A dinâmica política na corrida pela Prefeitura de São Paulo passa por transformações com o retorno do deputado federal Ricardo Salles (PL) à disputa, após ter anunciado sua retirada em junho.
Em uma entrevista concedida à Folha de S. Paulo, Salles, que se identifica como o candidato apoiado por Jair Bolsonaro (PL), emite declarações sobre seus adversários, ressaltando a falta de posicionamento do atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) e elogiando a franqueza de Guilherme Boulos (PSOL), mesmo que discorde de suas ideias.
Salles expressa descontentamento com a abordagem de Nunes, argumentando que o prefeito “vai para o lado que o vento sopra”, ao passo que ele se define como um candidato de orientação direitista, com propostas centradas na eficiência, legalidade, manutenção da ordem e respeito ao setor privado. O deputado declara ter dialogado previamente com Bolsonaro, obtendo apoio para deixar o PL e buscar candidatura por outra agremiação partidária.
Quando indagado sobre a aliança entre o PL e Nunes, Salles expressa sua discordância em relação à estratégia de alguns partidos de direita que endossam o atual prefeito. Ele argumenta que São Paulo já teve líderes de orientação direitista bem-sucedidos, citando exemplos como Jânio Quadros e João Doria. Salles destaca a importância de uma candidatura sólida, rejeitando a ideia de apoiar postulantes sem um posicionamento claro.
Diante do questionamento sobre a liderança de Guilherme Boulos nas pesquisas, Salles admite suas divergências em relação a tudo que o candidato do PSOL representa. No entanto, ele destaca a sinceridade de Boulos, contrastando-a com a falta de posicionamento percebida em Nunes. Salles enfatiza a importância de contar com um candidato que inspire confiança e declara que sua proposta visa atrair eleitores que buscam eficiência.
A entrevista aborda a potencial participação de Bolsonaro na campanha de Salles, e o deputado assegura que o presidente o respalda, embora questões formais estejam sujeitas a restrições jurídicas. Salles critica a proximidade de Bolsonaro com Nunes, alegando que o presidente foi “emboscado” por líderes políticos ao seu redor, mas reitera seu apoio a Salles.
Em relação às críticas sobre sua administração no Ministério do Meio Ambiente, Salles defende a expressão “passar a boiada” como uma estratégia eficaz que São Paulo necessita. Ele ressalta a importância do desenvolvimento econômico como meio de enfrentar questões como o desmatamento na Amazônia e argumenta a favor de uma abordagem de “tolerância zero” para combater a corrupção dentro do governo.
Veja a entrevista completa:
O que anima o sr. a concorrer?
Precisa haver um candidato que olhe a cidade com uma visão de direita mais firme, com propostas mais consistentes, lógica de mercado, respeito ao setor privado, mais rigidez no cumprimento das normas. Uma frase que resume é que a cidade precisa de lei e ordem.
Qual vai ser o caminho para essa candidatura?
Eu já conversei com Bolsonaro, que já conversou com o presidente [do PL] Valdemar [Costa Neto]. Está combinado que ele me dará a carta de anuência para sair do PL, e eu concorrerei em outro partido.
O PL e outros partidos da direita apoiam Nunes seguindo o raciocínio de que um bolsonarista não venceria em São Paulo, onde a esquerda teve maioria em 2022. Concorda?
Discordo. São Paulo teve Jânio Quadros, Paulo Maluf, João Doria. Claro que essa mesma cidade teve Marta [Suplicy], [Fernando] Haddad, [Luiza] Erundina. Ganha quem conseguir convencer o eleitorado de que tem propostas críveis. Também pesa na escolha de alguns partidos em estarem com o prefeito, pelo menos por enquanto, a máquina municipal e os R$ 35 bilhões que ele tem em caixa.
Vale a pena ter uma candidatura 100% de direita nem que seja para perder e marcar posição?
