A construção da versão diversionista dos militares sobre o golpe repete o método Lava Jato de vazamentos seletivos a partir de recortes de partes de investigações sigilosas que são “plantadas” na mídia com o objetivo de produzir uma narrativa interessada dos acontecimentos.
Alguns jornalistas e colunistas de veículos de comunicação são selecionados para receberem informações de fontes em off com o objetivo de agendarem a notícia no debate público a partir do viés dos interessados e com o enquadramento do assunto dentro da moldura pretendida.
Depois do depoimento do general Freire Gomes à PF, vigorou uma ordem unida nas editorias dos grandes meios de comunicação com a versão diversionista dos militares sobre os acontecimentos. Nem mesmo portais contra-hegemônicos ficaram imunes.
Os veículos da mídia hegemônica propagam a versão salvacionista e heróica de que o ex-comandante do Exército não prevaricou, porque teria “se omitido ativamente”, com o objetivo de impedir que Bolsonaro perpetrasse o golpe.
A favor desta versão romantizada não há, contudo, uma única imagem, vídeo, áudio; um único comunicado reservado ou um único documento entregue a alguma autoridade na época para que o general Freire Gomes pudesse comprovar que de fato ele agiu como diz ter agido.
Há, no entanto, fortes evidências que enfraquecem a versão propagada pela imprensa. A começar pela notável coesão das cúpulas das Forças Armadas em torno do empreendimento golpista e a conduta solidária do general Freire Gomes com seus pares.
Isso ficou evidenciado, por exemplo, no comunicado ameaçador de 11 de novembro de 2022, no qual os comandantes do Exército, da Marinha e Aeronáutica endossaram o questionamento de bolsonaristas ao resultado eleitoral e não aceitaram cumprir a ordem judicial para desativar os acampamentos que começavam se formar nas áreas dos quartéis como sintoma da reação inconformada da família militar com o resultado eleitoral.
Freire Gomes também participou do ato coletivo de insubordinação dos comandantes das três Forças, que decidiram renunciar antes da assunção do governo Lula para não serem obrigados a bater continência ao eleito pela soberania popular como comandante supremo das Forças Armadas.
Pesa ainda contra a versão heróico-salvacionista do general Freire Gomes a decisão dele de impedir, no dia 29 de dezembro de 2022, a apenas dois dias do final do governo anterior, a desmontagem do acampamento no QG do Exército.
O general alegou que impediu a desmontagem do acampamento no antepenúltimo dia de governo porque temia a reação do Bolsonaro. Ora, é uma alegação duvidosa, para não dizer cínica, pois Bolsonaro abandonaria o país rumo aos Estados Unidos em algumas horas.
Mas, se faltam evidências e provas para colocar em pé a versão do Freire Gomes, incrivelmente sobram convicções dos ministros do STF a respeito desta tese heróico-salvacionista.
Também em off, e também para um veículo hegemônico de comunicação, um ministro da Suprema Corte declarou [5/3] que o depoimento do general Freire Gomes à PF “é melhor e mais valioso do que uma delação”. Na visão deste ministro pauteiro da mídia, o depoimento de Freire Gomes “consolidou o quadro probatório”.
Como assim, tamanha convicção se o inquérito é sigiloso, assim como a delação do Mauro Cid? Além disso, o depoimento do general é recente, de 1º/3, e decerto sequer tenha sido transcrito na íntegra.
Apesar disso, entretanto, um ministro do STF sente-se à vontade para emitir um juízo peremptório acerca do conteúdo de um processo cujo conteúdo ele desconhece, e em relação ao qual ele ainda terá de se posicionar durante o julgamento no Supremo.
Como se observa, a construção da versão diversionista dos militares sobre o golpe está sendo feita segundo as técnicas do método Lava Jato, que consiste em seguir o itinerário jurídico que leva ao objetivo previamente traçado.
Neste caso concreto, o objetivo é a construção de uma narrativa para blindar a instituição militar e criar um cordão sanitário em torno das cúpulas das Forças Armadas e de determinados militares.
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