Com decisão judicial, milhares de apartamentos de temporada devem voltar para mercado imobiliário tradicional. Administração da capital alemã espera que veredito ajude a combater a escassez de moradia na cidade.
As autoridades locais de Berlim e os grupos de direitos dos inquilinos esperam que uma recente decisão judicial libere para o mercado de moradia milhares de apartamentos de aluguel de temporada. A capital alemã vem enfrentando uma explosão nos valores dos aluguéis nos últimos anos.
No que a autoridade do bairro central de Mitte chamou de julgamento “pioneiro”, um tribunal de Berlim decidiu no mês passado que a cidade poderia obrigar proprietários a colocar os apartamentos de férias no mercado imobiliário tradicional, mesmo antes da entrada em vigor, em 2014, da lei de “uso indevido” de imóveis, que proíbe que apartamentos não registrados sejam alugados para turistas.
O diretor administrativo da Associação de Inquilinos de Berlim (BMV), Sebastian Bartels, descreveu o veredito como “muito importante”. Ele estima que até 10 mil apartamentos poderiam ser levados de volta ao mercado de aluguel em toda a cidade de Berlim.
A decisão de fevereiro marcou o ponto culminante de uma batalha jurídica de oito anos sobre um edifício no centro de Berlim, onde 27 apartamentos regulares foram transformados em 37 apartamentos mobiliados para aluguel de temporada. O menor deles está sendo alugado atualmente por cerca de 200 euros (R$ 1.100) por noite, enquanto as coberturas custam de 3 mil a 4 mil euros (R$ 16.350 a R$ 21.800) por três noites.
O proprietário do bloco levou o distrito local à Justiça por se recusar a conceder proteção à propriedade, alegando que a lei antiga ainda era aplicável. O caso chegou até o Tribunal Constitucional Federal Alemão, que o devolveu ao tribunal de Berlim, que manteve seu veredito anterior, dando razão às autoridades locais.
A “lei de proibição de uso indevido” da capital alemã, de 2014, proíbe os proprietários de imóveis residenciais de deixar apartamentos vazios ou alugá-los como apartamentos de férias sem uma autorização oficial. Exceções podem ser feitas, por exemplo, para sublocação de parte de um apartamento ou para sublocação do apartamento inteiro por um prazo determinado.
Até o momento, a lei só era aplicada a propriedades que haviam sido transformadas em apartamentos de férias depois que a lei entrou em vigor, mas a nova decisão determina que ela também pode ser aplicada a imóveis de aluguel de temporada que já existiam como tal antes de 2014.
Novas ferramentas
A prefeita do distrito de Mitte, Stefanie Remlinger, saudou o veredito. “Com essa decisão, o tribunal nos deu, como distrito, as ferramentas para lidar com um dos problemas sociais mais urgentes em nossa cidade: a falta de moradia”, afirmou em nota. Ela disse que a cidade está agora “em posição de combater o aluguel ilegal de apartamentos (…) e de recuperar o espaço vital urgentemente necessário para o aluguel regular”.
A decisão pode ter um efeito potencialmente importante. Remlinger disse à emissora RBB que está planejando reexaminar cerca de 1.700 propriedades com vários apartamentos, dois terços dos quais ela acredita que os proprietários poderiam ser obrigados a disponibilizar esses imóveis no mercado regular de aluguel.
Esse estoque é extremamente necessário na cidade, já que os aluguéis em Berlim aumentaram muito nos últimos dois anos. De acordo com a organização de pesquisa de mercado imobiliário Empirica-Regio, o aluguel médio na cidade ficou estável durante a pandemia de covid-19 – custando em torno de 10 euros (R$ 54) por metro quadrado –, mas subiu para mais de 14 euros (R$ 76) no último trimestre de 2023.
“Milhares de casos anteriores à implementação da lei de uso indevido não puderam ser processados”, disse Bartels à DW. “A maioria dos apartamentos de férias está em áreas atraentes do centro de Berlim, e eles são um grande fator de expulsão dos habitantes.”
Bartels apontou ainda que os proprietários de imóveis estavam envolvidos no que ele chamou de “surfar nos prazos” – estender a batalha legal pelo maior tempo possível, passando de um recurso para o outro e, assim, explorando o ritmo muitas vezes tortuoso do sistema judicial. “Tudo isso levou muito tempo e, nesse meio tempo, o uso indevido continuou”, disse Bartels. “E por causa disso perdemos milhares de apartamentos nos últimos dez anos. Isso é amargo.”
Mas os números exatos não são conhecidos, em parte porque não há um registro centralizado de todas as propriedades vazias ou de aluguel de temporada na cidade, algo que as autoridades locais precisariam para poder contar quanto espaço para moradia Berlim tem à disposição.
“Simplesmente não temos os dados – não sabemos quantos apartamentos foram perdidos para o Airbnb ou outros provedores. É ridículo que não tenhamos esse registro em uma cidade tão grande, onde 83% dos habitantes são inquilinos”, disse Bartels. “Não há esforços da administração da cidade para estabelecer tal registro.”
UE: nova obrigação para o Airbnb
O Airbnb não fez comentários sobre a decisão judicial específica, mas apontou para declarações anteriores nas quais afirmou que os proprietários que oferecem apartamentos em sua plataforma são obrigados a se registrar como parte de sua “iniciativa de turismo responsável e proteção da moradia”. A plataforma também disse que 40% de seus usuários de Berlim usam o Airbnb para compartilhar suas casas particulares para aumentar suas rendas.
Mas isso não foi suficiente para a União Europeia (UE), que recentemente aprovou novas regras para aluguéis de curto prazo que exige que plataformas como o Airbnb não apenas registrem propriedades, mas também verifiquem a conformidade com as regras locais e coloquem os dados em um banco de dados central para as autoridades locais. Para Barbara Steenbergen, membro do comitê executivo da União Internacional de Inquilinos, essa é uma grande vitória.
Segundo ela, o problema até agora é que, embora a maioria das grandes cidades da Europa tenha leis para evitar o “uso indevido”, muitas vezes elas não conseguem aplicá-las porque as autoridades simplesmente não sabem onde estão os apartamentos, quem são os proprietários e se os apartamentos de férias estão cumprindo o período de aluguel ou as restrições de espaço relevantes.
“Esse foi o caso em todas as grandes cidades, de Amsterdã a Zagreb”, disse Steenbergen à DW. “As cidades pediram à Comissão Europeia a criação regras obrigando as plataformas a divulgar dados como: local dos apartamentos, tempo pelo qual são alugados, em que base e qual foi a renda do aluguel”, diz.
A ideia é que os proprietários só possam receber um número de registro de aluguel de curto prazo que lhes permita usar o Airbnb caso estes fatores estejam de acordo com as regras locais. Aprovadas no mês passado pelo Parlamento Europeu e as novas regras devem entrar em vigor dentro de cerca de dois anos, após adoção do texto pelo Conselho e publicação no Diário Oficial do bloco.
“Isso gera muito menos ônus para as cidades”, disse ela. “Isso é extremamente necessário quando se vê o ponto de vista macroeconômico. Atualmente, não construímos suficientes novas moradias a preços acessíveis – tivemos um problema com a interrupção da construção em toda a Europa. Portanto, as cidades agora estão tentando garantir que o estoque existente se torne acessível novamente.”
Publicado originalmente pela DW em 14/03/2024
Por Ben Knight