Não acho que é para perder, tem grandes chances de ganhar. Sou totalmente contra candidatos sem posicionamento, que vão para o lado que o vento sopra. Se por um lado é mais fácil para esse tipo de candidato fazer alianças, por outro lado ele não inspira o eleitor a trabalhar por ele.
Quero me lançar para os eleitores —cujo percentual não sei qual é, a eleição vai dizer— que têm uma linha de pensamento pela eficiência. É uma visão muito parecida com a do Rudolph Giuliani [prefeito de Nova York de 1994 a 2001] de tolerância zero. São Paulo está tomada pelas máfias, tem os piores serviços.
Entendi que o sr. falou de Nunes. Boulos seria menos pior?
Boulos é mais sincero. Claro que eu discordo 100% de tudo do Boulos, mas você olha para ele e sabe o que ele é, o que pensa. Já o candidato que não tem posicionamento, você não sabe quais interesses estão por trás.
Alguns bolsonaristas acham que o sr. deveria atacar mais Boulos do que Nunes.
Para não ter dúvida: acho Boulos péssimo, mas acho o centrão péssimo também. Estão aí todos os escândalos de corrupção. Dizer que é o Nunes ou não sobra ninguém para ganhar do Boulos, não é assim que funciona. Até porque Nunes é um mau prefeito. Dizer que ele é a nossa esperança é enterrar a política em São Paulo.
O sr. fez parte do governo Bolsonaro, que se aliou profundamente ao centrão.
Por aí você vê a força que tem essa lógica de dominação de máquina. É uma força nociva para o país.
Bolsonaro vai apoiar o sr. ou Nunes?
Vai apoiar Ricardo Salles. Ele me disse isso, e disse que o Nunes ele não apoia.
Ele vai poder fazer campanha para o sr.?
Ele está dizendo [que me apoia] em todos os lugares. Agora, questões formais de campanha, se vai estar no santinho ou no palanque, isso está delimitado por questões jurídicas. As pessoas saberem que o candidato do Bolsonaro sou eu e não Ricardo Nunes, na minha opinião, é suficiente.
O que explica, então, a aproximação de Bolsonaro com Nunes?
Bolsonaro foi emboscado.
Por quem?
Vários dos líderes políticos que estavam ali em volta. Ele se deixou fotografar ao lado do Nunes em eventos organizados, por exemplo, pelo Valdemar, Tarcísio [de Freitas], Fábio [Wajngarten], enfim, por outras pessoas.
O governador Tarcísio foi ministro com o sr. e é bolsonarista. Por que ele apoia Nunes e não o sr.?
Para os planos políticos futuros do Tarcísio, Nunes é muito mais conveniente. Nunes se comporta com uma certa subserviência. Para o Tarcísio, é bom ter um prefeito que seja praticamente um cabo eleitoral, faça tudo que ele quer, que de certa forma não traga para a seara do governo do estado uma série de pautas muito mais difíceis para ele lidar, que são as pautas da direita. Nunes, como não tem ideologia nenhuma, não é um incômodo.
Vai nacionalizar a campanha, trazer a lógica PT versus Bolsonaro?
Boulos tem uma visão socialista alinhada aos países que deram errado. Uma infantilização do crime e uma criminalização da polícia, por exemplo. Seria uma cidade quase caótica, que não tem regra.
Um outro aspecto me difere do Nunes. Você não arruma uma cidade se não arrumar primeiro a prefeitura. Se não fizer uma faxina, em vez de prevalecer o interesse público, do cidadão, vai prevalecer o interesse da máfia que domina aquele serviço. Isso se aplica a lixo, transporte, iluminação, poda das árvores que estamos vendo.
Boulos é radical ou extrema esquerda?
Não gosto desse rótulo de extrema isso ou aquilo. É usado para desqualificar as pessoas. Boulos é uma pessoa que tem convicções de uma esquerda que já se mostrou fracassada. Não vou chamar ele de extremista da mesma forma que usaram comigo.
O sr. não é de extrema direita?
