O acordo ajudará a Ucrânia a cobrir o seu enorme déficit de guerra, mas os especialistas questionam que concessões foram feitas para garantir a sua aprovação.
Os líderes da União Europeia superaram as objeções da Hungria para aprovar um plano de 50 bilhões de euros (54 bilhões de dólares) para apoiar a Ucrânia durante os próximos quatro anos.
A decisão unânime foi tomada na quinta-feira, enquanto a Ucrânia continua a sua luta para repelir uma invasão russa em grande escala que começou há quase dois anos.
Legisladores e especialistas saudaram o acordo como um importante apoio para a estabilidade contínua do país da Europa Oriental devastado pela guerra, cuja economia depende fortemente da ajuda ocidental.
“A UE demonstrou compromisso com o apoio contínuo à Ucrânia em circunstâncias geopolíticas e internas difíceis… e apesar da alegada impaciência pública com este apoio”, disse à Al Jazeera o conferencista do Instituto Europeu, George Tzogopoulos.
O acordo de quinta-feira, conhecido como “Mecanismo para a Ucrânia”, consiste em 17 bilhões de euros (18,5 bilhões de dólares) em subvenções e 33 bilhões de euros (35,8 bilhões de dólares) em empréstimos, destinados a ajudar a Ucrânia a reconstruir-se e a recuperar da guerra.
Espera-se também que o financiamento ajude a Ucrânia a realizar reformas no seu caminho para uma eventual adesão à UE. Os líderes da UE convidaram oficialmente a Ucrânia a tornar-se membro em dezembro, mas na mesma altura, a Hungria vetou o pacote de ajuda, dizendo que o financiamento da Ucrânia não deveria ser enxertado no orçamento plurianual da UE.
A eventual aprovação da ajuda na quinta-feira foi recebida com aplausos por parte das autoridades ucranianas. A vice-primeira-ministra Yuliya Svyrydenko escreveu no Facebook que, com o financiamento, a Ucrânia “deu um passo mais perto da estabilidade econômica nos próximos quatro anos”.
A Ucrânia enfrenta um déficit orçamentário de 43 bilhões de dólares este ano e espera que a ajuda da UE cubra pouco menos de metade desse déficit.
Os líderes da UE aplaudem o avanço
Os líderes da UE, entretanto, saudaram o pacote de ajuda como um meio de garantir a estabilidade e a democracia na Europa Oriental.
“Isto garante um financiamento constante, de longo prazo e previsível para a Ucrânia. A UE está assumindo a liderança e a responsabilidade no apoio à Ucrânia; sabemos o que está em jogo”, escreveu o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, na plataforma de mídia social X, anteriormente conhecida como Twitter.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também considerou este “um bom dia para a Europa”.
O acordo de quinta-feira também marcou um momento de relativa unidade para os membros da UE, alguns dos quais, como os Estados Bálticos, estão se rearmando contra a Rússia. Outros, como a Itália, têm sido mais cautelosos em alienar a Rússia.
“A UE apoia a longo prazo, até à vitória”, escreveu a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas.
“A segurança da Ucrânia é a segurança da Europa”, repetiu a primeira-ministra italiana Roberta Metsola nas redes sociais.
Os líderes também concordaram num acréscimo ao orçamento da UE de dois bilhões de euros (2,17 bilhões de dólares) para a segurança das fronteiras, 7,6 bilhões de euros (8,26 bilhões de dólares) para ajuda regional e 1,5 bilhões de euros (1,6 bilhões de dólares) para o Fundo Europeu de Defesa, uma iniciativa para garantir cooperação entre as forças armadas dos países membros.
A disputa da Hungria com a Ucrânia
Os principais aspectos do acordo de ajuda à Ucrânia, no entanto, permaneceram obscuros.
Não ficou claro se os líderes da UE também aprovaram um fundo separado de ajuda militar para a Ucrânia no valor de 20 bilhões de euros (21,7 bilhões de dólares), proposto em julho passado. Também não estava claro se iriam avançar com os cinco bilhões de euros (5,43 bilhões de dólares) em ajuda militar propostos por Josep Borrell, o chefe da política externa da UE.
Também permanecem questões sobre que concessões foram feitas à Hungria para levantar o seu veto ao pacote de financiamento da Ucrânia.
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, tem questionado consistentemente o apoio contínuo à Ucrânia, minimizando a ameaça que a Rússia representa e apelando a uma revisão anual de quaisquer despesas.
“Precisamos monitorar de perto os detalhes do compromisso porque a UE não precisa de mostrar que aceitou as exigências de Orban, dada a importância do Estado de direito como uma questão sensível”, disse Tzogopoulos, conferencista do Instituto Europeu.
De fato, foram oferecidas à Hungria algumas concessões em troca do seu apoio, sob a forma de uma oportunidade de vetar o acordo de despesas no próximo ano, se a Ucrânia não cumprir as suas condições.
Estas condições exigem que a Ucrânia defenda “mecanismos democráticos eficazes”, como a democracia parlamentar multipartidária, o Estado de direito e o respeito pelas minorias.
