sempre entrando nas polêmicas”, comenta Schorcht. “A gente notou, conversando com outras iniciativas que, onde há problemas, ela sempre tenta adotar uma posição que agrada à maioria e renda votos. Nós colocamos as nossas questões no mundo, e se a AfD tenta se apoderar de algumas delas, então que seja. Não é algo que a gente possa mudar.”
A ativista Max, do acampamento de Grünheide, se horroriza com a ideia de qualquer tipo de associação: “Não somos do mesmo lado que a AfD em nenhum aspecto. A sigla é um partido muito à direita, extremamente transfóbico, homofóbico, sexista, racista. Não estamos alinhados com ela de maneira alguma.”
A antipatia é mútua. Por seu lado Kathi Muxel, representante da AfD no parlamento estadual e natural de Grünheide, descarta os ocupadores da floresta como “manifestantes nômades”, ou seja, não locais: “Não estou segura de que eu goste de ver a bandeira do [movimento descentralizado de esquerda] Antifa hasteada ali, e ‘Fora capitalismo’ ou sei lá o quê. Não é a nossa linha, não queremos uma situação radical aqui.”
“Como é que o Musk vai saber o que acontece na Alemanha?”
A AfD encontrou um jeito de encaixar a questão da Tesla em sua narrativa anti-imigração favorita, alegando que muitos dos 12 mil operários da fábrica vêm das vizinhas Berlim e Polônia, portanto os supostos benefícios econômicos não fluiriam para a comunidade local. Além disso, a legenda costuma apresentar os carros elétricos como parte de uma transição energética “ideológica”, a que se opõe.
E, no entanto, Musk já expressou antes simpatia pela AfD e seus posicionamentos. Em outubro de 2023, o empresário usou sua rede social X (ex-Twitter) para disseminar acusações não verificadas de que os líderes do partido teriam sido vítimas de “tentativas de assassinato”.
Em setembro ele havia republicado a postagem: “Vamos torcer para a AfD ganhar as eleições”, segundo a qual as iniciativas para financiar o resgate de migrantes do Mar Mediterrâneo seriam “subvencionadas pelo governo alemão”. Naturalmente os populistas adoraram a interferência.
A deputada Muxel também hesita em condenar o próprio bilionário: “Não somos contra a Tesla em si, somos contra a locação. A responsabilidade de onde Elon Musk constrói uma fábrica não é dele, ela cabe aos políticos. Como é que, lá dos Estados Unidos, ele pode saber como são as circunstâncias aqui? Não acho que ele possa.”
Todas as organizações reunidas em Grünheide se distanciaram de um ato de sabotagem ocorrido no início de março, quando a associação de extrema esquerda intitulada Vulkangruppe ateou fogo a uma torre de eletricidade, a poucos quilômetros de distância. O incêndio cortou o abastecimento de energia da fábrica, assim como de algumas centenas de casas próximas, forçando a suspensão da produção por uma semana.
Ponto para os ativistas: Tesla recua
Embora o atentado tenha arrefecido o apoio local ao acampamento florestal, a ativista Max assegura que o clima permanece positivo. O heterogêneo grupo de protesto negou ter tido qualquer conhecimento, afirmando, em comunicado: “Há diversos atores que estão resistindo de seu próprio modo à exploração e destruição por essa companhia.”
“O que me motiva é a frustração”, explica Max. “Crescer em meio à crise climática e ver todos os prazos sendo adiados, um atrás do outro, todas essas medidas para proteger o nosso meio ambiente não sendo tomadas. E tenho a sensação de não saber mais o que fazer, além usar o meu corpo físico para tentar proteger a água aqui e a floresta sobre ela.”
A situação toda agitou uma casa de marimbondos no conselho municipal de Grünheide, encarregado de decidir se autoriza a ampliação – embora no fim das contas o governo estadual e até mesmo federal possam intervir. O prefeito Arne Christiani, político independente no cargo há mais de 20 anos, pode em breve ser deposto pelo resto do conselho. Ele é a favor da ampliação da Tesla Gigafactory, embora uma consulta não vinculativa em fevereiro tenha indicado que mais de 60% da população local é contra.
A despeito de todas as dissensões entre os diversos oponentes do megaprojeto de Musk, os protestos parecem ter logrado efeito. Num encontro do conselho municipal, em meados de março, Christiani anunciou que a multinacional revisara seus planos, reduzindo para 47 hectares o desmatamento da floresta, em vez dos 100 originais.
Publicado originalmente pela DW em 18/03/2024
Por Ben Knight