Ataques de 8 de janeiro tiveram reflexo na agenda legislativa em 2023

Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Manifestantes invadiram o Congresso Nacional em 8 de janeiro de 2023 e muitos vandalizam obras de arte, móveis e as instalações arquitetônicas

Publicado em 05/01/2024 – 13h11

Agência Senado — Há quase um ano, em janeiro de 2023, o Brasil e o mundo acompanharam o rastro de destruição deixado pelos ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília. No ano que passou, a recuperação e as consequências dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro fizeram parte da agenda do Legislativo e motivaram a apresentação de projetos, a criação de uma comissão permanente e também de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI).

Um ano após os ataques, para marcar sua posição em defesa do Estado democrático, representantes dos Três Poderes vão participar, na segunda-feira (8) de um ato em defesa da democracia. O ato, no Salão Negro do Senado, está marcado para as 15 horas. A intenção é relembrar o ocorrido para evitar novos episódios semelhantes e mostrar a resposta da democracia.

Naquele 8 de janeiro de 2023,  manifestantes invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) para defender um golpe de estado e protestar contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia tomado posse uma semana antes. Os danos resultantes a invasão incluíram vidros quebrados, obras de arte estragadas, móveis danificados e até incêndios.

No mesmo dia, senadores, que estavam no recesso parlamentar, se manifestaram para repudiar os atos de violência e de vandalismo, entendidos como ataques à democracia do Brasil. Líderes partidários pediram a volta dos trabalhos legislativos como uma gesto para a população no sentido de que instituições permaneciam funcionando e de que os Três Poderes estavam unidos para defender o regime democrático.

“Foi um susto para o mundo inteiro. Foi pior do que o Capitólio [sede do Legislativo], nos Estados Unidos, pois o ataque aqui foi contra os Três Poderes”, relembrou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), em entrevista à Agência Senado.

Recuperação

Nos dias seguintes aos atos, servidores de diferentes setores do Senado começaram o trabalho de levantar os danos e recuperar o que foi danificado. Relatório da Secretaria de Infraestrutura da Casa aponta que o custo de recuperação das instalações foi de R$ 829.412,28. Esse valor inclui material e mão de obra em serviços como retirada de entulhos e reposição de vidros e de outras estruturas danificadas. Entre os principais estragos deixados pelos manifestantes está o carpete azul, que é a marca do Senado e que teve que ser totalmente substituído.

Mas o custo de recuperação não foi apenas esse porque, além da infraestrutura, os vândalos danificaram também obras de arte e relíquias como tapetes e móveis de valor histórico, como o painel vermelho de Athos Bulcão, no Salão Nobre, cuja restauração será finalizada neste ano, e a tapeçaria de Burle Marx, que foi arrancada do Salão Negro. O valor referente às horas trabalhadas pelos profissionais de conservação e restauração e aos custos de insumos e equipamentos para a recuperação soma R$ 483.082,98.

A corrida contra o tempo no trabalho de recuperar a infraestrutura tinha como uma das razões a posse dos novos senadores, em 1º de fevereiro, e a abertura do Ano Legislativo, no dia 2.  Na cerimônia, que todos os anos marca a abertura dos trabalhos do Congresso, o tom foi defesa do Estado democrático por parte dos Poderes. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, também reafirmou o compromisso do Legislativo com a democracia.

Além de todo o trabalho e dos gastos com a recuperação da infraestrutura e das obras de arte danificadas, o Senado se preocupou também com medidas de reforço da segurança para a proteção de servidores, visitantes e frequentadores. As ações incluem a obrigatoriedade de passagem pelos equipamentos de raio-X e detectores de metais, a identificação de todos os participantes do tour de visitação, inclusive aos finais de semana, e a convocação de novos policiais legislativos aprovados em concurso público.

Investigação

No âmbito do Congresso, uma comissão parlamentar mista de inquérito, instalada em maio, trabalhou durante cinco meses para investigar os fatos que culminaram na invasão das sedes do Legislativo, Executivo e Judiciário. Durante esse tempo, a CPMI do 8 de Janeiro fez 22 reuniões, 19 delas dedicadas a ouvir testemunhas. No período, foram apresentados 2.098 requerimentos. A comissão ouviu 21 depoentes, recebeu e analisou milhares de arquivos de texto, áudio e vídeo.

O relatório final, da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), foi aprovado em 18 de outubro. No texto, de 1.333 páginas, a senadora diz que os ataques antidemocráticos foram iniciados muito antes da data de concretização. Ela também explicou o funcionamento do “gabinete do ódio” e a instrumentalização das forças de segurança, e dedicou vários capítulos aos ataques contra o sistema eleitoral. Na visão da relatora, o 8 de Janeiro “ainda não acabou”.

“Embora as instituições democráticas brasileiras tenham sobrevivido às tentativas de ruptura da ordem constitucional que se desenvolveram antes, ao longo e após o processo eleitoral de 2022, as ameaças ainda pairam no ar. As milícias digitais continuam ativas e operantes: fazem da retórica do ódio o seu meio, e das fake news o seu objeto. Continuam os linchamentos virtuais, a criminalização da política, a multiplicação de falsos especialistas, a circulação irrestrita de mentiras e teorias conspiratórias, a dissonância cognitiva”, alertou a senadora ao apresentar o texto.

O relatório incluiu 61 pedidos de indiciamento, entre eles, o do ex-presidente Jair Bolsonaro. Também foi pedido o indiciamento de integrantes militares do governo Bolsonaro próximos ao ex-presidente, como o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, general Walter Braga Netto; o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, e o ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid.

Em entrevista à Agência Senado, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) disse acreditar que a responsabilidade sobre os atos não é do ex-presidente, mas de pessoas pagas para cometê-los, que precisam ser punidas pelos seus atos.

“Aquilo foi um bando de marginais, de vândalos, todos eles bem pagos por financiadores, que aí caberia à CPMI condená-los e mostrar à justiça que eles foram os únicos responsáveis”, disse o senador.

Ao falar sobre o ato em defesa da democracia que será feito na segunda-feira (8), o senador Rogério Carvalho (PT-SE) disse que os atos antidemocráticos cometidos há um ano não foram isolados. O senador classificou os ataques como uma tentativa de golpe e disse que a democracia venceu.

“Foi um ato que representou um golpe, uma tentativa de golpe que se frustrou e que as pessoas, em sinal de desespero por não terem conseguido tomar o poder a qualquer custo, depredaram as instituições que eles imaginavam estar comandando, dominando com mão de ferro, mas venceu a democracia, venceu a unidade da sociedade em defesa da democracia”, avaliou.

Condenações

No âmbito da Justiça, os primeiros julgamentos relativos aos atos de 8 de janeiro ocorreram em setembro. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao primeiro condenado, Aécio Lúcio Costa Pereira, a pena de 17 anos de prisão pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça com substância inflamável contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Um balanço divulgado pelo STF no fim de dezembro aponta que, no dia 8, foram presas 243 pessoas dentro dos prédios públicos e na praça dos 3 Poderes. No dia seguinte, 1.927 pessoas foram pessoas conduzidas à Academia Nacional de Polícia. Dessas, 775 foram liberadas e 1.152 permaneceram presas. Entre 17 e 20/1, ocorreram as audiências de custódia e 938 pessoas permaneceram presas.

Nos meses seguintes, vários dos presos receberam, em etapas, liberdade provisória, com a imposição de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, por exemplo. No fim de dezembro, os números divulgados apontam que 66 pessoas permaneciam presas, oito delas já condenadas pelo STF, 33 haviam sido denunciadas como executoras dos crimes e 25 ainda são investigadas por financiar ou instigar os ataques.

Para senadores oposicionistas, as condenações são injustas. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) diz considerar que houve excessos por parte do Supremo Tribunal Federal.

