Rodrigo Perez: Sobre a necessária criminalização do bolsonarismo

JORGE WILLIAM/AGÊNCIA O GLOBO

Por Rodrigo Perez

Com as recentes operações da PF que tiveram como alvo o clã Bolsonaro e seus aliados civis e militares fica a dúvida a respeito dos desdobramentos políticos dessa situação.

Diante do cerco jurídico/policial, a base social bolsonarista diminuirá? Ou acontecerá algo semelhante ao que vemos nos EUA e o ex-presidente se fortalecerá ainda mais?

Na política cada coisa tem seu tempo, mas acredito que o resultado será a soma zero. Bolsonaro não perde nada, mas também não ganha. No que se refere ao binômio aprovação/rejeição, a situação política de Bolsonaro está muito consolidada. Aqueles que ainda o apoiam não mudam de posição nem se ele matasse uma criança na frente das câmeras. Aqueles que o rejeitam também não se movem, mesmo que o sujeito apareça banhado de ouro.

Mas a discussão principal, me parece, é outra.

A derrota do bolsonarismo não passa, apenas, pela política. Eu diria que sequer começa pela política. É que o bolsonarismo não é força política convencional.

Manifestação da experiência global de colapso do modelo democrático inventado no século XVIII na Europa e nos EUA, o bolsonarismo é o resultado do acúmulo de frustrações inerentes à democracia tal como conhecermos.

Mas que democracia é essa?

Em síntese, é aquela em que o cidadão não participa diretamente do governo, mas sim delega poder a um representante, sempre um político profissional.

Desde o início que essa engenharia é problemática, tensa e sujeita a constantes crises de confiança. Não seria exagero dizer, portanto, que a história da democracia moderna é a história de sua crise.

Mas há algo específico, e mais radical, na crise democrática contemporânea da qual o bolsonarismo é um dos sintomas: a frustração ganhou dimensões estruturais e se tornou capaz de encantar as massas.

Escândalos de corrupção envolvendo o establishment político; deterioração nas condições de vida nas grandes cidades; a revolução comportamental promovida pelos movimentos identitários; o colapso da social- democracia, sobretudo na precarização dos direitos trabalhistas.

Pela primeira vez desde o final da Segunda Guerra Mundial, a geração dos filhos está mais empobrecida do que a geração dos pais. Para muitos, a velha promessa do “trabalhe e estude para ter um bom emprego” não faz mais sentido. A democracia perdeu a capacidade de inspirar sonhos e ambições.

Todos desses fatores, juntos, resultaram na formação de uma massa de desalentados com a ordem democrática

Trabalhadores precarizados, classe média assustada com a violência urbana, homens pobres ressentidos com a rebelião de suas esposas e filhas. É muita gente, muita gente mesmo. Para essas pessoas, a democracia não vale mais a pena. Não serão convencidas no curto prazo. O processo é demorado e dependerá da capacidade do sistema democrático em entregar algo que melhore a vida efetivamente.

Até lá, lideranças como Bolsonaro e Trump não podem ficar soltos, transformando ressentimento em capital político. A democracia precisa ser capaz de se proteger pela força da lei, de se proteger inclusive contra os ataques de parte do próprio povo.

Sei que a imagem da democracia se protegendo do povo pode parecer contraditória. Não é, pois o judiciário também é uma força democrática.

Formado pela minoria dos iniciados na ciência da lei, cabe ao judiciário arbitrar o jogo democrático, o que eventualmente significa expulsar quem não segue as regras, e sem consultar a torcida. Se toda vez que precisasse expulsar um jogador, o árbitro consultasse a torcida, o próprio jogo seria inviável. A torcida não pode participar de tudo.

O judiciário brasileiro, depois de tantas vezes faltar à República, parece ter tomado o trilho correto e está mostrando ao mundo onde a extrema direita pós fascista deve ser derrotada: nos tribunais.

Hoje, o Brasil está na vanguarda da resistência democrática.

Rodrigo Perez é historiador e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

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