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Uma reunião muito louca (e golpista)

No dia 5 de julho de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro convocou uma reunião com seus ministros, em que não consegue esconder o seu total desespero com a iminência da derrota eleitoral. Em determinado momento, ele diz: “Eu acho que ele ganha, sim”, referindo-se a Lula. Ele pode estar sendo sarcástico, ou algo assim, […]

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Jair Bolsonaro e presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Foto: Reprodução

No dia 5 de julho de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro convocou uma reunião com seus ministros, em que não consegue esconder o seu total desespero com a iminência da derrota eleitoral.

Em determinado momento, ele diz: “Eu acho que ele ganha, sim”, referindo-se a Lula. Ele pode estar sendo sarcástico, ou algo assim, mas a transcrição de suas palavras sugerem que Bolsonaro estava desequilibrado emocionalmente. Apesar de delirante, Bolsonaro tem experiência com política, e devia, no fundo, saber que as chances de perder as eleições eram elevadas.

Trecho: “E a gente vê que o Data Folha continua… é… mantendo a posição de 45% e, por vezes, falando que o Lula ganha no primeiro turno. Eu acho que ele ganha, sim. As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE.”

Abaixo, o contexto mais abrangente do trecho acima:

(…) As investigações da Polícia Federal trouxeram aos autos excertos da fala do então Presidente Jair Messias Bolsonaro naquela oportunidade, que constam de vídeo identificado em computador apreendido na residência de Mauro Cesar Cid, realizada no RAPJ nº 4401196/2023 (fl. 31):

“Hoje me reuni com o pessoal do WhatsApp, e outras também mídias do Brasil. Conversei com eles. Tem acordo ou não tem com o TSE? Se tem acordo, que acordo é esse que está passando por cima da constituição? Eu vou entrar em campo usando o meu exército, meus 23 ministros”.

No vídeo, o então Presidente ainda disse:

“E eu tenho falado com os meus 23 ministros. Nós não podemos esperar chegar 23, olhar para trás e falar: o que que nós não fizemos para o Brasil chegar à situação de hoje em dia? Nós temos que nos expor. Cada um de nós. Não podemos esperar que outro faça por nós. Não podemos nos omitir. Nos calar. Nos esconder. Nos acomodar. Eu não posso fazer nada sem vocês. E vocês também patinam sem o Executivo. Os poderes são independentes, mas nós dois somos irmãos. Temos um primo do outro lado da rua que tem que ser respeitado também. Mas todo mundo que quer ser respeitado tem que respeitar em primeiro lugar. E nós não abrimos mão disso”.

Segue a representação da Polícia Federal transcrevendo as falas do então Presidente Jair Bolsonaro e de outros participantes da reunião, nos seguintes termos (fls. 32-48):

“(…) A Câmara deve votar hoje a… a PEC da Bondade, como é chamada, né? E não tem como, né, depois dessa PEC da Bondade, a gente… a gente não está pensando nisso, manter 70% dos votos, ok? Mas a gente vai ter 49% dos votos, vou explicar por que, né? (…)”

Prosseguindo no discurso, Jair Bolsonaro faz, novamente, acusações falsas e sem nenhum indício, afirmando que o dinheiro do narcotráfico teria financiado o atual Presidente da República Lula da Silva e outros ex-Presidentes de países da América do Sul:

“É… Nós estamos vendo aqui a… não é toda a imprensa, uma outra TV e as mídias sociais sobre a delação do Marcos Valério. A questão da… da execução do Celso Daniel. Né? É… O envolvimento com o narcotráfico. É… Temos informações do General Carvajal lá da Venezuela que está preso na Espanha. Ele… já fez a delação premiada dele lá. É… Por 10 anos abasteceu com o dinheiro do narcotráfico Lula da Silva, Cristina Kirchner, Evo Morales. Né? Essa turma toda que vocês conhecem. (…) E a gente vê que o Data Folha continua… é… mantendo a posição de 45% e, por vezes, falando que o Lula ganha no primeiro turno. Eu acho que ele ganha, sim. As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE. Né? E… Eu estou… Eu tenho que ter bastante calma, tranquilidade, e vou entrar em detalhes com vocês daqui a pouco (…)”

No transcorrer da fala, Jair Bolsonaro indaga os presentes:

“(…) nós vamos esperar chegar 23, 24, pra se foder? Depois perguntar: por que que não tomei providência lá trás? E não é providência de força não, caralho! Não é dar tiro. Ô Paulo Sérgio, vou botar a tropa na rua, tocar fogo aí, metralhar. Não é isso, porra!”.

Em seguida, o então Presidente da República, Jair Bolsonaro, assinala, ostensivamente, o objetivo da reunião: coagir os Ministros e todos os presentes, para que aderissem à ilícita desinformação apresentada. Nesse sentido, o então Presidente da República exige que seus Ministros – em total desvio de finalidade das funções do cargo – deveriam promover e replicar, em cada uma de suas respectivas áreas, todas as desinformações e notícias fraudulentas quanto à lisura do sistema de votação, com uso da estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e dissociados do interesse público (fl. 36).

“Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar ele vai vir falar para mim por que que ele não quer falar. Se apresentar onde eu estou errado eu topo. Agora, se não tiver argumento pra me demover do que eu vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro. Está no lugar errado. Se está achando que eu vou ter 70% dos votos e vou ganhar como ganhei em 2018, e vou provar , o cara está no lugar errado.”

Conforme a representação policial, na continuidade de sua fala, o então Presidente explicita aos presentes que agendou a reunião com embaixadores para, em suas palavras, “mostrar o que está acontecendo”. Jair Bolsonaro reforça a narrativa de fraude eleitoral para eleger o então pré-candidato Lula, acusando, inclusive, os Ministros do STF Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, de não serem isentos. Diz:

“Porque os caras estão preparando tudo, pô! Pro Lula ganhar no primeiro turno, na fraude. Vou mostrar como e por quê. Alguém acredita aqui em Fachin, Barroso, Alexandre de Moraes? Alguém acredita? Se acreditar levanta o braço! Acredita que eles são pessoas isentas, estão preocupados em fazer justiça, seguir a Constituição? De tudo que estão… Tão vendo acontecer? (…)”

A autoridade policial prossegue em sua exposição:

Em outro trecho, Jair Bolsonaro novamente acusa o STF de atuar fora dos limites constitucionais e que não teria como Lula ganhar a eleição no voto, insinuando que sua vitória nas eleições presidenciais, caso ocorresse, seria em decorrência de fraude nas urnas eletrônicas:

“(…) Vou fazer uma reunião quinta-feira com embaixadores, semana que vem com mais, vou convidar autoridades do… do judiciário, pra outra reunião, pra mostrar o que está acontecendo. (…) Não tem como esse cara ganhar a eleição no voto. Não tem como ganhar no voto (…)”

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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