Mais uma vez, acho que está havendo um drama excessivo com uma pesquisa de avaliação do governo. É preciso bom senso, calma e sangue frio.
Os dados econômicos estão sólidos. O desemprego caiu. A inflação enfrentou um pequeno repique em janeiro, concentrado em alguns alimentos, mas está controlada e a previsão para este ano é de uma inflação ainda menor que a de 2023.
Muitos projetos anunciados ou iniciados pelo governo em 2023 darão frutos agora, alguns deles muito grandes, como o programa Pé de Meia, de ajuda financeira aos estudantes, e isso certamente terá impacto positivo na avaliação de Lula.
Mas vamos à pesquisa Ipec, divulgada hoje, com entrevistas realizadas nos dias 1 a 5 de março deste ano.
Lula perdeu alguns pontos de aprovação pessoal, que agora está em 49%. Na pesquisa Atlas, Lula pontuou 47%, na Quaest, 51%.
Não há surpresas, portanto.
Lula tem apoio de um pouco mais da metade da população, enquanto uma outra metade, ou pouco menos que a metade, o rejeita. Foi assim que Lula ganhou as eleições presidenciais. É curioso que os bolsonaristas, que sempre negaram pesquisas, e até mesmo os resultados eleitorais, agora venham legitimar números que apenas confirmam a polarização, com viés favorável a Lula, que vimos nas urnas.
Entretanto, assim como vimos na Quaest e na Atlas Intel, vem acontecendo, meio que subterraneamente, um fenômeno curioso: Lula está se recuperando na classe média.
Na Ipec, Lula ganhou 8 pontos de aprovação na classe média tradicional, que ganha renda familiar acima de 5 salários, passando de 32% para 40% de aprovação.
Sua rejeição nesse estrato, que estava em perigosos 64% em dezembro, caiu para 56%.
Repito o que já disse nas últimas análises: o principal perigo vem da classe média. Foi ela quem derrubou Dilma Rousseff, foi ela quem sustentou a Lava Jato, foi ela que levou Lula a cadeia e foi ela que elegeu Bolsonaro.
Se Lula está reconquistando a classe média, mesmo que às custas de uma perda relativa do total de eleitores, isso significa um trunfo extraordinário, no médio e longo prazo, para o governo Lula.
Outro dado importante da pesquisa é o recorte de gênero.
Na contramão da média geral, Lula não perdeu nenhum ponto de aprovação entre homens. Ao contrário, oscilou um ponto para cima, e agora tem aprovação de 50% dos homens, contra 49% em dezembro. Isso tem um significado importante, porque confirma o caráter específico e pontual da queda na avaliação. Não foi uma perda de apoio de caráter estrutural.
Repare também que Lula permanece com aprovação alta, de 57%, entre quem ganha até 1 salário – embora tivesse incríveis 64% em dezembro. Essa queda é possivelmente decorrência do repique inflacionário de janeiro, mas também pode ser fruto da manipulação pesada que algumas lideranças religiosas fizeram das declarações de Lula sobre Israel. O presidente também oscilou positivamente entre eleitores com renda famíliar de 1 a 2 salários, de 51% para 52%.
Conclusão
A Ipec revela um fenômeno muito parecido com que vimos na Quaest e na Atlas Intel: Lula perdeu apoio sobretudo entre mulheres evangélicas de classe média baixa (2 a 5 salários) e classe muito baixa (até 1 salário).
No recorde por religião da Ipec, Lula mantém apoio forte de 56% dos eleitores católicos, embora 2 pontos a menos que tinha em dezembro, e perdeu 3 pontos entre evangélicos, de 39% para 36%.
Se a economia estivesse apresentando algum problema estrutural grave, uma queda na pesquisa, mesmo que pequena, poderia indicar uma consolidação perigosa de um processo de rejeição. Não me parece que seja isso.
Aparentemente, o bolsonarismo usou a fala de Lula sobre Israel para agitar as massas evangélicas, e conseguiu aumentar a rejeição do presidente nesse extrato, especialmente entre as mulheres. Como isso não é um fato estrutural nem da política nem da economia, pode ser uma onda passageira, e não seria surpresa se Lula recuperasse, nas próximas pesquisas, os pontos perdidos nas últimas semanas.
Mesmo assim, vale o alerta para o governo. Lula fez o certo em subir o tom contra Israel, que está protagonizando um genocídio na Palestina, mas agora está claro que as lideranças evangélicas bolsonaristas conseguiram inculcar na cabeça de alguns fieis, com notável rapidez, que a Israel de Netanyahu é a mesma do Antigo Testamento. Então é preciso, de fato, cuidado com a linguagem ao se falar desse assunto.
De maneira geral, todavia, essa é mais uma pesquisa tranquila para o governo, e que apenas nos revela o mesmo país polarizado que vimos nas urnas.
A íntegra da Ipec de março pode ser baixada aqui. A pesquisa da Ipec de dezembro está aqui.