Fenômeno se caracteriza pela migração de profissionais altamente qualificados em busca de oportunidades melhores no exterior
Publicado em 31/10/2023 – 04h00 | Atualizado 31/10/2023 – 15h52
Por Amanda Sampaio – CNN Brasil*
CNN — A redução dos investimentos em ciência e pesquisa tem sido um obstáculo para a atuação de profissionais altamente qualificados no país. Diante de um quadro de menos recursos, pesquisadores de ponta têm saído em busca de oportunidades melhores no exterior.
Este fenômeno é conhecido como “fuga de cérebros” e não é exatamente inédito no Brasil ou em países em desenvolvimento, mas tem se agravado nos últimos anos.
De acordo com dados da Fragomen, maior empresa de imigração do mundo, no primeiro semestre de 2023, o país que mais emitiu vistos de trabalho, estudo e negócios para brasileiros foi a China, onde os números triplicaram em relação ao mesmo período do ano passado. A alta foi de 321%.
“A China tem figurado como um grande destino ligado ao comércio e a negócios, já que China e Brasil são parceiros comerciais muito grandes. Além disso, houve a retomada de negociação entre os países com o novo governo”, explica Diana Quintas, sócia da Fragomen no Brasil.
Já o interesse pelo Paraguai cresceu 175% no mesmo período. A oferta de cursos universitários competitivos, além de incentivos fiscais para empresas, são fatores que atraem estudantes e empreendedores do Brasil e de outros países do mundo.
“O Paraguai é um destino muito ligado à educação. A gente tem dificuldade de alguns brasileiros em ingressarem em um curso de medicina no Brasil, por exemplo, especialmente pelo alto custo e alta concorrência. O país se torna uma opção com vestibulares menos concorridos, e o valor é muito inferior”, acrescenta.
Segundo a Fragomen, os países que mais se destacaram na variação de demanda de vistos de estudo e trabalho entre o primeiro semestre de 2022 e o mesmo período deste ano foram:
– China: +321%
– Paraguai: +175%
– Colômbia: +162%
– Portugal: +100%
– Canadá: +39%
– Alemanha: -5%
– Estados Unidos: -14%
Apesar da chamada mobilidade acadêmica — que contribui para pesquisadores terem contato com diferentes linhas de estudo — ser importante para a evolução profissional dos cientistas, a saída do país sem perspectivas de retorno sinaliza uma preocupação para o futuro da ciência brasileira.
A vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Francilene Procópio Garcia, explica que a fuga de cérebro ocorre especialmente em países onde as economias não conseguem fixar os talentos que são formados. Com isso, eles migram para nações que oferecem maiores recursos e incentivos à pesquisa.
“A gente já foi um país que era atrativo para imigração em 2013, quando o Brasil vivia aquela onda de investimento e a gente tinha investimento em ciência e tecnologia. Se a gente olhasse no âmbito dos Brics, éramos um dos países preferidos para imigração”, afirma Francilene.
Nos últimos anos, passou a ocorrer um movimento contrário, no qual os talentos brasileiros passaram a optar por outros destinos. E isso poderia ser explicado, segundo a especialista, principalmente por questões políticas e de baixos investimentos em ciência.
“Um pesquisador, principalmente os que estão em início de carreira, quer ter uma condição que tenha minimamente acesso a recursos e infraestrutura”, acrescenta.
Este mês, o governo federal bloqueou R$ 116 milhões do orçamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) previstos para 2023.
De acordo com a presidente do órgão, Mercedes Bustamante, a Capes passou por um contingenciamento de verbas no valor de R$ 86 milhões em agosto. Outros R$ 30 milhões também foram cortados da pasta nos últimos meses.
O cenário de redução no orçamento da Capes deve se acentuar no próximo ano. O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para o ano de 2024 prevê um corte de R$ 128 milhões em relação ao orçamento deste ano.
Impacto na demografia
O Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que a população do Brasil tem uma proporção maior de mulheres, que somam 51,5% dos brasileiros. No último Censo, de 2010, elas eram 51,03%. Em 1980, 50,23%.
Segundo o instituto, a explicação está relacionada a maior mortalidade dos homens em todos os grupos etários, em especial na juventude, devido a causas externas. Entre as razões estão homicídios, acidentes de trânsito e afogamentos.
“A mortalidade masculina é maior em todos os grupos etários. O que resulta em uma população sobrevivente de mulheres. E temos uma alta mortalidade não natural em jovens adultos. Por violência e acidentes”, disse Márcio Minamoguchi, demógrafo do IBGE.
Até os 23 anos, os homens são a maioria da população. A partir dos 24 anos, as mulheres assumem a liderança.
Apesar do aumento da fuga de cérebros no Brasil, Minamoguchi afirma que, o fenômeno tem um efeito muito pequeno em relação à pirâmide populacional, uma vez que pessoas altamente qualificadas não seriam tão numerosas.
“O problema da fuga de cérebros estaria mais na esfera da economia, desenvolvimento tecnológico, inovação, e nem tanto como um redutor populacional”, acrescenta.
O professor de Planejamento Territorial da Universidade Federal do ABC (UFABC) Leonardo Freire de Melo concorda.
“Eu acho pouco provável que a diminuição do número de homens no Brasil tenha a ver com fuga de cérebros ou emigração, em uma primeira interpretação, até porque as mulheres são maioria na área acadêmica. Se tivesse ligação com isso, seria tanto de homem quanto mulheres”, avalia.
Apesar disso, segundo dados da Fragomen, do total de brasileiros que foram para o exterior com vistos de trabalho e estudo, 73% foram homens.
O Brasil está envelhecendo
Pela primeira vez, a população mais jovem, com idade entre zero e 14 anos, ficou abaixo dos 20%.
Segundo o Censo 2022, ela agora representa 19,8% dos brasileiros. Em 1980, essa parcela da população era de 38,3% do total.
Na análise do IBGE, isso é reflexo da redução do número médio de filhos tidos por mulher: “Atualmente, menos mulheres chegam à idade reprodutiva. E elas têm cada vez menos filhos”, disse à CNN Márcio Mitsuo Minamiguchi, gerente de Estimativas e Projeções de População do IBGE.
Outro ponto é que há uma redução da mortalidade em todos os grupos etários, incluindo os idosos.
O grupo de pessoas com 65 anos ou mais no Brasil passou de 4% para 10,9%.
As regiões com maior proporção de idosos são o Sudeste (12,2%) e o Sul (12,1%). Já as regiões com maior porcentagem de crianças até 14 anos são o Norte (25,2% do total de moradores) e o Nordeste (25,2%).
*Com informações do Estadão Conteúdo.