É normal que os membros do governo Lula, numa tentativa de evitarem embates abertos com instituições (o Brasil já teve isso em excesso nos últimos anos), tentem pontuar a participação dos militares no 8 de janeiro e nos episódios anteriores como algo esporádico, fora da seara institucional.
Acontece que ao mesmo tempo que isso é comum e corriqueiro, em certo aspecto, isso também é um negacionismo. Não por convicção ou achismo mas por que há ampla documentação sobre como as forças armadas sistematicamente viabilizaram e promoveram os ataques contra a democracia ao ponto máximo que foi o 8 de janeiro de 2023.
Um relatório de segurança elaborado pelos militares em janeiro de 2022, um ano antes dos ataques e obtido com exclusividade pela coluna no ano passado, já mostrava exatamente por onde a turba criminosa poderia invadir o Palácio do Planalto.
O relatório apontava que nenhuma das viaturas de controle de distúrbios tinham canhões de água funcionando, que o filtro das máscaras de gases estavam vencidos, além de não terem algemas descartáveis e constatarem que a quantidade de munições para emprego de uma subunidade seria insuficiente.
E foram justamente estes pontos que prejudicaram as ações das forças de segurança no local que sofreram com a saturação do ar devido as bombas. O relatório também apontava por quais pontos um grupo de criminosos poderia atacar a sede do poder executivo e onde estavam os pontos de dificuldade de proteção.
A defesa do tenente Gustavo Morong Rosty que comandava o 3° Pelotão da 5ª Companhia de Guarda do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) durante o 8 de janeiro afirmou durante uma sindicância do exército que “a avaliação equivocada, realizada anteriormente pelos escalões mais altos, considerando que uma tropa de valor de pelotão seria suficiente para atuar nas manifestações de 8 de janeiro, deixou todos os militares que estavam no Palácio do Planalto (integrantes do GSI, BGP e 1º RGC) totalmente à mercê da própria sorte. Tornando verdadeiro um ditado muito utilizado nos Estudos de Estratégia: “Não existe acerto tático que compense um erro estratégico” (os documentos sobre esta sindicância também foram obtidos com exclusividade pela coluna e foram descritos aqui).
E esses relatos e documentos são circunscritos apenas a atuação do exército durante a invasão aos poderes. Os próprios militares graduados (aqueles que não fazem parte do oficialato), acusam a cúpula das forças armadas de envolvimento direto com as agitações que visavam solapar a democracia no Brasil.
E não faltam relatos em Brasília de quem viu de perto, em diversos momentos, os militares alvoroçados para avançar contra a democracia.
Um dos contatos mais contundentes obtidos por esta coluna vem de um dirigente de um partido do centrão que esteve no Planalto durante aquele agressivo 7 de setembro de 2021. Segundo este interlocutor, Bolsonaro estava confiante de que seria reeleito nas eleições do ano seguinte, devido ao apoio popular recebido durante os atos, porém, alguns generais próximos ao presidente se empolgaram com as manifestações e acreditavam que ali era o melhor momento para ocorrer o tão falado golpe.
Por mais irritado que Bolsonaro estivesse com o impasse institucional, os militares e generais no seu entorno estavam ainda mais alvoroçados. Eram eles os “diabinhos no ombro” do presidente instigando o presidente para o tal golpe. Porém, Bolsonaro crente de sua reeleição e temendo a fatura de um golpe que poderia dar errado, foi, inacreditavelmente, quem serenou os ânimos dos generais no seu entorno.
Quem estava em Brasília naquele 7 de setembro sabia que realmente o Brasil ficou muito mais próximo de golpe ali do que quase dois anos depois no 8 de janeiro de 2023.
Outra prova documental do envolvimento institucional das forças armadas no golpe que estaria por vir está na nota de 11 de novembro de 2022, assinada pelos comandantes das três forças e que chancelavam os movimentos golpistas que já ocorriam ao redor do país. Vale lembrar que atual comandante do exercito, o geral Tomás Paiva, já integrava o alto comando quando a tal nota foi publicada.
A nota simplesmente declarava que as manifestações golpistas (logo, criminosas) estavam vedadas pelo diretor a livre manifestação.
Além disso, outra flagrante prova do envolvimento institucional no golpismo recente são os próprios acampamentos. Os acampamentos golpistas receberam suporte logístico e operacional dos militares nos quarteis de todo o país. Dito isto, só existem duas possibilidades: ou os quarteis haviam rompido com a cadeia de comando ou faziam isso com a anuência dos generais.
O próprio general Tomás Paiva, à época comandante no QGex da 2ª Região permitiu que um acampamento fosse instalado em seu local de trabalho.
E há maior prova do engajamento institucional das forças armadas com o golpismo moderno do que a imagens dos blindados virados em direção à tropa da PMDF e fazendo a defesa dos golpistas no acampamento em Brasília?
O que fez o exército retroceder na intentona golpista foi simplesmente a falta de condições para sustentação do golpe como apoio massivo da imprensa, empresariado ou da política em si. Não havia.
As investigações na Polícia Federal já provaram também que o gatilho que desencadearia o golpe dos militares seria a decretação da GLO, que não foi decretada. Mesmo com toda a cilada armada pelos militares.
Foi ali que eles de fato abriram mão da escaramuça. Não é que nunca houve apoio institucional, na verdade foi a instituição que se retirou da aventura devido a falta de condições.
Infelizmente o Brasil tem o péssimo habito de virar suas páginas sem sequer lê-las e isso, certamente ocorrera em prol da conciliação.
Restará aos brasileiros nos próximos 20 ou 30 anos lutarem para impedir uma nova tentativa de golpe, já que este golpe em questão só não foi adiante por falta de oportunidade. E os oportunistas seguem e vão seguir soltos por aí.