Por Danilo Vital, Conjur – Aoencavalar desfiles cívico-militares de comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil com comícios eleitorais em Brasília e São Paulo, no 7 de setembro de 2022, Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto usaram recursos e estrutura pública para obter vantagens inalcançáveis por seus adversários.
Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu a prática de abuso de poder político e econômico praticado pela chapa bolsonarista e declarou a inelegibilidade de ambos, além de aplicação de multa por conduta vedada nas eleições.
O julgamento foi concluído na noite desta terça-feira (31/10) e envolveu, de forma unificada, duas ações de investigação judicial eleitoral (Aijes) e uma representação, ajuizadas pelo PDT e pela candidata à presidência em 2022 Soraya Thronicke.
A condição de Bolsonaro não muda, já que ele já fora punido pelo próprio TSE por abuso de poder praticado na reunião com embaixadores estrangeiros em que fez ataques ao sistema eleitoral brasileiro. Ele ainda foi multado em R$ 425,6 mil pelo uso de estrutura pública na campanha.
Vice na chapa de Bolsonaro, o general Braga Netto agora está também inelegível. Cinco dos sete integrantes do TSE entenderam que sua participação nos eventos, ainda que acessória, teve gravidade suficiente para a punição. Ele ainda foi multado em R$ 212,8 mil.
Conclusão da maioria
A maioria seguiu o relator, ministro Benedito Gonçalves. Em sua análise, Bolsonaro e Braga Netto agiram com grande antecipação para mesclar evento oficial e comícios. Isso se deu a partir da organização dos eventos e da convocação de seu eleitorado para que comparecesse.
No dia dos fatos, em Brasília, no período da manhã, Bolsonaro participou do tradicional desfile cívico-militar na Esplanada dos Ministérios, onde não discursou. Minutos depois, no mesmo local, subiu em trio elétrico e fez campanha para os muitos presentes.
À tarde, a receita foi repetida no Rio de Janeiro. Bolsonaro se aproveitou da transferência do evento militar de comemoração do 7 de setembro para a orla de Copacabana, onde mais uma vez emendou comício ao lado de apoiadores em busca da reeleição.
Segundo o TSE, o público recebeu a ideia de que a festa de 7 de setembro e os comícios foram eventos únicos. O primeiro serviu para dar forte carga simbólica aos valores patrióticos e militares com os quais Bolsonaro se identificava. O segundo, para apresentar sua reeleição como única saída a quem apoia tais valores.
Nesse cenário, a mera retirada da faixa presidencial e a fictícia transição feita não serviram para separar a figura do presidente e a do candidato. Segundo o ministro Benedito Gonçalves, foram, na verdade, o clímax do evento único, o momento em que Bolsonaro poderia finalmente se manifestar.
A posição vencedora entendeu que as condutas foram de gravidade acentuada, alta reprovabilidade e severo impacto. A ausência de freios serviu para potencializar os ganhos da chapa bolsonarista e a repercussão no eleitorado pode ser ilustrada pelo maciço comparecimento popular.
Abuso é claro
A posição foi acompanhada pelos ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.
“Basta verificar os vídeos para ver que o que se fez foi o gran finale de algo engendrado desde a convenção partidária do PL. Naquele 7 de setembro não houve nem uma confusão: houve uma verdadeira fusão entre o ato oficial e o eleitoral. O abuso é claro”, disse Alexandre nesta terça.
Para Cármen Lúcia, a prova mostra a deliberada confusão entre a função de presidente e os interesses particulares dos candidatos. “Como se a mudança de 350 metros pudesse alterar aquilo que é impactado ao eleitor, que desequilibra a disputa e que pode levar a situação de conduta vedada.”
Na visão de André Ramos Tavares, não existiram fronteiras suficientes entre o ato público e o comício. “Pelo contrário. A tese central da defesa é de que estruturas apartadas e cronologias diferenciariam os atos oficiais da manifestação subsequente. Não é possível fazer essa distinção.”
Divergência vencida
Dois ministros ficaram vencidos. Abriu a divergência Raul Araújo. Para ele, não houve qualquer uso de bens públicos e cessão de servidores ou estrutura estatal no episódio. E, sem as condutas vedadas, não há hipótese de abuso político ou econômico, muito menos qualquer gravidade a impor punição.
Em sua análise, os atos no dia 7 de setembro foram muito distintos. Não haveria como confundir um evento tradicional, solene, ordenado e planejado, marcado pela participação de tropas e aparato militar, com um comício organizado por particulares, aberto e informal.
Ao julgar as ações, ele adotou a premissa de que, no âmbito das chamadas condutas vedadas aos agentes em campanha, impera os princípios da tipicidade e da estrita legalidade. Ou seja, o ato praticado deve corresponder exatamente ao tipo que está definido na lei.
No caso, não há lei que vede comício após ato cívico-militar. Além disso, apontou que não se pode exigir impessoalidade absoluta daquele que concorre à reeleição, inclusive porque qualquer candidato poderia provocar sua base de eleitores para comparecer à Esplanada dos Ministérios.
Nunes Marques também ficou vencido. Ele entendeu que Bolsonaro praticou conduta vedada em Brasília, mas sem gravidade para a decretação de inelegibilidade, considerando as peculiaridades e o vulto de uma campanha presidencial nacionalmente executada.
O magistrado votou pela improcedência das duas Aijes, mas propôs aplicar multa de R$ 40 mil apenas para Bolsonaro, por conta da conduta vedada praticada em ambos os eventos, conforme os incisos I e III do artigo 73 da Lei das Eleições.
O papel de Braga Netto
A responsabilização do general Walter Braga Netto, vice de Bolsonaro, foi elemento inédito no julgamento. A princípio, o relator votou por não puni-lo com a inelegibilidade por sua participação acessória e coadjuvante nos eventos do 7 de setembro.
O vice na chapa de Bolsonaro participou de ambos os eventos, esteve nos comícios ao lado de Bolsonaro e deixou-se apresentar. Ao longo do julgamento, outros ministros foram identificando elementos suficientes para puni-lo, uma vez que auferiu benefícios eleitorais.
Isso levou o ministro Benedito Gonçalves a fazer voto complementar para aderir à posição de tornar Braga Netto inelegível. O primeiro a defender essa linha foi Floriano de Azevedo Marques, para quem, se o candidato a vice discordasse do uso eleitoreiro do 7 de setembro, dele teria se retirado.
“Não se pode participar convenientemente de um abuso patente, beneficiar-se dele eleitoralmente e, ao mesmo tempo, alegar que seu conivente silêncio basta para esvaziar sua contribuição para a consumação do ato”, disse o ministro ao votar no segundo dia de julgamento dos casos.
“Sua participação ocorre no cenário abusivo construído em beneficio de sua candidatura, com uso abusivo da estrutura publica da instituição presidencial em ato supostamente oficial”, concordou André Ramos Tavares. “Participou ativamente e contribuiu”, concordou Cármen Lúcia.
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