Jeferson Miola //
Imagem: Jorge Leão //
Na noite de 16 de janeiro a capital gaúcha foi atingida por um violento temporal com rajadas de vento que alcançaram de 110 km/h a 130 km/h. Outras cidades do Rio Grande do Sul também foram afetadas, porém com menor gravidade que em Porto Alegre.
Choveu torrencialmente. Em apenas uma hora, houve precipitação de metade da média de chuva do mês – 60 mm a 70 mm, contra a média mensal de janeiro inteiro, de 120 mm.
Os danos foram consideráveis. Casas destelhadas, centenas de árvores derrubadas, parques destruídos, ruas interditadas e inundações em várias áreas de Porto Alegre.
Cerca de 1,1 milhão de domicílios ficaram sem energia elétrica no Estado, e houve pelo menos duas mortes e 12 pessoas feridas.
No entanto, após quase 72 horas do temporal, milhares de residências e de estabelecimentos comerciais em Porto Alegre ainda continuam sem luz, sem internet e sem água.
Os prejuízos são notáveis. Famílias perderam alimentos, deteriorados em razão das altas temperaturas. Bares, restaurantes e comércio em geral continuam com as portas fechadas e acumulando perdas significativas.
Quase três dias depois do temporal, 25 bairros da cidade ainda sofrem com a falta de água devido ao sucateamento da companhia de abastecimento [DMAE], que não conta com geradores próprios que teriam garantido a regularidade desse serviço público essencial.
Ruas continuam bloqueadas por árvores caídas sem que se observe a presença de funcionários municipais, que já não existem, porque a Prefeitura desmontou a Secretaria de Meio Ambiente e a área de Defesa Civil e não fez concursos para substituir aposentados.
O prefeito Sebastião Melo fez um apelo patético para a população emprestar motosserras para a execução dos serviços. Ele deveria ter feito este pedido esdrúxulo à Gam3 Park, empresa que ganhou da Prefeitura a concessão do Parque da Harmonia e da Orla do Guaíba por 35 anos e que derrubou 435 árvores de diversas variedades no local para levantar seus empreendimentos.
No trânsito, caótico em várias vias de grande circulação com semáforos desligados por falta de energia, não se vê agentes da empresa de transporte e circulação da Prefeitura [EPTC], duramente sucateada pelos governos conservadores e neoliberais que se revezam na Administração Municipal desde 2005.
É certo que o temporal de 16 de janeiro foi dos mais severos e impactantes da história recente de Porto Alegre. Mas é incompreensível, contudo, o cenário desolador da cidade e o sofrimento da população, que padece do caos absoluto três dias depois do ocorrido.
Uma realidade absurda e inaceitável, que provocou uma onda de protestos e bloqueios de ruas em vários bairros da cidade exigindo a religação da energia elétrica e o fornecimento de água.
A atuação do governador tucano Eduardo Leite e do prefeito bolsonarista Sebastião Melo na solução dos problemas tem sido desastrosa, ineficaz e incompetente. O desastre da gestão dessa crise não decorre, contudo, somente da incompetência, porque é consequência, também, das escolhas neoliberais e ultraliberais dos governos deles.
Com as privatizações, terceirizações, sucateamento da máquina e o desmonte dos serviços públicos, eles debilitaram a capacidade de resposta da Prefeitura e do Governo do Estado.
O governador tucano entregou a CEEE para o grupo CEEE Equatorial pelo valor de um carro usado. Para aumentar o lucro, a empresa enxugou o quadro técnico, reduziu serviços de manutenção e atendimento e baixou os investimentos na rede.
Nunca, nem mesmo em circunstâncias das mais críticas do passado, quando a CEEE era uma companhia estatal, houve tal colapso no fornecimento de energia elétrica.
E a cidade nunca havia ficado de tal modo colapsada como ficou agora devido ao desmonte de setores fundamentais do Município e às terceirizações e “parcerias” com grupos privados que abocanham parcelas apetitosas do orçamento municipal sem prestar serviços públicos de qualidade.
Porto Alegre, que tem sido laboratório de sérios retrocessos ultraliberais e reacionários, foi atingida duramente por uma tempestade neoliberal perfeita.
A culpa não é da crise climática –que, aliás, é consequência do modelo capitalista destrutivo e ecocida que encontra na Administração Melo um território fecundo–, mas a culpa pelo caos é dos governos neoliberais e das elites dominantes que aprisionam Porto Alegre e o estado do RS a políticas atrasadas, que deram errado no mundo inteiro.
A população não precisava estar passando por tudo isso. Não se trata de uma fatalidade, mas sim do efeito danoso do neoliberalismo em todas dimensões, que tem sido aplicado com radicalidade em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul.