A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional aprovou esta semana um projeto de lei que regulamenta a participação de tropas brasileiras no exterior. O texto, do deputado General Girão, determina que o emprego de militares em missões de paz será efetivado após autorização do Congresso Nacional. Há situações em que a autorização legislativa não será necessária.
O substitutivo aprovado na comissão reorganiza a lista de situações em que haverá essa dispensa. São elas, entre outras:
- movimento de tropa brasileira no espaço aéreo ou em águas interiores de outro país, quando por este autorizado;
- participação em programas de adestramento ou de missão militar de transporte de pessoal, carga ou de apoio logístico;
- prestação de socorro a vítimas em país atingido por catástrofes; e
- evacuação ou resgaste de brasileiros em locais assolados por conflitos armados, respeitado o princípio da não intervenção.
O governo propõe atualizar a presença de tropas no exterior, revogando a Lei 2.953/56 do presidente Juscelino Kubitschek. Já o deputado e militar da reserva, General Girão, defende mais agilidade nas questões administrativas das Forças Armadas, argumentando que a autorização do Congresso Nacional se torna uma formalidade que sobrecarrega o Legislativo e atrasa as ações do Executivo.
Em declaração recentes o deputado Girão afirmou que “não se trata de mitigar competência do Parlamento brasileiro, mas de retirar gargalos e estabelecer os casos e condições que dispensarão a autorização do Congresso”, afirmou o relator. “É dissociar emprego de tropa no exterior de ações de política externa, militar e cooperação militar com nações amigas.”
Sobre o tema a coluna conversou com especialistas em vários temas adjacentes como o professor de política internacional da Universidade Federal de Minas Gerais, Dawisson Belém Lopes, que afirmou não ver nada de extraordinário na normativa embora aponte que a fala do relator da matéria dê o entendimento de despolitização das ações militares, e uma autonomia maior para as FFAA.
Já o sociólogo, jornalista, militar da reserva remunerada e fundador do site Revista Sociedade Militar, Robson Augusto da Silva, acredita que o texto deva passar por modificações, apontando para o trecho que dispensa a autorização legislativa no caso de realização de cursos. Segundo ele, “do jeito que está, os militares determinam a sua “política externa” e consequentemente a linha ideológica e doutrina a ser definidas para a tropa no futuro apenas direcionando os oficiais para cursos em determinados países, como hoje ocorre, já que mandam em média 90% para cursos nos EUA”.
Já o próprio relatório do general aponta para o mesmo sentido quando afirma que um dos objetivos da nova lei seria “dissociar emprego de tropa no exterior de ações de política externa, militar e cooperação militar com nações amigas, bem como conceder maior maleabilidade ao eventual emprego e movimentação de tropa nas zonas econômicas e contíguas”. Sem o controle do Congresso Nacional, bastaria um presidente cumplice ou covarde em relação as forças armadas para o descontrole absoluto imperar.
Já para o antropólogo Piero Leirner, que pesquisa o meio militar há mais de três décadas, o projeto pode ter como objetivo regulamentar a lei para se adequar ao enquadramento da OTAN, já que a parceria e o pleito ainda estão vigentes. Porém ele chama a atenção para urgência do projeto que, segundo ele, é “estranha”, indicando que poderia haver algum objetivo secundário ou até mesmo valorizar ainda mais o projeto.
E há algo ainda mais “exótico” no projeto de lei, agora, se referindo aos Policiais Militares de todo o país. O artigo segundo do texto diz: “para fins do disposto nesta Lei, considera-se tropa brasileira no exterior o contingente armado, reunido em módulo de emprego operacional, com comando único, integrado por militares das Forças Armadas ou por policiais militares dos Estados e do Distrito Federal.
Sobre este trecho também há uma menção no relatório do general que diz: “o projeto de lei em comento visa aperfeiçoar a norma, se atendo a questões afetas a atual forma de emprego de tropas no exterior, que não se restringe tão somente às Forças Armadas”.
A inclusão desse trecho sobre a aplicação de Policiais Militares no exterior indica mais um dos vários esforços recentes que veem sendo feitos para subordinar as PMs ao comando das forças armadas e que se acentuaram com a Lei Orgânica das PMs,
Piero também concorda que de fato há este esforço e reforçou que nos últimos anos se tornou comum PMs receberem diárias e pagamentos através do próprio Ministério da Defesa pelo cumprimento de atividades específicas, geralmente em regiões de fronteira, onde são realizadas ações de intercâmbio através do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) e que hoje não possuem uma regulamentação específica sobre o tema.
O texto também é taxativo sobre a dispensa de aprovação do Congresso em ações nas fronteiras brasileiras, o que poderia, por fim, acabar colocando os PMs destas regiões sob o controle do governo federal ou até mesmo das forças armadas.
O PL, que parece atirar para todo o lado, dá ainda mais autonomia e liberdade para uma instituição que, hoje, goza do mais absoluto descontrole e prestação de contas.
O professor de Estudos Brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA), Fábio de Sá e Silva, comentou à coluna e apontou que o texto “também pode ser uma forma de enviar militares para embaixadas fora”.
“E em que medida está se tentado subtrair do controle parlamentar medidas sobre as quais seria importante ter esse controle. Tem coisa que pode ter justificativa sim, pra dar agilidade, outras podem representar muita autonomia”, afirmou o professor.
Sobre o tema, o professor Dawisson também aponta que a flexibilização dos termos envolvendo a questão dos cursos e treinamentos também pode acabar criando uma verdadeira farra das diárias no exterior.
Com um exército acostumado a gastar voluptuosas quantias de recursos públicos em picanha, Viagra e sobremesas não parece positivo abrir a porteira para que militares sejam enviados para embaixadas mundo a fora sem o controle do poder legislativo.
Hoje é o projeto de Lei 4912/19 e amanhã? Quando será o próximo libera-geral para os militares? Visto que nem mesmo o próprio governo Lula parece estar muito disposto a impor limites a quem até ontem estava aos braços e abraços com uma intentona contra a democracia.