No dia 6 à tarde, os membros do Supremo Tribunal Federal (STF) estavam convocados para analisar um processo iniciado pelo PCdoB, o qual questionava limitações na nomeação de políticos para posições em empresas públicas. Com informações do O GLOBO.
Durante esse encontro, existia uma possibilidade significativa de que o governo de Lula não obtivesse os seis votos necessários para sustentar a decisão provisória de Ricardo Lewandowski, que havia interrompido as restrições estabelecidas pela Lei das Estatais.
Caso a decisão provisória fosse revogada, diversos membros de conselhos administrativos e diretorias de empresas estatais, incluindo Paulo Câmara, presidente do Banco do Nordeste, poderiam ser obrigados a abandonar seus cargos.
No entanto, naquela tarde, enquanto se iniciava a sessão de julgamento, um dos principais assessores jurídicos do presidente Lula nem chegou a ligar o computador ou a televisão para assistir ao evento no Supremo Tribunal Federal.
A razão para isso era que tanto no governo de Lula quanto dentro do próprio STF, já era de conhecimento geral que o julgamento seria prontamente suspenso devido a um pedido de vista. Este pedido foi estrategicamente planejado nos bastidores com a participação surpreendente de Kassio Nunes Marques, um personagem que até bem pouco tempo seria considerado uma escolha improvável para tal ação.
O ministro Nunes Marques, nomeado ao STF por Jair Bolsonaro – que orgulhosamente afirmava representar 10% do STF devido a essa indicação –, tem demonstrado interesse em estreitar laços com Lula.
Adicionalmente, Kassio Nunes Marques havia recentemente assistido a nomeação de um aliado, o juiz João Carlos Mayer, para o cargo de desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em Brasília. Este tribunal é onde Kassio atuou antes de ser indicado ao STF e onde ele ainda mantém uma influência considerável.
A estratégia por trás do pedido de vista era conceder ao governo de Lula mais tempo para encontrar uma maneira de preservar a liminar concedida por Lewandowski, buscar uma solução alternativa através do Congresso ou aguardar a chegada de Flávio Dino ao Supremo, o que potencialmente daria ao governo a maioria necessária para revogar definitivamente as restrições impostas pela Lei das Estatais.
Além disso, essa não foi a primeira ocasião em que Kassio se posicionou de maneira alinhada aos interesses do governo federal. Em abril, ele já havia interrompido outro julgamento de grande preocupação para o Planalto, relacionado ao método de correção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Na ocasião mencionada, Kassio Nunes Marques interrompeu a análise de uma ação proposta pelo partido Solidariedade, que questionava o modelo atual de reajuste dos valores no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Este reajuste se baseia na Taxa Referencial (TR).
O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, e o ministro André Mendonça, defenderam que a correção dos valores do FGTS deveria seguir o rendimento da caderneta de poupança, o que resultaria em um aumento no ganho dos trabalhadores. Contudo, essa proposta ia de encontro aos interesses do governo, preocupado com o impacto dessa mudança nas contas públicas. Atualmente, a remuneração da poupança é calculada com base na TR mais 0,5% ao mês.
Posteriormente, Barroso ajustou seu voto, propondo que os novos depósitos no FGTS fossem remunerados conforme o rendimento da caderneta de poupança, mas apenas a partir de 2025. Essa posição foi seguida por Nunes Marques e Mendonça. No entanto, o julgamento foi novamente interrompido em novembro, dessa vez devido a um pedido de vista do ministro Cristiano Zanin.
De acordo com informações divulgadas pelo jornal O Globo em outubro, Nunes Marques estabeleceu vias de comunicação com membros do governo, incluindo os ministros Jorge Messias e Wellington Dias, este último seu conterrâneo, além de Wellington César Lima e Silva, subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil.
Contudo, apesar de ter interrompido dois julgamentos de grande importância para o governo de Lula, Kassio ainda não atendeu ao principal desejo do governo: uma liminar na ação em que a gestão petista questiona aspectos da privatização da Eletrobras, um caso que está sob sua responsabilidade.
O governo Lula tem a intenção de alterar o estatuto da Eletrobras, buscando aumentar o poder de voto do governo na empresa. No entanto, Kassio optou por determinar que o caso seja analisado pelo plenário do STF, evitando assim tomar uma decisão unilateral sobre um assunto tão sensível, o que causou certa frustração no Planalto.
Atualmente, o processo relacionado à Eletrobras encontra-se em fase de instrução, ou seja, ainda está em etapa de coleta de informações. Até o momento, o caso não foi liberado para julgamento, e não existe uma previsão concreta de quando isso poderá ocorrer.
A questão da Eletrobras é tratada como uma questão de honra pelo presidente Lula. Em março deste ano, durante uma entrevista online transmitida pelo site 247, Lula afirmou com veemência que “o governo vai voltar a ser dono da Eletrobras” e classificou a privatização da empresa como “um crime”.
Neste contexto de incerteza, tanto Nunes Marques quanto Lula se encontraram na cerimônia de posse do novo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, que ocorreu na última segunda-feira. Durante esse evento, eles aproveitaram a oportunidade para conversar reservadamente por alguns minutos.
Conforme reportado pelo jornal O Globo, na ocasião, Lula indagou a Nunes Marques sobre sua recuperação após a cirurgia pela qual o ministro do STF passou em novembro. A cirurgia realizada por Nunes Marques foi a mesma que Lula havia enfrentado em outubro, relacionada ao quadril. Nunes Marques informou ao presidente que sua recuperação correu bem, refletindo a proximidade que ambos têm desenvolvido recentemente.