“É um fato lamentável. Pessoas com bíblia na mão, como é que vão tomar o poder, se não tinham um canivete no bolso nem sequer um cortador de unha? Que poder você vai tomar? Essas pessoas, que nunca passaram na frente de uma delegacia, não tinham sequer um processo, foram presas e condenadas a até 18 anos de sentença”, lamentou o senador.

Na visão do senador Eduardo Girão (Novo-CE), os atos contra as sedes dos Três Poderes foram cometidos por uma minoria, que está sendo usada para punir todos os que se manifestaram. Ele criticou as penas impostas aos primeiros condenados, disse que há uma “caçada aos conservadores” e apontou a existência de presos políticos no Brasil.

“É extremamente preocupante o que a gente está vendo, a caçada implacável a quem pensa diferente do sistema. Estão usando isso, estão usando infelizmente pessoas, uma minoria das pessoas que estavam aqui na Esplanada do 8 de Janeiro, uma minoria que quebrou vidraça, que adentrou. E estão ampliando isso pra todos.”

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) afirmou que o movimento não teve características de golpe e que essa narrativa serve para desviar o foco de supostas irregularidades nas eleições. Ele defendeu a aprovação de proposições que buscam anistiar os envolvidos nos atos (PL 5054/2023 e PEC 70/2023).

“O Supremo exagerou nas condenações, porque todo mundo tem que pagar, mas não de forma coletiva. Mas ainda acho que vão reverter isso. Nós estamos aguardando as condenações para fazer o projeto de anistia e anistiar todo mundo”, disse Izalci.

Lembrança

Ao falar sobre o ato em defesa da democracia, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) classificou o 8 de Janeiro como “a data da infâmia” e disse que os eventos devem ser sempre lembrados para que não voltem a ocorrer.

“Fica uma palavra para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça. 8 de Janeiro é a data da infâmia, é a data, a data em que houve uma tentativa de golpe, mas que também deve ser celebrada, que foi a data que as instituições da democracia debelaram a tentativa de golpe. Deve ser sempre lembrado para que nunca mais aconteça”, disse o senador.

Essa lembrança para evitar a repetição dos atos também motivou a apresentação de um projeto no Senado. O  PL 79/2023, da senadora Eliziane Gama, propõe transformar o dia 8 de janeiro no Dia Nacional da Resistência Democrática, a ser comemorado anualmente. Para a senadora, as próximas gerações precisam ser lembradas da data em que “a democracia venceu a barbárie”. O projeto está sendo analisado pela Comissão de Educação (CE).

Também coube à senadora a missão de presidir a Comissão de Defesa da Democracia (CDD), criada em junho pelo Senado. Com 11 integrantes, o colegiado tem a missão de opinar sobre temas como defesa das instituições democráticas, liberdade de expressão e manifestação, liberdade de imprensa e defesa do livre exercício do direito de voto.

Eventos

Ao longo de 2023, outros eventos feitos pelo Senado procuraram manter viva a memoria da invasão e conscientizar sobre a importância de cuidar da democracia. Esse foi o objetivo da exposição fotográfica Reflexões do Senado — 100 Dias da Invasão, aberta em abril. Com 50 registros fotográficos de 21 profissionais do Senado e da mídia externa, a exposição, sediada no Salão Negro, relembrou a importância de defender a o estado democrático. A mostra está disponível em formato digital, no Portal Senado Notícias.

Além disso, o Senado fechou uma parceria com o artista plástico Vik Muniz para a criação de uma obra de arte sobre os atos de 8 de janeiro. A obra, ainda em confecção, vai usar parte dos destroços deixados pelos ataques para simbolizar a tentativa de subverter a democracia.  O processo de produção da obra será tema de um documentário e um livro feitos pela TV Senado e pela Agência Senado.

Todo o material jornalístico e histórico produzido pelos veículos do Senado sobre a invasão está disponível no Portal Senado Notícias, em um hotsite criado especificamente para reunir a memória de todo o material sobre os ataques.

Cláudia Beatriz:
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