Infelizmente não é primeira vez que aponto: falta certa maturidade em parte do jornalismo brasileiro que tem uma visão maniqueísta da política nacional e internacional com vilões e heróis bem definidos, tal qual um filme da Marvel.
O jornalista Octávio Guedes já havia alertado sobre essa mania de se elegerem heróis à esmo ainda essa semana ao comentar o caso envolvendo o depoimento do general Freire Gomes que, depois de mais de um ano de investigações, finalmente denunciou a trama golpista que presenciou ainda em 2022 e ainda fez o alerta: “foi este tipo de pensamento que nos levou para Sergio Moro”.
Diante das circunstâncias, fizeram a coisa certa e isso foi bom para o Brasil mas isso não os isenta de tudo que vivemos nos últimos anos. Quem defende que os comandantes não denunciaram Bolsonaro durante o andamento da conspiração golpista pois saibam que o ex-presidente trocaria o comando das forças se necessário, não sabe responder uma pergunta que a Polícia Federal (PF) não fez durante as oitivas: porque decidiram falar apenas em março de 2024? E que se faça justiça! Foram falar apenas após intimação da PF.
Quando Baptista e Gomes prestaram depoimento, as investigações sobre o 8 de janeiro já haviam completado 1 ano e três meses, a operação Lesa Pátria já tinha passado por quase 30 fases e as diversas apurações sobre a tentativa de golpe já tinham um vasto acervo de provas sobre tudo que ocorreu nos últimos anos.
Se o problema era denunciar durante o governo Bolsonaro, e isso podemos entender perfeitamente, a que se deve o retumbante e indecoroso silêncio durante o governo Lula?
E mais, faltou explicar as circunstâncias em que foram nomeados comandantes. Naquele estranhíssimo março de 2021, quando Bolsonaro exonerou os comandantes das três forças naquele momento. Naquela ocasião Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) pediram demissão após a saída do general Fernando Azevedo e Silva que comandava o Ministério da Defesa e fora substituído por Braga Netto
O mesmo Azevedo que no ano seguinte seria alvo da fúria de Braga Netto, segundo mensagens obtidas pela PF, o general acusava os militares que não se engajavam no golpe de pertencerem à “patota do Azevedo”, a informação foi revelada por esta coluna no mês passado.
Para desmoralizar um pouco mais os generais, o governo os demitiu antes que apresentassem suas cartas de demissão. Assim como em 2022, Bolsonaro ensaiava a decretação de um estado de defesa para combater as medidas de combate à pandemia de covid-19. O movimento marcou a ascensão de Braga Netto no governo que um ano antes havia assumido a casa civil e esteve ao lado do general Luiz Eduardo Ramos na criação do orçamento secreto.
Na ocasião da mudança, Bolsonaro estava irritado com governadores, e principalmente com o Supremo Tribunal Federal (STF) que juntos, barravam o intento do então presidente que trabalhava mais em prol da doença. Na mesma semana o então presidente declarou à seguidores que tinha limitações para decretar estado de sítio.
Baptista Jr, que viria a comandar aeronáutica, sequer estava entre as primeiras opções, Almir Garnier indicado para comandar a marinha, também não era uma das primeiras opções. Todos escolhidos a dedo por Braga Netto.
Freire Gomes chega meses depois, também em março, só que de 2022, como substituto ao general Paulo Sérgio que assumiria o Ministério da Defesa no lugar de Braga Netto. Foi nomeado à contragosto da cúpula do exército já que o general não estava entre os três mais antigos generais de quatro estrelas.
Durante o comando dos três, houve um acirramento da retórica golpista de Jair Bolsonaro que no mesmo ano protagonizou aquele alvoroçado 7 de setembro onde o então presidente costeou o alambrado do golpismo, ameaçou instituições e propôs afrontar os poderes legislativo e judiciário.
Em nenhum momento as forças se preocuparam em emitir qualquer pronunciamento ou comunicado em defesa da legalidade e da institucionalidade, tampouco ficaram em silêncio. Preferiram, sempre que possível, lançar dúvidas sobre a índole das forças armadas e pior! Ainda chegaram a ir para cima do senador Omar Aziz (PSD) quando este resolveu criticar a postura de militares na condução da pandemia.
Já no ano seguinte, depois de um ano empossados em seus cargos, assinaram uma infame nota celebrando o golpe de 1964, o alto comando também se preocupou em rebater uma matéria imprensa alegando que generais respeitaram o resultado das urnas naquele ano, oras! Se se preocuparam em rebater e negar a nota, o que aquilo significaria?
Já em outras ocasiões ficaram em silêncio diante das inúmeras notas do general Paulo Sérgio Nogueira, então Ministro da Defesa, cheias de mensagens dúbias quanto ao respeito pela democracia e processo eleitoral. Também permaneceram silentes em todas as vezes que Jair Bolsonaro vocalizava que as forças armadas estariam ao seu lado em qualquer escaramuça que afrontaria a normalidade institucional do país.
O auge da complacência com a delinquência vem com os acampamentos golpistas nas portas de quartéis de todo o país e que contaram com apoio logístico e material dos militares em várias regiões do país e chancelados pela delinquente nota de 11 de novembro de 2023, assinada pelos três comandantes (dois deles, supostos legalistas) e que não só colocava mais dúvidas quanto ao compromisso dos militares com a democracia, como defendiam os acampamentos golpistas em todo o país.
Por isso, dizer que os comandantes são heróis é, no mínimo, infantil. Cumpriram com o seu dever de maneira desdenhosa e até mesmo desleixada. Só falaram o que sabiam porque foram intimados, tiveram mais de 12 meses para fazer isso durante o governo Lula, já fora dos postos de comando e nada fizeram.
Seria bom entender o motivo deste indecoroso silêncio e as circunstâncias de suas nomeações em 2021, poderiam definir se além de testemunhas, os militares não poderiam passar para a posição de investigados.