Por Rodrigo Perez
Que o Big Brother Brasil é o principal produto da indústria cultural brasileira há mais de duas décadas não é novidade pra ninguém. É impossível ficar indiferente às repercussões sociais do reality global. Talvez não seja nem desejável.
Qualquer brasileiro minimamente atento ao que está acontecendo ao seu redor já ouviu falar em Davi. No carnaval de Salvador, o participante soteropolitano foi um verdadeiro fenômeno, sobretudo depois que o seu “calma calabreso” virou meme. O grupo baiano “La Fúria” já fez até música. É a velocidade das redes pautando a totalidade da realidade.
Aqui neste ensaio, desejo explorar um aspecto dessa edição do BBB, especialmente no que se refere à trajetória de Davi no programa: estamos vendo em rede nacional a manifestação explícita dos limites daquele que é o pensamento político hegemônico no campo das esquerdas.
Como assim? Explico.
Se convencionou chamar de “identitarismo” o tipo de sensibilidade política que ampliou as experiências de opressão para além da materialidade econômica.
Movimentos sociais organizados por mulheres, por pessoas LGBTs e por negros passaram a afirmar suas trajetórias de opressão a partir de suas condições de existência. O resultado foi a ampliação dos agentes sociais que, em tese, seriam os opressores.
No vocabulário político feminista, os homens, privilegiados no patriarcado, são os opressores.
Na linguagem LGBT, o opressor é o homem heterossexual.
Para o movimento negro, os opressores são os brancos em geral.
Assim, a dicotomia “Rico opressor privilegiado X pobre oprimido” foi ficando cada vez mais em segundo plano entre as prioridades políticas da esquerda contemporânea. O BBB 24 nos leva a questionar essa hierarquia de prioridades.
Rodriguinho é tão negro quanto David, e não há nada em comum entre eles. O pagodeiro paulista chegou a dizer, em tom de menosprezo, que ao entrar no programa, Davi tinha deixado apenas o carro na garagem, seu instrumento de trabalho em um aplicativo de transporte. Já ele, Rodriguinho, havia deixado uma carreira artística consolidada.
O leitor e a leitora podem argumentar que o discurso de Rodriguinho se deve à falta de “letramento racial”. Talvez. Certo mesmo é que ele tem consciência de classe. Rodriguinho sabe
que é rico, mesmo sendo negro. Sabe também que Davi é pobre, ainda que seja negro também. Essa diferença fundamental grita mais alto do que qualquer eventual semelhança que poderia ser construída por meio da identidade racial.
Wanessa Camargo e Yasmin Brunet se tornaram as principais algozes de Davi. Mobilizando o vocabulário feminista, a cantora e a modelo já disseram que Davi é “machista” e “manipulador”.
Duas mulheres ricas e criadas em berço de ouro transformam o homem pobre em perpetrador de opressão e de violência psicológica. Davi seria, portanto, o opressor, enquanto Wanessa e Yasmin seriam as oprimidas.
A linguagem de gênero, aqui, cumpre um papel ideológico, no sentido marxista do termo: a nuvem de fumaça que esconde o verdadeiro conflito, a verdadeira experiência de opressão, aquela que opõe ricos e pobres.
Davi é motorista de aplicativo, trabalhador precarizado. Por mais que eventualmente sua linguagem aparente agressividade ou flerte com o politicamente incorreto, jamais será privilegiado pelo simples motivo de que no capitalismo, independente de quem sejam, os pobres não têm acesso a privilégios.
Yasmin, Wanessa e Rodriguinho. Por mais diferentes que sejam, são ricos e sabem perfeitamente disso. A identidade aqui é produzida pela experiência comum do privilégio material. A diversidade, na prática, fica em segundo plano.
Quem diria, não? O BBB está mostrando em rede nacional que aquilo que foi escrito por uns certos barbudos no século XIX ainda faz sentido.
Rodrigo Perez é historiador e professor da UFBA
Paulo
16/02/2024 - 20h10
BBB é uma perda completa de tempo. Nenhuma pessoa madura e sensata deve assistir a essa imbecilidade global! Eu mesmo não assisti e só soube agora alguns nomes dos participantes. Quem é esse Rodriguinho? Nunca ouvi falar…