“Uso a palavra para compor meus silêncios.”
Manoel de Barros
Na vida de advogado criminal, leito natural de toda a minha história no direito, teve um advogado que foi e é uma luz para mim.
Com rara competência e extraordinária coerência, é um mestre permanente na construção de um processo penal democrático e um defensor intransigente da ética, dos direitos humanos e dos menos favorecidos.
Um tribuno tão excepcional que um dia, após uma sustentação no Supremo Tribunal, ouviu de uma ministra: “Ao vê-lo falar, dá até vontade de cometer um crime para ser defendido pelo senhor”.
Lembro-me de ele contar que, durante a Ditadura militar, recebia os exilados políticos no Café de Flore, em Paris. Hospedava-se no Hotel Crystal, na Rue Saint-Benoît, ao lado do Flore, e fazia daquele lugar o seu escritório.
Anos depois, comprei um apartamento ao lado do mítico Café, com a varanda debruçada sobre suas mesas, e notei que, na entrada interior do prédio, tinham várias placas “avocat à la cour”. Em homenagem a ele, mandei fazer a minha: “Avocat au Flore”.
O síndico, como bom francês, enviou uma correspondência para eu me explicar. Simples. Só respondi que todos os dias, estando em Paris, sento-me no Café de Flore para escrever, ler e estudar. Como que dividindo a mesa com meu mestre José Carlos Dias.
A advocacia, com seus milhares de advogados, vai ficando cada vez mais difícil. Não é incomum encontrar colegas que, embora, claramente, não dominem absolutamente nada do Direito, representem grandes casos e com amplo trânsito nos principais tribunais do país.
Recordo-me sempre de uma pergunta que fiz ao ministro Evandro Lins, com quem tive a honra de dividir uma causa quando ele já estava avançado na idade: “Ministro, que conselho de leitura o senhor daria para uma estagiária?”; o mestre não pensou muito: “Leia os clássicos, leia romance, leia muita poesia, leia ficção, contos, jornais. Se sobrar tempo, leia direito”.
Que falta fazem esses grandes advogados. Alguns que andam por aí não conhecem nem Direito, muito menos literatura.
Faço essas reflexões pois agora, dia 17 de março, a Operação Lava Jato completa 10 anos. Desde 2014, sou um crítico dos abusos dessa midiática e política investigação.
Corri o Brasil em palestras, debates em programas de televisão e de rádio, assim como escrevi centenas de artigos para denunciar os excessos da República de Curitiba.
Seus líderes, Moro e Deltan, bem como seus procuradores amestrados, instrumentalizaram o Judiciário e o Ministério Público em nome de um projeto de poder.
Foram responsáveis diretos pelo governo fascista do Bolsonaro ao prenderem, injusta e ilegalmente, o Lula para tirá-lo das eleições. Ressalte-se que, à época, ele estava em primeiro lugar nas pesquisas.
Com o passar dos tempos, e com muito custo, a verdade tem vindo à tona. Hoje, essa Operação está desmoralizada. De heróis midiáticos – verdadeiros semideuses criados artificialmente pela grande mídia -, os principais atores passaram a ser expostos como realmente são.
Malandros, dinheiristas, indigentes intelectuais e sem escrúpulos. Um grupo que não teve dúvidas em se locupletar do Poder Judiciário, quebrando parte da indústria nacional, representando grupos estrangeiros e a serviço da extrema direita bolsonarista.
Com o desnudamento dos inúmeros crimes e abusos cometidos, alguma responsabilização começa a aparecer. Deltan já teve seu mandato de deputado cassado. Moro aguarda perder o de senador.
E a senadora que se intitulava o “Moro de saia” já o perdeu há muito. Juízes lavajatistas importantes estão afastados e na expectativa da análise do Conselho Nacional de Justiça. Nos corredores, há uma forte impressão de que, logo, os processos criminais tomarão corpo contra esse bando.
A cada dia, novos esqueletos são retirados do armário da 13ª Vara Federal de Curitiba e de outras cidades. Ainda há muito o que emergir, mas alguns procuradores e magistrados já não dormem, já que sabem o que fizeram nos verões passados.
Porém, algo continua a intrigar. E os advogados que foram cúmplices dessa turma? E aqueles que aceitaram ser linhas auxiliares do juiz e do Ministério Público, especialmente nas delações? Lembro-me de certo cliente me procurar, no auge da Lava Jato, para pedir desculpas, pois um membro do Ministério Público tinha exigido que ele me destituísse como advogado e aceitasse outro patrono indicado por eles!
Acordos vergonhosos e criminosos que visavam atingir inimigos políticos escolhidos a dedos e proteger o grupo que interessava à República de Curitiba. Prisões alongadas para obrigar as delações, tudo com a doce supervisão de parceiros que se dizem advogados.
Conivência covarde e criminosa. Lucrativa, mas indecente. Penso ser esse um tema oportuno para ser enfrentado agora na comemoração dos 10 anos da Operação. Com a palavra, meus queridos colegas.
Homenageando o grande Rui Barbosa: “O sábio pesa os sistemas na balança dos princípios, não na dos resultados”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay