Por Paulo César Ribeiro Lima
O Conselho de Administração da Petrobras, ao analisar o cenário de 2005, manteve a mesma estratégia do governo anterior e considerou a possibilidade de compra do Complexo de Pasadena como uma boa oportunidade de negócio.
Uma equipe de técnicos da Petrobras visitou a Refinaria integrante desse Complexo para uma avaliação preliminar de suas condições técnicas e financeiras[1]. O relatório preliminar recomendou o prosseguimento das negociações nos seguintes termos:
Concluímos que a refinaria tem qualidade suficiente para que a PETROBRAS siga em frente em seu processo de avaliação técnica e econômica para aquisição parcial ou total desta, indicando ser um bom negócio em função de seu potencial de geração de resultados devido a sua complexidade, qualidade dos ativos, adequação logística, localização e acesso ao mercado, adequando-se inteiramente ao objetivo estratégico de agregação de valor aos petróleos produzidos pela Petrobrás atualmente (Marlim) e no futuro no Golfo do México[2].
Em fevereiro de 2006, a Petrobras finalizou a compra de 50% do Complexo por US$ 189 milhões, e US$ 170 milhões pelos estoques. Foi considerado um valor total para Pasadena de cerca de US$ 718 milhões.
No dia 14 de abril de 2021, o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) condenou administradores da Petrobras por supostos prejuízos causados por essa compra. O TCU alega a existência de prejuízos originados na avaliação AS IS (como se encontra).
O TCU adotou o valor de US$ 186 milhões, constante de um dos 27 cenários de valoração de estudo realizado pela empresa de consultoria texana Muse & Stancil (M&S), que não foi disponibilizado para a Diretoria Executiva ou Conselho de Administração da Petrobras pela Área Internacional, que conduziu as negociações.
É importante mencionar que o modelo desse estudo não seguia os critérios e normas vigentes na Petrobras para a valoração do ativo na negociação de compra. No entanto, mesmo utilizando-se esse modelo, aqui é demonstrado que o TCU cometeu grave equívoco.
Tal modelo calcula o valor de um ativo a partir do valor presente dos fluxos de caixa descontados para dado período (VPFC)[3].
Apresentou-se um cenário detalhado para os 10 primeiros anos e a partir do 11º ano foi adotado o critério de perpetuidade, isto é, o resultado deste ano se repetirá por todos os demais anos.
O parâmetro fundamental é a margem bruta da receita anual, que é obtida pela multiplicação da quantidade de barris refinados por ano pela margem bruta obtida por barril refinado. A M&S adotou, para 2006, o valor de US$ 4,42 por barril refinado, valor coerente com o mercado até maio de 2005, evoluindo para US$ 5,62 por barril no final dos dez anos de análise, conforme apresentado na segunda coluna da Tabela 1.
Para o estudo realizado em maio de 2005 e com esses parâmetros, um dos cenários da M&S concluiu que o valor da refinaria seria de US$ 186 milhões, para o caso base de taxa de desconto nominal de 10%, conforme mostrado na quinta coluna da mesma Tabela 1. Esse resultado foi considerado como a verdade “AS IS”[4] para a aquisição, que foi aprovada em fevereiro de 2006.
O modelo da M&S foi programado e testado com os parâmetros, chegando a valores iguais aos da M&S, mostrados quinta coluna da Tabela 1.
Entretanto, esse mesmo modelo foi utilizado com margens de refino praticadas na região da Costa do Golfo dos Estados Unidos, disponibilizados trimestralmente pela BP (British Petroleum). Com margens 59,45% maiores que as adotadas pela M&S, foram calculados novos VPFCs, que estão mostrados na sexta coluna da Tabela 1.
O grande equívoco do TCU, em razão do erro da M&S, é que as margens de refino, a partir de 2005, foram muito mais altas, como mostra a Figura 1.
Adotar parâmetros anteriores resulta em “AS WAS”, ou como estava no início de 2005 e não no início de 2006, quando o negócio foi fechado. É importante mencionar que os vendedores da refinaria conheciam perfeitamente o valor do ativo e suas perspectivas no quadro existente e emergente.
Para a situação real vigente a partir de 2006, foi aplicado um fator multiplicador[5], mantendo-se todas as demais premissas e parâmetros, e o valor de Pasadena passou dos US$ 186 milhões para US$ 996 milhões, conforme mostrado na primeira linha da sexta coluna da Tabela 1.
Conforme mostrado na Figura 1, no trimestre correspondente ao período em que o estudo da M&S foi elaborado, as margens brutas eram de US$ 7,3 por barril (março 2005).
No terceiro trimestre de 2005, quando as negociações estavam em curso, houve um pico de US$ 17,12 por barril (dado de 30 de setembro de 2005).
Portanto, rigorosamente, o alegado prejuízo não existiu, pois o valor real em fevereiro de 2006, AS IS, era, de fato, US$ 996 milhões e não US$ 186 milhões. Esse valor US$ 996 milhões é muito superior ao valor de US$ 718,4 milhões.
Em 2019, a refinaria de Pasadena foi alienada pela Petrobras para a americana Chevron. O valor da transação foi de US$ 562 milhões.
Considerando-se as receitas líquidas geradas pela Refinaria de Pasadena após 12 anos, assim como sua depreciação, esse alienação também evidencia que o valor atribuído pelo TCU, em 2006, não reflete as condições e estrutura do mercado para o ativo[6].
Diante do exposto, considera-se descabível o TCU condenar o Ex-presidente da Petrobras, Sr. José Sérgio Gabrielli, ou qualquer administrador da Petrobrás por prejuízos não existentes.
Eventuais crimes ou contravenções praticados por qualquer funcionário da estatal devem ser punidos sim, mas com base no Cógido Penal.
[1] Nome dos técnicos: Agosthilde Monaco de Carvalho, Bruno Fragelli, Gustavo Coelho de Castro, Luiz Octavio de Azevedo Costa, Mauro Bria, Publio Roberto Gomes Bonfadini, Renato Bernardes, Ronaldo da Silva Araújo.
[2] Disponível em https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3442456&ts=1594024477488&disposition=inline. Acesso em 18 de abril de 2021.
[3] Cálculo financeiro que traz para o valor presente os fluxos futuros de rendimentos, descontados por uma determinada taxa de desconto. Pratica usual de valoração de ativos empresariais.
[4] Usualmente utilizada em operação de compras de ativos como o valor do ativo que está sendo vendido, sem qualquer modificação por parte do comprador.
[5] Obtido dividindo-se as margens da data de interesse (agosto de 2005 e fevereiro de 2006) pelas margens de refino da data do estudo (maio de 2005) vigentes na USGC (Costa do Golfo dos EUA), publicadas trimestralmente pela BP QUANDL.
[6] Disponível em https://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/2814-a-compra-e-a-venda-de-pasadena-pela-petrobras. Acesso em 18 de abril de 2021.
Texto publicado originalmente na Carta Capital
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