Foi tudo, menos a PEC

Em 24 horas o clima de marasmo que tomava Brasília nas últimas semanas acabou transformando a praça dos três poderes num stand de tiro livre. Senado contra Supremo Tribunal Federal (STF), petistas contra Jaques Wagner, broncas públicas e sentimento de traição. Até parece que voltamos aos anos de Jair Bolsonaro, com a diferença de que quem está criando a confusão não é o atual presidente Lula e sim todos ao seu redor.

O motivo para isso tudo é a famigerada PEC que limita ações do STF e que, francamente, foi aprovada sem um texto polêmico, na verdade até mesmo com pontos positivos. O problema é que o o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), decidiu usar isso para angariar a simpatia dos bolsonaristas e ainda pior, desenterrando uma PEC criada pela finada “bancada do Moro”, um dos maiores (se não o maior) inimigo do tribunal constitucional.

No Planalto e no entorno do governo federal há um misto de sentimentos já que no fundo, toda a classe política que foi atingida pela Lava Jato tem reservas e críticas (corretas) sobre decisões monocrática de Ministros do STF. É inegável que há muito poder de veto com pouco ou nenhum compromisso com o o dia seguinte… Só pra lembrar, foi uma decisão monocrática do Gilmar que impediu o Lula de tomar posse como Ministro em 2016 e praticamente tornou inevitável o impeachment das ex-presidente Dilma Rousseff.

Por outro lado foram as decisões monocráticas que, durante o governo Bolsonaro, evitaram que o país se afundasse ainda mais na barbárie em que se encontrava. Principalmente durante a pandemia. Porém, não isso tudo já foi disciplinado pelo próprio regimento do STF, assim como os eternos pedidos de vista.

De qualquer maneira, a PEC, embora inconstitucional (Parágrafo 4º art. 60), não trás nada de surreal ou absurdo e os principais pontos já estão contemplados nas alterações recentes do regimento da corte.

E por mais que o líder do governo, Jaques Wagner, tenha feito seu voto da forma mais atrapalhada possível, há quem avalie que dá para tirar algum lucro dessa tragédia já que o governo precisa estar em boa sintonia com o Senado nesse momento, algo que não estava acontecendo. Muitas indicações e matérias importantes em jogo no momento.

Cabe o registro: uma PEC gestada e rejeitada no governo Bolsonaro foi aprovada no governo Lula com apoio do líder do governo… Lula!

Acontece que o que está em discussão aqui é tudo menos a PEC e isso vale para todos os atores nessa história, principalmente as causas que fizeram a história toda dobrar a aposta. Vamos para a sucessão de fatos que elevaram a fervura nessa discussão:

  • Jaques Wagner não tinha que votar de maneira pessoal sendo líder do governo;
  • O Pacheco não deveria ter usado a PEC para agradar bolsonaristas;
  • Barroso, Gilmar e Moraes não precisavam sair declarando guerra;
  • Pacheco não precisava dobrar a aposta.

Uma sucessão de erros que beiram o amadorismo político que termina com um festival de sandices com membro do STF plantando nota na imprensa pedindo a cabeça de líder do governo, outro absurdo.

A permanência de Jaques Wagner na liderança é insustentável não porque membros do STF querem a sua cabeça (é um absurdo pedirem isso) mas sim porque é surreal um líder de bancada falar “voto pessoal”, sendo líder não só de bancada mas do próprio governo e votando contra a orientação do próprio partido. Mas antes fosse apenas este o problema.

Um membro da bancada petista na câmara fez a seguinte consideração sobre ele, hoje, para esta coluna:

“Sempre fugindo das pautas importantes, inviabilizando debates profundos e esvaziando discussões. Se ele tá de um lado, a gente tá do outro”, disse a fonte sob anonimato para a coluna. Esse é o patamar em que estão as coisas.

A atitude atabalhoada do senador petista ainda coloca preocupação no governo já pode afetar a arrecadação do governo no julgamento dos precatórios.

Vale dizer também que nenhuma preocupação em jogo tem relação direta com a PEC, vamos com mais uma lista:

  • Jaques Wagner não explicou sequer aos colegas de bancadas as motivações para tal destrambelho;
  • Pacheco quer a simpatia dos bolsonaristas, seja para fazer a sua sucessão na presidência do senado, seja para concorrer ao governo de minas em 2026;
  • Os bolsonaristas só querem aporrinhar o Supremo crentes de que o próximo autoritário de plantão seja eleito e coloque de pé as barbaridades almejadas por Bolsonaro;
  • A última coisa que o governo queria era ser arrastado para essa confusão, porém foi arrastado por Jaques;
  • E os ministros do STF não estão preocupados com essa PEC em questão mas com a possibilidade que a sua aprovação abre: abertura desenfreada da porteira para medidas ainda mais absurdas.

O Brasil tem outras urgências, hoje o grande problema do brasil não é o STF, embora a hipertrofia institucional seja uma questão que precise ser confrontada.

O contexto em que se nasce essa PEC é ruim e os atores envolvidos na discussão conseguem fazer uma pilha de equívocos nos erros uns dos outros. Foi tudo, menos a PEC.

Cleber Lourenço: Defensor intransigente da política, do Estado Democrático de Direito e Constituição. | Colunista n'O Cafézinho com passagens pelo Congresso em Foco, Brasil de Fato e Revista Fórum | Nas redes: @ocolunista_
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