Imunizante é de dose única, o que facilita a distribuição e implica em uma imunização mais rápida, e oferece proteção contra os quatro sorotipos do vírus
A candidata a vacina contra a dengue do Instituto Butantan, que apresentou eficácia de 79,6%, apresenta resultados bastante positivos, mas ainda precisa finalizar os ensaios clínicos e passar por processo regulatório antes de ser disponibilizada à população. A informação é do diretor do Instituto, Esper Kallás, que participou de uma entrevista coletiva junto ao governador de São Paulo em exercício, Felicio Ramuth, e ao secretário de Saúde, Eleuses Paiva, na manhã desta terça (6/2). Na semana passada, os primeiros dados do acompanhamento dos voluntários vacinados foram publicados na New England Journal of Medicine, uma das revistas científicas mais conceituadas do mundo.
“Os resultados que temos de dois anos são muito satisfatórios. Estamos na fase final de desenvolvimento do estudo de fase 3, que vai completar o acompanhamento do último voluntário no meio desse ano. Estamos consolidando os dados de seguimento controlado para saber se a proteção de 80% é sustentada durante cinco anos”, explicou Esper, que é médico infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e participou do estudo como investigador principal.
Os números dos dois primeiros anos de acompanhamento do ensaio clínico devem ser encaminhados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no segundo semestre de 2024. A essa submissão, se seguirão articulações com o órgão regulatório em relação aos processos internos e à capacidade de produção do Butantan. “A vacina vai demorar um tempo ainda, em um processo de diálogo com a Anvisa a respeito de resultados e ajustes, além da melhoria dos nossos processos”, aponta Esper.
De acordo com o painel de casos de arboviroses do Ministério da Saúde, de janeiro até meados de fevereiro foram registrados 243.721 casos prováveis de dengue no Brasil, com 29 mortes confirmadas e 170 sob investigação.
Uma vacina complexa
A dengue é uma doença febril aguda caracterizada por dor pelo corpo, febre alta, vermelhidão, dor de cabeça e outros sintomas, causada por um vírus que apresenta quatro sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Em alguns casos, pode se intensificar ao final da primeira semana e se tornar grave e até fatal em uma pequena parcela das pessoas, com a apresentação de sangramento, queda de pressão e/ou choque. Os mais vulneráveis à dengue grave são crianças pequenas e idosos, pessoas com comorbidade e imunossuprimidos.
Uma particularidade é que seu impacto varia conforme o histórico do paciente, ou seja, se ele já teve a doença ou não. “Aparentemente, anticorpos que foram produzidos pelo organismo contra o primeiro vírus facilitam com que um segundo vírus, que não é totalmente neutralizado, entre mais fácil nas células, se multiplique mais rápido e cause doença grave com uma frequência um pouco maior”, explica Esper Kallás. Se alguém é infectado pela primeira vez, a chance de ter dengue grave é menor; se é a segunda vez, as chances do quadro se agravar são maiores.
Para contrabalancear essa característica, uma vacina contra a dengue precisa agir contra os quatro vírus ao mesmo tempo, e as quatro proteções precisam trilhar um caminho muito equilibrado no organismo, e ainda apresentar uma grande eficácia. “Por isso que muita gente olha para o campo do desenvolvimento de vacinas e vê que o período que leva entre o início da concepção de um imunizante até ele ficar pronto é muito longo”, completa.
A vacina do Butantan
O Instituto se dedica ao desenvolvimento de uma vacina da dengue desde o fim dos anos 90. O resultado desse esforço é um produto diferenciado: a vacina do Butantan é de dose única (o que facilita a distribuição e implica em uma imunização mais rápida) e oferece proteção contra os quatro sorotipos da dengue, que são atenuados na formulação.
A eficácia evidenciada no ensaio clínico, de 79,6%, envolveu tanto quem já tinha tido dengue como aqueles sem infecção prévia. Ao longo de dois anos, a proteção foi observada em todas as faixas etárias, sendo 90% em adultos de 18 a 59 anos, 77,8% em quem tinha de 7 a 17 e 80,1% nas crianças de 2 a 6 anos. Como no período do estudo circularam apenas os sorotipos 1 e 2 no Brasil, até o momento foi possível descrever uma eficácia de 89,5% para DENV-1 e 69,6% para DENV-2. Desde 2016, vem sendo analisados 16.235 voluntários de todo o país, com idades de 2 a 59 anos, em 16 centros de pesquisa.
Em relação à segurança, a maioria das reações adversas foi classificada como leve a moderada, sendo as principais dor e vermelhidão no local da injeção, dor de cabeça e fadiga. Eventos adversos sérios relacionados à vacina foram registrados em menos de 0,1% dos imunizados, e todos se recuperaram totalmente.
Publicado originalmente pelo Portal do Butantan em 06/02/2024
Reportagem: Caroline Mazzonetto