Não, eu sou de direita. Não tenho nada de extremista, sou um advogado, trabalho, faço a minha vida dentro das leis, tenho família, fui secretário, fui ministro. Eu tenho opinião.
Bolsonaro está inelegível, alvo de delação. Ser bolsonarista tem algum benefício?
Lula foi preso. O PT fez o maior escândalo de corrupção do planeta. Por que alguém se diz honrado em ter o apoio do Lula? Eu não digo que sou bolsonarista para ter ganho político. Digo porque é a verdade.
E a questão do golpismo, do 8 de janeiro?
Não tem golpismo nenhum. Meia dúzia de velhinhas num domingo, aquilo lá construiu-se uma narrativa. Desde quando entrar em prédio é fazer golpe? Eu fui totalmente contra, mas não acho que é golpismo, acho que é vandalismo.
O que seria a política de tolerância zero?
Combate absoluto à corrupção intragovernamental. Todas as subprefeituras estão atulhadas de corrupção. Se não fizer isso, você não tem moral para impor regras ao cidadão. E não pode ter drogado sentado no centro da cidade fumando crack. Internação compulsória e acabou. Não tem essa de direito, o direito do sujeito termina quando começa o do outro.
O que propõe para segurança?
Investir dinheiro de verdade, como Londres e Nova York, que têm câmeras com detecção de placa de carro roubado, com reconhecimento facial de bandido. É ter políticas de inteligência e eficiência, mas sem infantilizar bandido. Bandido é bandido, não é vítima do processo social.
O sr. propõe uma gestão liberal, de respeito ao setor privado. Onde vê intervencionismo?
O que é o Plano Diretor? Lobby de interesses econômicos. O que a cidade tinha que fazer nas regiões degradadas do centro? Libera para setor privado fazer o que eles quiserem. Quer fazer prédio de 20 andares? Faz. O setor público não tem que se meter.
Sua atuação como ministro do Meio Ambiente foi controversa. Vai passar a boiada em São Paulo?
A expressão passar a boiada significa fazer o que tem que ser feito da forma mais eficiente e rápida. Não tem conotação negativa, foi dada essa conotação. São Paulo tem pressa, portanto tem que ter uma solução rápida, isso é o equivalente a passar a boiada.
O Ministério do Meio Ambiente tem problemas, mas que já vinham antes e continuam agora. Uma coisa que serve para a Amazônia e para a periferia: enquanto você não levar desenvolvimento econômico, as pessoas vão procurar sobreviver de qualquer forma. Seja de garimpo, roubo de madeira. Na periferia, ficam facilmente cooptadas pelo tráfico de drogas.
Mas o sr. não diz que não há explicação social para o crime?
Depois que cometer o crime, não me interessa a explicação social. Tem que ser punido. Mas tem que entender por que está levando ao crime.
O sr. é réu sob acusação de ter integrado um esquema de tráfico de madeira ilegal.
O inquérito da Polícia Federal estava me exonerando de toda responsabilidade. A denúncia é ridícula. Sou advogado de São Paulo, não tenho nada a ver com produção de madeira na Amazônia.
São Paulo passou por um vendaval que gerou um apagão. O eleitor se preocupa de ter um prefeito negacionista do ponto de vista da mudança climática.
A discussão climática se divide em dois caminhos, mitigação e adaptação. Sempre defendi que não vale a pena gastar energia para discutir mitigação. Adaptação significa ter uma cidade com um índice de permeabilidade maior. Tem que ter um projeto de manejo das árvores. Outra questão é que o transporte coletivo nos grandes centros já deveria ter sido eletrificado.
O sr. foi relator da CPI do MST, que terminou sem ter o relatório aprovado. Que resultado a CPI teve na prática?
Graças ao trabalho da CPI, as invasões estão praticamente zeradas ou muito controladas. A CPI expôs essa indústria das invasões de propriedade, que inclusive se assemelha muito com as invasões de áreas urbanas.