O Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, declarou na quarta-feira, 21, que o Brasil se opõe à resolução de diferenças entre países através da força militar.
Durante sua participação na reunião de ministros de Relações Exteriores do G20, realizada no Rio de Janeiro, Vieira criticou a incapacidade das instituições internacionais de enfrentar crises atuais, incluindo os conflitos na Ucrânia e na Palestina.
Vieira apontou a “inaceitável paralisia do Conselho de Segurança” em relação aos conflitos globais como um exemplo do fracasso das instituições multilaterais em lidar com os desafios do momento. Ele destacou que essa inação resulta na perda de vidas inocentes.
O ministro enfatizou a posição do Brasil contra o uso da força militar para resolver disputas e rejeitou a busca por hegemonias, seja por potências antigas ou emergentes. Ele expressou o desejo do Brasil de viver em um mundo que priorize a paz e não seja dividido por conflitos alimentados por interesses de nações estrangeiras.
A reunião no Rio de Janeiro, que acontece nos dias 21 e 22, marca o primeiro encontro ministerial sob a presidência brasileira do G20. Os chanceleres das maiores economias do mundo discutem uma variedade de tópicos, incluindo a reforma da governança global e a atual crise internacional.
Leia a íntegra do discurso!
Senhoras e senhores Ministros de Relações Exteriores,continua após o anúncio
Representantes de Organizações Internacionais,
Chefes de Delegação,continua após o anúncio
Senhoras e senhores,
Gostaria, antes de mais nada, de dar as boas-vindas a todos ao Brasil para a primeira Reunião de Ministros das Relações Exteriores do G20 deste ano.O Rio de Janeiro ocupa um lugar especial no coração de todos os brasileiros. Espero que suas agendas permitam algum tempo para visitar esta bela cidade durante sua estada no país.Como anunciado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Cúpula de Líderes de Nova Delhi em setembro passado, a Presidência do Brasil no G20 tem como foco três prioridades principais:
1) o combate à fome, pobreza e desigualdade;
2) o desenvolvimento sustentável, em suas dimensões econômica, social e ambiental); e 3) a reforma da governança global.Nesta reunião, a Presidência Brasileira do G20 propõe que nos concentremos na terceira prioridade estabelecida pelo Presidente Lula: a reforma da governança global.
Antes de prosseguirmos com esse tema, permitam-me apenas reiterar a importância que o Brasil atribui à promoção da inclusão social, ao combate à fome e à pobreza e à realização do desenvolvimento sustentável, que serão abordados mais a fundo em outras reuniões.
Em particular, gostaria de fazer um apelo a todos vocês para que prestem especial atenção e deem apoio às discussões em curso com o objetivo de lançar uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, uma prioridade-chave de nossa presidência no G20.
Meu país gostaria de contar com o apoio de todos os membros, países convidados e organizações internacionais para que, na Cúpula de Líderes do Rio de Janeiro, em novembro próximo, as vinte maiores economias do mundo possam anunciar uma contribuição efetiva para erradicar a fome no mundo.
Prezados colegas,Esta reunião terá dois itens de agenda. Hoje discutiremos o papel que o G20 pode desempenhar no tratamento das tensões internacionais em curso e amanhã nos aprofundaremos no tema da reforma da governança global.Iniciaremos agora a primeira sessão.
De acordo com a prática do G20, os membros da troika falarão primeiro, seguidos pelos outros membros do G20, pelos países convidados e pelas organizações internacionais.
Em cada um desses grupos, a palavra será dada em ordem alfabética, de acordo com o nome em inglês de cada país ou organização.
Peço a colaboração de todos para observarmos o tempo de cinco minutos para as intervenções dos países membros do G20 e de três minutos para os países e as organizações internacionais convidadas.Passo agora à minha intervenção em capacidade nacional.
Senhoras e senhores Ministros e representantes de Organizações Internacionais,O G20 é um fórum internacional de crescente relevância. Hoje, questões das mais diversas naturezas integram os debates do grupo.Como todos sabemos, as Nações Unidas foram criadas como a organização que, por excelência, deve lidar com questões de paz e segurança.
O G20, por sua vez, foi concebido como um fórum privilegiado para discussões sobre questões financeiras e de desenvolvimento, com legitimidade e ferramentas para lidar com tais desafios.
Diante do quadro que vivemos, no entanto, este grupo é hoje, possivelmente, o foro internacional mais importante onde países com visões opostas ainda conseguem se sentar à mesa e ter conversas produtivas, sem necessariamente carregar o peso de posições arraigadas e rígidas que têm impedido avanços em outros foros, como o Conselho de Segurança.
Na nossa visão, o G20 pode e deve desempenhar um papel fundamental para a redução das tensões internacionais, bem como no avanço da agenda de desenvolvimento sustentável.Caros colegas,O Brasil está profundamente preocupado com a situação internacional atual no tocante a paz e segurança.
