As Forças Armadas brasileiras são despreparadas para aquela que é sua missão primordial e para a qual o povo brasileiro destina cerca de R$ 120 bilhões do orçamento da União todo ano: a defesa nacional.
Uma cifra bastante significativa. O orçamento do ministério da Saúde, por exemplo, é de R$ 189 bilhões para atender 203 milhões de brasileiros. A Educação também está neste patamar.
O montante de R$ 120 bilhões do ministério da Defesa corresponde a 1,3% do PIB. Quase 85% dele, no entanto, não é efetivamente para aumentar a capacidade de defesa, mas para pagar salários e regalias dos fardados.
E a maior parte das despesas de pessoal não são gastas com contingentes do serviço ativo das Forças Armadas, mas com militares já na reserva e as pensionistas deles – viúvas e filhas de militares que recebem até R$ 40 mil por mês, como é o caso da “neta-filha” do ditador Emílio Garrastazu Médici.
De outra parte, menos de 5% do orçamento anual do ministério da Defesa é aplicado em investimentos. É uma média histórica que interdita o avanço científico e tecnológico requerido para criar capacidade de defesa nacional.
Essa escolha vai na contramão das potências mais poderosas do mundo, que investem fortemente em arsenais bélicos, inteligência, força aeronaval, artefatos cibernéticos, tecnologias comunicacional e informacional, mísseis, capacidade satelital etc.
No livro O que fazer com o militar – anotações para uma nova defesa nacional, o historiador Manuel Domingos Neto explica que
“o planejamento da Defesa brasileira é prejudicado pela larga supremacia do Exército. Desde a Revolta da Armada, no início do regime republicano, a Força Terrestre é a mais forte, apesar de ser a menos apta para reagir ao agressor estrangeiro. Sua importância advém do fato de ser a mais capaz de se impor internamente”.
Para Manuel, “a supremacia da Força Terrestre serve para o combate ao ‘inimigo interno’, não para dissuadir estrangeiro hostil”. Ele entende que “por maior que seja a Força Terrestre, o país persistiria vulnerável: em caso de agressão de força estrangeira, o Exército é um instrumento secundário. Por deter grande território e extenso mar, o Estado brasileiro deveria ter menos soldados e multiplicar sua capacidade aeronaval”.
A Marinha e a Aeronáutica, portanto, é que deveriam ser preponderantes na estratégia de Defesa Nacional, não o Exército.
“Proteção de imenso território, da Amazônia, do vasto mar e do espaço cibernético não é para rambos”, sustenta o historiador com uma dose de ironia em relação aos “heróis da selva”. “O Estado precisa multiplicar sua capacidade aeronaval, ter proteção cibernética e se preparar para guerrear no espaço sideral”, conclui.
Essa deveria ser a premissa elementar do planejamento da Defesa, porque
“o estrangeiro que pretenda dobrar o Estado brasileiro não perderia tempo atacando Brasília ou centros como São Paulo e Rio de Janeiro. Tentaria paralisar as atividades econômicas e imobilizar a administração pública desativando meios de comunicação e interrompendo o suprimento de energia elétrica, água e alimentos. Bloquearia rotas comerciais marítimas, terrestres e aérea sem invadir necessariamente o território. Provocaria o caos e deixaria subitamente milhões de brasileiros à míngua”.
Ao não contar com capacidade de Defesa Nacional, que significa não dispor de poder dissuasivo ante eventuais ameaças externas, o Brasil continuará não ocupando a centralidade real no sistema mundial de poder, como almeja.
Forças Armadas despreparadas, mal organizadas e ineptas frente os requisitos das guerras e combates contemporâneos são o principal obstáculo para o posicionamento influente e decisivo do Brasil no contexto mundial.
A ineficiência da Defesa Nacional ainda frustra as imensas possibilidades de avanço científico e tecnológico do Brasil, que se beneficiaria com o esforço de desenvolvimento do complexo bélico-militar próprio no contexto da modernização das Forças Armadas brasileiras.
Atualmente, e como reflexo da dependência colonial, as Forças Armadas compram quase 80% das tecnologias e armas de fornecedores estrangeiros, principalmente dos EUA.
O esforço de dotar o país de uma efetiva capacidade de defesa traria benefícios relevantes para a sociedade brasileira em áreas como medicina nuclear, biotecnologia, nanotecnologia, robótica, inteligência artificial, cibernética, logística, comunicação satelital e outras.
Para superar esta limitação que aprisiona o país ao atraso, à dependência e ao colonialismo, o presidente Lula precisaria revisar as escolhas do seu governo acerca da questão militar.
Um passo relevante neste sentido seria a convocação de uma Conferência de Defesa para que especialistas, pesquisadores e estudiosos civis, juntamente com representações civis do governo e do Congresso possam avançar na concepção da reforma militar necessária para que o Brasil desenvolva uma potente capacidade de Defesa Nacional e passe a ocupar seu lugar que busca nos centros do poder mundial.