Quando Bolsonaro assumiu o pder em 2019, a primeira coisa que se iniciou foi uma série de ataques contra a cúpula militar, todos eles liderados pelo prosélito de extrema direita, Olavo de Carvalho, com insultos dirigidos exclusivamente aos generais, sempre acusações de baixo nível, todos endossados pelo presidente que concedeu a Ordem Nacional de Rio Branco, na classe Grã-Cruz, ao próprio Olavo.
A honraria foi destinada a alguém que constantemente atacava e ofendia as Forças Armadas. Isso deveria levantar, na ocasião, a questão se Bolsonaro concordava com tais declarações ou, no mínimo, se tem um profundo desdém pelas Forças Armadas.
Apenas no ano de 2019, o governo dispensou três generais de suas fileiras, com destaque para os generais Juarez Cunha e Santos Cruz. Juarez foi acusado de comportamento sindicalista, enquanto Santos Cruz foi vítima da escaramuça olavista dentro do governo Bolsonaro, que promovia uma campanha de desconfiança contra os militares.
No contexto do Ministério da Educação bolsonarista, o coronel Ricardo Roquetti foi exonerado durante a gestão do ex-ministro Abraham Weintraub. Ele ocupava a segunda posição na pasta e teve sua demissão solicitada por Olavo de Carvalho e seus seguidores, gerando uma divisão nas fileiras militares já abaladas pelos gestos imprudentes do chanceler Ernesto Araújo em relação aos EUA, que na ocasião sinalizou a possibilidade de criar um corredor na Amazônia para a livre circulação de militares americanos em caso de uma eventual guerra com a Venezuela, o que os generais interpretaram como um atentado à soberania nacional.
Bolsonaro, talvez acreditando que governaria de forma incontestável no Brasil com o apoio militar, viu suas pretensões fracassarem, resultando em ressentimento adicional contra as Forças Armadas. As humilhações impostas e hoje, diante de tudo que vimos nos últimos dias, podem ser interpretadas como uma um caminho que o ex-presidente encontrou para promover a indisciplina entre as patentes mais baixas.
Em dois episódios distintos, Olavo de Carvalho afirmou que os generais entregaram o país aos comunistas, sugerindo uma quebra da hierarquia. Essa narrativa, que já levou ao banimento de Olavo das redes sociais do Exército em 2015, foi utilizada em 2019, 2020 e depois foi requentada em 2022 para instigar a insubordinação entre as patentes inferiores.
Nossos generais até podem ser complacentes com tentativas de golpe, porém nunca aceitaram a quebra de hierarquia, por isso o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, emitiu uma portaria em 2020 exigindo que militares tomassem as vacinas previstas em calendário, contradizendo a postura de Bolsonaro, que chamou os brasileiros preocupados com a saúde de “maricas”. Pujol reforçou que as Forças Armadas não querem se envolver em questões políticas e buscam evitar a entrada da política nos quartéis.
Essa postura da cúpula militar, liderada por Pujol, foi vista nos bastidores como uma preocupação com a radicalização e a quebra de hierarquia promovidas por Bolsonaro e seus seguidores. A cúpula estava atenta ao processo de fissura interna.
A crescente divisão entre as patentes mais baixas e a cúpula militar entre os anos de 2019 e 2020 é perceptível em acusações de lobby em busca de benefícios em detrimento dos escalões inferiores.
Isso se reflete nas eleições municipais de 2020, onde existiu uma preocupação dos militares com a campanha “praça vota em praça”, que incentiva as camadas médias a não votarem em oficiais e seus parentes.
No mesmo ano, Olavo ainda fez mais um vídeo, ainda mais incisivo contra os generais da ativa do Exército Brasileiro. “Nada do que esses caras prometam, eles vão cumprir”, afirmou. “Não acredito mais que os generais da ativa estão dando um verdadeiro suporte ao presidente da República”, disse ele no vídeo.
Tudo isso finalizado com um convite para que membros da tropa iniciassem um movimento de insubordinação e indisciplina. “Na tropa, sim, há muito apoio ao presidente. São as forças verdadeiramente democráticas”, disse Olavo que completou: “Entre os generais, eu não acredito mais”.
A campanha contra os ditos generais-melancias e os ataques de Braga Netto contra outros comandantes militares ao final de 2022 bebem dessa fonte. Por isso é possível sim afirmar, que o golpe articulado durante aquele ano na verdade foi gestado desde o primeiro dia que Bolsonaro botou os pés no Palácio do Planalto.
De 2019, quando os primeiros ataques ocorrem, até a efetivação das articulações golpistas, o discurso foi o mesmo, inclusive, sendo até mesmo encampado por generais e outros oficias.