Os eleitores chilenos negaram, pela segunda vez, a adoção de uma nova Constituição, barrando o progresso da extrema-direita no país: 56% votaram contra e 44% a favor do documento elaborado por esse grupo político nos últimos meses, em um plebiscito realizado neste domingo (17), com mais de 90% das urnas já contabilizadas.
Após quatro anos de debates, a sociedade chilena decidiu finalmente descartar a ideia de modificar a Constituição liberal deixada pelo regime do ditador Augusto Pinochet, datada de 1980. De maneira simbólica, o resultado representa também um tipo de triunfo indireto para o presidente de esquerda, Gabriel Boric.
Boric, eleito em 2021, havia instigado seu antecessor conservador, Sebastián Piñera, a iniciar o processo de reforma constitucional. Contudo, ele presenciou a rejeição de uma primeira versão do texto, tida como progressista, em 2022. Agora, com a rejeição da população à segunda versão, mais conservadora, ele consegue um alívio.
“O resultado significa uma derrota dos republicanos [liderados pelo ex-presidenciável José Antonio Kast], coloca a direita tradicional em primeiro plano e fortalece a candidatura presidencial de Evelyn Mathei para 2025”, observa Gabriel Gaspar, cientista político, ex-embaixador e ex-subsecretário de Defesa de Boric.
Ele está se referindo à subprefeita popular de Providência, uma área de classe média alta em Santiago. O governo, segundo ele, “conseguiu um alívio parcial, mas ainda não está claro se poderá recuperar a agenda nacional”. “Se a proposta da direita tivesse triunfado, Boric teria ficado enfraquecido pelo resto de seu mandato”, acrescenta.
Nas seções eleitorais, o sentimento predominante era de que a atual Constituição é “a menos pior”. “Prefiro ficar com a Constituição ruim de Pinochet do que com a pior de Kast”, afirmava a designer Antonieta Fuentes, 34, do lado de fora do Estádio Nacional de Santiago, um local simbólico por ter sido centro de detenção e tortura durante a ditadura.
O aborto foi um ponto de divisão entre os eleitores. “Nos custou muito conseguir avançar em liberar o aborto em três casos [estupro, má-formação do bebê e risco para a mãe]”, argumentava ela. “Seria um grande retrocesso para os direitos das mulheres”, repetia a cineasta Carolina Ronda, 46.
O novo texto proposto introduzia um obstáculo ao aborto ao incluir um conceito chamado “objeção de consciência”, o direito de uma pessoa negar práticas profissionais que sejam contrárias às suas convicções.
Após o longo processo constitucional, os cidadãos chilenos mostram-se cansados, uma percepção já mencionada pela oposição. “Os chilenos estão cansados do tema constitucional, aberto há quatro anos pela esquerda […] Que a política se ocupe das políticas realmente importantes”, declarou Javier Macaya, presidente do partido UDI, da direita tradicional.