Em dezembro de 2023, a embaixada dos EUA na China publicou um desses manifestos tipicamente americanos, onde se autonomeiam líderes contra a corrupção global.
É certamente uma nobre missão americana, essa de limpar o mundo da praga da corrupção. Como fazer isso, porém?
A primeira coisa a fazer, naturalmente, é identificar onde está a corrupção. Dessa demanda norte-americana nasceu a Transparência Internacional (TI), em 1993, pelas mãos de um ex-diretor do Banco Mundial, o alemão Peter Eigen.
Entretanto, apesar do fundador alemão, e de ainda ser sediada em Berlim, desde seus primeiros anos a TI é financiada sobretudo por instituições privadas e estatais dos Estados Unidos.
Os primeiros relatórios financeiros divulgados ao público datam de 1999. Nesse ano, a maioria dos doadores para TI foram instituições públicas ou privadas dos Estados Unidos, como Ford Foundation, MacArthur Foundation, United States Agency for International Development (Usaid), Open Society.
No ano seguinte, a mesma coisa: os maiores doadores foram Open Society, USAID, Ford.
E assim vai durante os anos seguintes, até 2022, ano do último relatório. O corpo de doadores, todavia, se amplia, com a entrada generosa da maioria dos governos europeus. Além, é claro, da onipresente NED, National Endowment for Democracy, que o governo chinês acusou, num manifesto oficial divulgado em maio de 2022, de ser uma das financiadoras ocultas de todas as chamadas “revoluções coloridas”:
“A NED foi vista por trás das revoluções coloridas instigadas e orquestradas pelos Estados Unidos, incluindo a desintegração da União Soviética, a Revolução Rosa na Geórgia, a Revolução Laranja na Ucrânia e a Primavera Árabe.”
As relações entre o governo americano e a Transparência Internacional são tantas, e tão orgânicas, que poderíamos qualificar a TI como um braço da política externa dos EUA.
Em outros tempos, quando a CIA tinha mais status, poderíamos chamá-la de um “braço externo da CIA”. Um braço desonesto e inescrupuloso, que manipula um conceito positivo, inatacável (a “luta contra a corrupção”) para desestabilizar regimes políticos de outros países, sem nenhuma consideração para as consequências sociais dramáticas que daí podem resultar.
Entre seus “parceiros institucionais” está o Senado dos EUA. Não há nenhum senado de outro país na relação.
Diante desses fatos, seria muita ingenuidade não enxergar, por trás de qualquer iniciativa dessa empresa, os interesses geopolíticos e econômicos do governo americano e de seus vassalos.
A propósito, já publicamos em outro post a lista de doadores em 2022, mas repetimos aqui:
Desde o início da Lava Jato, até o impeachment da presidenta Dilma em 2016, a TI participou intensamente do debate político brasileiro. O fato de ser financiada majoritariamente por governos estrangeiros não parece ter sido motivo de constrangimento para a instituição, a ponto da conta principal da empresa publicar em 2016, no X, um ataque direto e vil contra o presidente Lula. A postagem mostra uma das diretoras da organização sorrindo e apontando um dedo para um boneco inflável de Lula, em trajes de presidiário.
A troco de que uma organização faria uma coisa como essa?
Em setembro de 2020, o site Agência Pública trouxe mensagens vazadas de Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná, e Bruno Brandão, diretor da TI no Brasil. A maioria das mensagens abordam a famigerada fundação que os procuradores queriam montar em Curitiba, usando alguns bilhões arrancados de empresas brasileiras (Petrobrás, Odebrecht, J&F) pela justiça americana.
Nos diálogos, Brandão é o principal consultor da Lava Jato para a montagem dessa fundação, e aparentemente ele também tinha interesses financeiros.
Trecho da reportagem da Pública:
No resumo do encontro que fez aos colegas no Chat Acordo Petro x DOJ x SEC, ele escreveu, sobre a proposta: “Por enquanto pedem para não ser compartilhada com Petrobras. TI tem receio de ficar fora da possibilidade de receber recursos Possibilidade de questionamento do modelo – na J&F há gente querendo dizer que o dinheiro deveria ser usado integralmente para ressarcimento ao erário – mas não afeta o nosso caso”.
A Transparência Internacional participou da elaboração de um plano de trabalho para gerir recursos da multa de R$ 2,3 bilhões imposta à J&F pela força-tarefa da Greenfield, do MPF. O acordo de leniência previa a destinação do dinheiro para projetos sociais. A colaboração formalizou-se com a assinatura de um memorando de entendimento, em 12 de dezembro de 2017, entre a TI, J&F e o MPF.
Uma pesquisa rapida pelas ferramentas de busca da internet nos traz inúmeras iniciativas da Transparência Internacional em conjunto com os órgãos de inteligência, e mesmo militares, do governo americano.
Por exemplo, há um comunicado recente, de dezembro de 2022, do Departamento de Estado dos EUA, em que menciona a Transparência Internacional como “co-organizador” de uma conferência do governo americano sobre corrupção, que teve, em sua abertura, um discurso do próprio Conselheiro de Segurança Nacional do governo Biden, Jake Sullivan.
Segundo o Wikipédia, a função do Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA é assessorar, coordenar e, algumas vezes, provocar a ação em questões de política externa, segurança nacional e questões estratégicas em geral do governo americano.
No ano de 2016 a 2019, há pelo menos 32 postagens da Transparência Internacional relacionando Lula à corrupção.
Hoje Lula é presidente da república pela terceira vez, tendo recebido 60,3 milhões de votos em 2022.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu investigar suspeitas de que a Transparência Internacional possa ter recebido algum recurso público brasileiro de maneira ilegal.
A imprensa lavajatista, ou melhor dizendo, a imprensa viúva da Lava Jato, reagiu com horror à decisão do ministro Dias Toffoli de investigar a Transparência Internacional.
De fato, trata-se uma decisão corajosa, em função do peso geopolítico dessa organização, cujos patrocinadores poderiam qualificá-la, sem ironia, como uma ferramenta da Otan. Isso explica, aliás, a blindagem midiática imediata que se formou, no Brasil e no exterior, em defesa da instituição.
Eu só faria, uma ressalva. A investigação contra a Transparência Internacional deve ser, antes de tudo, política. Trata-se de uma organização financiada pesadamente com recursos governamentais, de países supostamente “amigos” do Brasil, mas que vem desempenhando um papel abertamente desestabilizador e partidário em nosso país.