Um presente para o próximo autoritário de plantão

Foto: Agência Brasil

Quando as forças policiais da Bolívia se aventuraram em um golpe ao lado de Jeanine Áñez em 2019, não faltaram desesperados no Brasil alegando que o mesmo ocorreria no Brasil, principalmente por conta do alinhamento das Polícias Militares brasileiras com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Na ocasião, eu neguei que qualquer coisa do gênero poderia ocorrer, principalmente por conta de um fato: diferente da Bolívia, as polícias brasileiras não tinham um comando unificado. Cada PM é comandada pelos seus governadores e respectivos superiores hierárquicos em cada estado. O histórico das polícias também reforçava esse entendimento: as únicas vezes que as forças de segurança se insurgiram, foram por questões da classe (salários, aposentadorias e afins), nada além.

Acontece que, de lá para cá, algumas coisas mudaram e o primeiro elemento que nos afastava de uma Bolívia deixou de existir.

A nova lei das Polícias Militares, aprovada pelo Congresso, altera a estrutura e a subordinação dessas forças. Com isso a lei reforça ainda mais o caráter de que as PM são forças auxiliares do Exército, fazendo com que a subordinação às secretarias estaduais de Segurança Pública se torne desnecessária. Assim, as polícias se controlam ou então são controladas pelo próprio Exército.

Para finalizar, o texto ainda prevê a criação do posto de inspetor-geral das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares dos Estados, do Distrito Federal, que deve ser exercido por oficial-general da ativa, nos termos da legislação do Exército Brasileiro.

A hierarquia das Polícias Militares, anteriormente prevista no artigo 8º da lei, foi restabelecida no artigo 12 da nova lei. A nova hierarquia, que vai do coronel ao soldado, é idêntica à do Exército.

O texto foi aprovado com apoio do governo e, no Senado, contou com a relatoria do senador Fabiano Contarato (PT). Através de sua assessoria, o senador informou que as PMs já são forças auxiliares do exército, conforme consta na Constituição Federal, além disso ele também afirma que o modelo atual já permite que as PMs não estejam subordinadas ao secretário de estado, vide o modelo do Rio de Janeiro, por fim, a assessoria também afirma que as PMs continuam subordinadas aos governadores, isso tá no art. 144 da CF, que está acima de uma lei comum.

Com isso, o governo Lula deixa um presente para o próximo autoritário de plantão. Se Jair Bolsonaro já fez o que fez usando o efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que possui um efetivo muito menor, o céu é o limite com um efetivo gigantesco como o das PMs.

As PMs, que já contavam com nenhum controle externo, dever constitucional do Ministério Público, que foi abandonado pela própria instituição, tendem a ter ainda menos controle. Afinal de contas, o que são grupos armados com pouquíssimo ou nenhum controle do Estado senão organizações criminosas, milícias ou facções paramilitares?

No Congresso Nacional, há quem afirme que o governo só defendeu a proposta para fazer “média” com forças policiais e evitar uma derrota. Porém, mesmo com a relatoria, há quem aponte que houve “corpo-mole” para que o texto fosse suavizado (ou melhor, civilizado).

O texto aguarda sanção presidencial. Se aprovado de forma integral, Lula estará dando um belo presente para o próximo autoritário de plantão.

Cleber Lourenço: Defensor intransigente da política, do Estado Democrático de Direito e Constituição. | Colunista n'O Cafézinho com passagens pelo Congresso em Foco, Brasil de Fato e Revista Fórum | Nas redes: @ocolunista_
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