Nos dias que antecederam o acordo de quinta-feira, porém, as tensões entre a Hungria e os líderes da UE atingiram um ponto de ebulição. No início desta semana, surgiram notícias nos meios de comunicação social de que a Comissão Europeia ameaçava “sabotar” a economia da Hungria se persistisse em vetar a ajuda à Ucrânia.
Houve também uma reação negativa contra o que os críticos consideram um retrocesso democrático da Hungria. Os líderes da UE suspenderam 20 bilhões de euros (21,7 bilhões de dólares) em fundos de apoio à Hungria devido a preocupações com a liberdade dos meios de comunicação social e o Estado de direito na Hungria.
Também suspenderam 10 bilhões de euros (10,8 bilhões de dólares) devido a preocupações com a independência judicial, mas libertaram-nos em dezembro passado. O Parlamento Europeu quer que os líderes da UE reconsiderem essa decisão.
Uma história das tensões na Hungria
O impasse sobre o financiamento da Ucrânia foi ainda agravado pelas tensões étnicas com a Hungria, o seu vizinho a oeste.
Estima-se que 150.000 húngaros étnicos vivam no oeste da Ucrânia. Mas em 2017 e 2019, a Ucrânia aprovou leis que proíbem o ensino de línguas minoritárias nas escolas e a sua utilização no governo local, provocando protestos na comunidade húngara.
“Foi, claro, dirigido contra a língua russa, mas todas as minorias sofreram”, disse Katalin Miklossy, especialista em Europa Oriental da Universidade de Helsínquia, à Al Jazeera.
O primeiro-ministro húngaro, Orban, condenou as medidas por interferirem nos direitos húngaros na Ucrânia, um fator que contribuiu para a sua decisão de vetar a ajuda militar ao país.
Por seu lado, a Ucrânia tentou acalmar quaisquer preocupações com reformas legislativas, ao procurar aderir à UE.
“A Ucrânia em 2023 recuou nas leis das minorias como um favor à Hungria, para facilitar a sua aplicação à UE”, disse Miklossy. “Eles reformularam a lei para que fosse novamente possível estudar os direitos das minorias nas escolas.”
A Romênia também protestou contra as leis linguísticas: mais de 100.000 romenos étnicos vivem na Ucrânia. Mas os especialistas dizem que a reação global da Romênia à Ucrânia serviu de contraponto à da Hungria.
Tem sido uma importante rota de exportação de grãos ucranianos, tanto por mar como através do rio Danúbio. Enquanto a Hungria se recusou a contribuir com armas ou a permitir a passagem de forças ucranianas pelo seu território, a Romênia enviou armas para a Ucrânia e serviu de canal.
A Hungria é há muito considerada uma mosca na sopa para a política externa da UE. No início de 2003, por exemplo – pouco depois de garantir a adesão à UE – apoiou publicamente a guerra dos EUA no Iraque, rompendo com o consenso da UE na altura.
Os membros individuais da UE mantêm o direito de vetar decisões orçamentais e de política externa, que exigem unanimidade. As tentativas de introduzir a votação por maioria qualificada falharam numa conferência da UE em 2002, bem como nos referendos franceses e holandeses em 2005.
Sinalizando força com uma nova vitória naval
A decisão da Hungria, no entanto, de levantar o seu veto na quinta-feira chegou num momento crucial para a Ucrânia.
O país aproxima-se do segundo aniversário da invasão da Rússia, em 24 de fevereiro. Só no primeiro ano da invasão, o produto interno bruto (PIB) da Ucrânia caiu cerca de 30 por cento – o seu maior declínio desde que o país alcançou a independência.
Os especialistas previram que a economia da Ucrânia irá recuperar nos próximos anos, mas o longo trabalho da guerra esgotou as suas finanças, tornando-a cada vez mais dependente da ajuda externa.
A longevidade dessa ajuda, no entanto, está longe de ser garantida. Embora a UE tenha alcançado com sucesso um acordo de ajuda na quinta-feira, os EUA têm lutado para montar o seu próprio pacote de ajuda ao Congresso, no meio da forte oposição dos republicanos.
A notícia do acordo de financiamento da UE surgiu no momento em que a Ucrânia – desesperada por mostrar que o dinheiro ocidental está ajudando a vencer a sua guerra com a Rússia – obteve uma nova vitória no Mar Negro.
Imagens divulgadas pelas forças armadas ucranianas mostraram drones de superfície atingindo repetidamente a Ivanovets, uma corveta de mísseis de 480 toneladas, paralisando-a e depois destruindo-a completamente.
O vídeo enviado por drones enquanto eles se aproximavam do navio revelou buracos em seu casco devido a ataques anteriores. A filmagem incluía uma tomada grande angular de uma enorme explosão quando mísseis eram disparados contra os Ivanovets, e uma tomada posterior capturou a proa do navio saindo da água, confirmando que ele afundou com a popa primeiro.
A Ucrânia tem atacado a Frota Russa do Mar Negro desde o início da guerra, e de forma mais intensa desde o ano passado, para proteger um corredor seguro através do qual exporta cereais. Os produtos agrícolas renderam à Ucrânia mais de 23 bilhões de dólares no ano passado, afirmou o Ministério da Agricultura.
Publicado originalmente pela Al Jazeera em 01/02/2024
Por John Psaropoulos