A crise da segurança pública tem nome: Ministério Público

Ato no centro do Rio de Janeiro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Mais uma vez, a crise na segurança pública tomou os noticiários no país. Milicianos queimaram quase quarenta ônibus e até mesmo um trem na zona oeste do Rio de Janeiro. Durante as ações, não foi vista uma patrulha sequer numa região que conta, sim, com considerável patrulhamento policial.

Um dos milicianos mortos durante uma operação policial foi encontrado usando a arma de um PM. Do Rio de Janeiro até a Bahia, não é segredo que o descalabro da violência pública conta com a participação direta e indireta de membros das forças de segurança. Isso sem falar dos policiais civis pegos apreendendo cargas com drogas de traficantes para vendê-las para grupos rivais, também no Rio de Janeiro.

A solução dada pelas autoridades é uma velha conhecida do populismo penal: mais tiroteio, mais policiais nas ruas e um pacote de medidas pontuais que certamente serão descontinuadas ao longo dos anos.

Acontece que parte considerável dos problemas na segurança pública passa por um debate que nenhuma autoridade no Brasil tem coragem de enfrentar: não existe qualquer tipo de controle da atividade policial no país. E quem deveria fazer esse controle? Ele mesmo, aquele que busca sempre fiscalizar tudo e todos mas que tem horror a ser fiscalizado: o Ministério Público.

Deixo a reflexão: qual a diferença entre um agente de segurança e um bandido, quando o primeiro passa a transgredir a lei? Não existe execução sumária como pena no Brasil.

Infelizmente, a segurança pública é um problema estrutural que encontra no MP o seu principal fiador. Ainda em 2021, o Ministério Público do Rio de Janeiro extinguiu um órgão que apurava a má conduta de PMs – reforço, um dos deveres constitucionais do MP é fiscalizar a atividade policial. Depois da repercussão negativa, decidiram recriar o grupo com caráter temporário, à contragosto mesmo, na má vontade.

A queda da PEC 37 e a consolidação dos indevidos poderes de investigação agravaram ainda mais esse caso e completei: “A relação entre os Gaecos e as polícias militares nos estados são outro empecilho para o controle externo da atividade policial; o que é outro ponto de corrosão do Estado de Direito”.

Infelizmente, boa parte dos procuradores se enxerga mais como uma espécie de policial do que como membro de uma instituição que deveria realizar o controle externo da atividade policial.

Ainda em 2021, me recordo que conversei com a defensora pública Elisa Cruz que afirmou acreditar que a “falta de exercício do controle externo pelo MP sobre as polícias reforça que violações de direitos podem acontecer em espaços já marginalizados. A ausência de atuação torna permissiva a constante violação de direitos”.

Já o doutorando em direito e professor de direito penal Rômulo Carvalho deu algumas sugestões sobre o que fazer com a violência policial neste cenário: “Fazer o controle da força é tarefa que desafia gerações. No Brasil, o alarmante número de óbitos evidencia a ineficiência do modelo atual de controle em conter a perda de vidas. Como medida de melhora a pequeno prazo é urgente que as forças de segurança realizem operações com câmeras instaladas. Protege o bom policial e o Estado de direito”.

Se, em 2016, quase 100% dos entrevistados em uma pesquisa realizada com membros do MP perceberam que o controle externo da atividade policial não é prioritário dentro do MP. Em 2021, membros dos MPs estaduais empreenderam uma verdadeira cruzada contra os miseráveis do país,

Em um dos casos, o punitivismo foi levado até as últimas consequências contra dois homens que pegaram comida vencida e uma mãe que furtou sachês de suco em pó e alguns poucos alimentos para seus filhos.

Ao que parece 2021 foi o auge do descontrole do Ministério Público, já que foram eles – que deveriam fiscalizar a atividade policial – mas que pediram o arquivamento do inquérito que investiga os policiais militares envolvidos na chacina do Fallet.

Se a atuação do que começou como grupos de extermínio e hoje se chama milícia era feita “à paisana”, hoje, os extermínios são feitos de forma oficial e fardada. Basta ver o show de erros e assassinatos no Guarujá ainda no começo do ano. Muito se deve também aos chefes do Executivo estadual que fazem vista grossa para os crimes aliados aos membros do MP que não investigam os criminosos e homicidas entre as fileiras das forças de segurança.

E não é exagero, vamos aos números: um estudo inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo UOL, mostrou que os MPs do Rio de Janeiro e de São Paulo pediram à Justiça, em 2016, o arquivamento de 90% de mortes cometidas por policiais em São Paulo e no Rio.

Em 2019, procuradores-gerais lançaram nota contra um debate sobre desmilitarização da Polícia que ocorreu na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.

Eis que o então presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), Paulo Cezar dos Passos, seguindo religiosamente a escalada de autoritarismo que tomava conta do país naquele momento, decidiu publicar uma nota contra o evento. Qual é o problema de se discordar de algo? Nenhum, desde que a discordância seja feita com base em fatos e não em senso comum enquanto se omite de outras barbaridades cometidas por órgãos de segurança pública no país.

No mesmo ano, 2021, policiais da tropa de elite da Polícia Militar do Pará, a Rotam, foram filmados em marcha ao governador do estado, Helder Barbalho, e cantando em coro: “Arranca a cabeça e deixa pendurada. É a Rotam patrulhando a noite inteira. Pena de morte à moda brasileira”.

E o que fazer quando a instituição que deveria coibir a violência policial subscreve a violência? Foi o que aconteceu com uma mulher negra que teve o pescoço pisoteado por um policial militar em uma abordagem em 2020 em um bar em Parelheiros.

O MP ACUSOU A VÍTIMA e depois acusou o advogado da vítima de má-fé por não mencionar vídeos disponíveis há um ano! Notem o traço lavajatista de depreciação do exercício do direito de defesa de qualquer acusado.

O descontrole do Ministério Público reflete no descontrole das forças de segurança. Se ninguém exerce o controle externo da atividade policial, significa que todo batalhão é uma milícia em potencial. Quem mais se propõe a fiscalizar é quem menos fiscaliza e quer ser fiscalizado.

Retomo a reflexão do reflexão do Promotor de justiça, Haroldo Caetano:

“Um tema que vamos ter de enfrentar é o papel do Ministério Público. A experiência desses pouco mais de 30 anos provou que a concentração de poderes no MP brasileiro, cujo desenho institucional é único no mundo, tornou-se armadilha contra o projeto de 1988”.

Cleber Lourenço: Defensor intransigente da política, do Estado Democrático de Direito e Constituição. | Colunista n'O Cafézinho com passagens pelo Congresso em Foco, Brasil de Fato e Revista Fórum | Nas redes: @ocolunista_
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