Segundo algumas estimativas, atingimos um número recorde de conflitos em andamento no mundo – mais de 170 –, enquanto as tensões geopolíticas também estão aumentando. O Brasil ocupa um lugar no mundo que nos permite discutir essas mesmas tensões internacionais em qualquer foro internacional.
Nossas posições sobre os casos ora em discussão no G20, em particular a situação na Ucrânia e na Palestina, são bem conhecidas e foram apresentadas publicamente nos foros apropriados, como o Conselho de Segurança da ONU e a Assembleia Geral da ONU.
As instituições multilaterais, contudo, não estão devidamente equipadas para lidar com os desafios atuais, como demonstrado pela inaceitável paralisia do Conselho de Segurança em relação aos conflitos em curso. Esse estado de inação implica diretamente perdas de vidas inocentes.
O Brasil não aceita um mundo em que as diferenças são resolvidas pelo uso da força militar. Uma parcela muito significativa do mundo fez uma opção pela paz e não aceita ser envolvida em conflitos impulsionados por nações estrangeiras.
O Brasil rejeita a busca de hegemonias, antigas ou novas. Não é do nosso interesse viver em um mundo fraturado.Em nossa região, um exemplo claro de abordagens divergentes no campo de paz e segurança vem do fato de que o norte está unido em torno de uma aliança militar, enquanto o sul é coberto por diversas camadas e zonas de paz e cooperação, como a ZOPACAS, a OPANAL, a África desnuclearizada sob resolução da ONU, a própria União Africana e muitos outros exemplos.
A situação absolutamente extraordinária em que todo o Hemisfério Sul do planeta optou por permanecer desnuclearizado é pouco destacada sob a narrativa predominante.
Os casos bem-sucedidos de cooperação pacífica da América Latina, África, Sudeste Asiático e Oceania fazem com que as vozes dessas regiões devam ser ouvidas nos foros relevantes com especial cuidado e atenção.
Prezados colegas,Sem paz e cooperação, será extremamente difícil alcançarmos a prometida mobilização em larga escala dos recursos necessários para enfrentar as ameaças existenciais que enfrentamos, em particular o combate à pobreza e à desigualdade e a proteção do meio ambiente.
Não é minimamente razoável que o mundo ultrapasse – e muito – a marca de US$ 2 trilhões em gastos militares a cada ano.
A título de comparação, os programas de ajuda da Assistência Oficial ao Desenvolvimento permanecem estagnados em torno de US$ 60 bilhões por ano – menos de 3% dos gastos militares. Os desembolsos para combater mudanças climáticas, sob o amparo do Acordo de Paris, mal conseguem alcançar os compromissos de US$ 100 bilhões por ano, portanto menos de 5% dos gastos militares.
Se a desigualdade e mudanças climáticas de fato constituem ameaças existenciais, não consigo evitar a sensação de que nos faltam ações concretas sobre tais questões.
Temos problemas urgentes a resolver no tocante ao desenvolvimento e à luta contra a fome, a pobreza e a desigualdade; temos desafios gigantescos em relação às mudanças climáticas e ao meio ambiente; temos uma responsabilidade coletiva de liderar o mundo rumo à prosperidade para todos e todas.
Essas são as guerras que devemos travar em 2024.Em todos esses esforços, é de fundamental importância termos um sistema multilateral moderno, eficaz e eficiente, guiado por normas e princípios rigorosamente seguidos por todos os países, com as Nações Unidas em seu centro.Não podemos ignorar o fato de que a governança global precisa de profunda reformulação.
Nossas diferenças devem ser resolvidas ao amparo do multilateralismo e das Nações Unidas, utilizando como métodos o diálogo e a cooperação, e nunca por meio de conflitos armados – questões essas que serão discutidas com mais profundidade amanhã, na sessão dedicada à reforma da governança global.
À medida que o G20 avança nas discussões sobre seu papel diante das tensões internacionais em curso, encorajo todos os países a iniciarem o diálogo reiterando seus compromissos sob a Carta das Nações Unidas e rejeitando publicamente o uso da força, a intimidação, as sanções unilaterais, a espionagem, a manipulação em massa de mídias sociais e quaisquer outras medidas incompatíveis com o espírito e as regras do multilateralismo como meio de lidar com as relações internacionais.
O Brasil incentiva de modo enfático que todos os membros do G20 mudem o foco do debate para a busca de respostas concretas, centrados no que temos em comum, e que adotem medidas para a construção de confiança. Falamos desses temas por experiência e vivências próprias, não por idealismo. O Brasil está pronto para contribuir com ideias e propostas concretas nesse sentido.Muito obrigado a todas e a todos.
Paulo
21/02/2024 - 23h06
Ele está certo, em tese. Mas quando foi mesmo que ele criticou a invasão russa da Ucrânia? A direita e a esquerda são reféns de suas próprias contradições morais, e, no caso da Ucrânia, bom lembrar que nem Lula nem Bolsonaro condenaram. “Quid inde”?