Qual será a situação do governante de extrema-direita no Congresso? Sua vitória não foi acompanhada pela formação de maioria em nenhuma das casas legislativas, sua coalizão mostra sinais de desintegração e, sobretudo, tem o poder de veto dos peronistas. Ele vai governar com sérias dificuldades, abraçado em uma pauta explosiva e, segundo analistas políticos, há risco de sequer concluir o mandato.
Bruno Falci, de Buenos Aires, para O Cafezinho
A Argentina abraçou a extrema-direita. Contrariando todas as pesquisas eleitorais divulgadas nas últimas semanas, que apresentavam sempre um empate técnico entre os dois adversários, Javier Milei foi eleito presidente da República Argentina, ao conseguir 56% dos votos contra o candidato peronista, Sergio Massa, que obteve 44% com 99% apurados, neste domingo, 19 de novembro de 2023. Massa admitiu a sua derrota antes mesmo da divulgação dos resultados oficiais. Foi uma eleição transparente e ameaçadora para toda a América Latina.
Uma aliança que funcionou
Foi fundamental para o triunfo de Milei o apoio que recebeu no segundo turno de duas figuras políticas da direita neoliberal clássica, o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e Patrícia Bulricch, que foi ministra de Segurança do mesmo governo, que levou a economia da Argentina à ruína após o empréstimo de 54 bilhões de dólares concedido pelo Fundo Monetário internacional (FMI).
A vitória da extrema-direita deve-se em grande parte à campanha sistemática de lowfare e de casuísmos judiciais contra a principal liderança política de esquerda do país, Cristina Kirchner, que ficou impossibilitada de se candidatar. Sua decisão foi tomada nas últimas horas de registro de candidaturas estabelecidas pela justiça eleitoral. Desse modo, foi indicado, o ministro da Economia Sergio Massa.
A pauta peronista pela democracia, pela saúde, pela educação, pelo futuro foi derrotada. A maioria do eleitorado argentino está convencida de que o caminho não é o da justiça social. Saíram derrotados vários princípios, como a defesa da educação pública gratuita e de qualidade e os direitos dos trabalhadores, com suas perspectivas sociais e econômicas.
Convulsão social e econômica
Torna-se necessário indagar qual Argentina virá com a eleição de Milei, como será o processo de dolarização da economia e quais os impactos nos preços.
Após a divulgação do resultado, pouco depois das 22 horas. Milei fez um agressivo pronunciamento, que teve a duração de 13 minutos. Ele afirmou que “vai combater o Estado empobrecedor e onipresente, que vai terminar com uma forma de fazer política. e que não há lugar para gradualismo, não há espaço para tibieza, não há espaço para meias medidas, pois as mudanças que o país necessita serão drásticas.” Portanto, a motosserra estava onipresente, nas entrelinhas. Para ela ser colocada em prática, só haverá a saída da repressão política que conduzirá a Argentina à convulsão social e econômica.
Nessa estratégia de confrontação, Milei tende cumprir as promessas de dolarização e do fechamento do Banco Central, de se afastar do Mercosul e colocar em situação indefinida a entrada da Argentina no BRICS, em um cenário em que o Estado estará devastado por ele. A maioria dos economistas coloca em dúvida a viabilidade técnica da dolarização devido à escassez de dólares e à falta de acesso aos mercados financeiros internacionais.
Milei não terá vida fácil
Resta saber como ele propõe fazer essa reconstrução em uma economia extremamente em crise. É bom lembrar que, no Brasil, Bolsonaro quando assumiu o governo encontrou o país com muitas reservas, o que contribuiu muito para evitar uma crise econômica profunda. Na Argentina, ao contrário, Milei vai encontrar um país em uma grave crise econômica e sem reservas. Torna-se necessário indagar qual Argentina virá com a eleição de Milei, como será o processo de dolarização da economia e quais os impactos nos preços, como será o futuro de uma ilusão, que levou grande parte da população, atingida por uma antiga e grave crise econômica, a conduzir um cavalo de Troia.
Dolarização e reforma trabalhista, para citar duas propostas que aparecem na plataforma do partido governista (La Libertad Avanza), requerem necessariamente a aprovação do Poder Legislativo. Qual será a situação da sua força no Congresso? Político novato, durante a campanha Milei demonstrou ter pouco jogo de cintura para lidar com setores críticos do país. Sua aliança com Macri e Bullrich foi cimentada apenas em interesses eleitorais de ambos os lados. Resta saber se construirão agora uma aliança de governo de fato.
Milei será forçado a negociar com os interesses e objetivos dos legisladores aliados e a tarefa impossível de obter apoio da oposição peronista se pretende avançar com as reformas predatórias como a privatização de empresas públicas ou a dolarização da economia, uma vez que não terá maioria no Congresso. La Liberdad Avanza terá apenas 38 deputados numa câmara de 257 membros, enquanto os seus senadores serão 7 num total de 72. Ele também não tem governadores do seu partido.
Em qualquer caso, Juntos por el Cambio terá 94 deputados. Essa coalizão mostra sinais de desintegração após as eleições e é pouco provável que muitos dos seus legisladores deem apoio aberto a Milei, que também prometeu reformar a saúde pública e a educação e criticou o aborto legal. A coligação peronista terá 108 legisladores, pelo que o novo presidente necessitará de acordos mais amplos. Isso sem contar a maioria de governadores peronistas.
No Senado a situação se repetirá: Juntos por el Cambio terá 21 legisladores em comparação com os 33 do peronismo. Diante da fragilidade parlamentar do partido governista, o peronismo continuará a ter grande poder em ambas as Câmaras e podendo inclusive ter poder de veto. Enquanto isso, os movimentos sociais nas ruas irão pressionar a motosserra. Milei não terá vida fácil.