Por Jeferson Miola
De todas expectativas acerca da eleição presidencial argentina, a vantagem do peronista Sérgio Massa no primeiro turno em relação à macrista Patrícia Bullrich e ao ultradireitista Javier Milei era a menos esperada.
No entanto, Massa não só terminou a jornada em primeiro lugar, como esteve muito perto de liquidar a disputa já no primeiro turno. Faltaram-lhe apenas 3,3% de votos para esta que seria uma suprema proeza.
Isso porque uma das regras da lei eleitoral argentina considera vitorioso já no primeiro turno o candidato que perfizer 40% dos votos com uma vantagem de 10% em relação ao segundo colocado. Nas urnas, Massa obteve 36,7%, contra 30% de Milei e 23,8% de Bullrich.
Nas eleições primárias [PASO] de 13 de agosto passado, processo de escolha das candidaturas presidenciais e legislativas que disputaram a eleição, o peronismo teve seu pior desempenho na história – 6.719.042 votos, 27,3% do total –, contabilizando o desempenho somado de Sérgio Massa e Juan Grabois, que perdeu a indicação na primária peronista.
O que explica a reversão surpreendente da tendência de derrota peronista estrondosa, que se esboçava com realismo no cenário eleitoral argentino?
Pelo menos três fatores pesaram fortemente para a reviravolta. O primeiro deles, a estatura política do candidato e a estratégia inteligente e refinada de campanha.
Apesar de ser o ministro da Economia no momento em que o país beira à hiperinflação, sofre com descontrole cambial, desemprego em alta e aumento da pobreza, Sérgio Massa conseguiu um quase milagre. De “anti-candidato”, é hoje o potencial futuro presidente da República Argentina.
A receita foi humildade e autocrítica. Massa pediu desculpas ao povo argentino pelos graves equívocos da política econômica do governo Alberto Fernández, que refutou todas propostas da sua vice, Cristina Kirchner, em relação ao enfrentamento da herança maldita de US$ 49 bilhões legada pelo ex-presidente Maurício Macri.
Por outro lado, ao assumir o ministério, Massa também assumiu de fato a condução do país. Como ministro da Economia e “presidente de fato” diante de um decorativo Alberto Fernández, nas últimas semanas ele implementou medidas econômicas para aliviar as dificuldades da população e anunciou seu plano de recuperação da Argentina.
Com isso, em menos de dois meses Massa conseguiu recuperar a confiança de setores sociais identificados com o peronismo, mas que não haviam votado nas primárias ou que haviam optado por candidaturas opositoras.
Isso se traduziu na ampliação de 3.072.840 votos em relação à votação obtida nas primárias de agosto – de 6.719.042 nas PASO para 9.791.882 na votação de 22 de outubro.
A campanha de Massa foi eficaz no alerta sobre os riscos que Milei representa de retrocesso democrático, desmanche do país, destruição de direitos sociais e fim dos subsídios estatais.
O segundo fator que contribuiu para a reviravolta foi a campanha de reeleição de Axel Kicillof na província de Buenos Aires, nicho eleitoral a que se dedicou com especial atenção a ex-presidente e atual vice Cristina Kirchner.
Axel tracionou a candidatura de Sérgio Massa. A província de Buenos Aires concentra 38,9% do eleitorado argentino, e nela Massa obteve quase 4,3 milhões de votos, que representaram 44% da sua votação nacional.
O terceiro e não menos importante fator para a reversão do cenário que se desenhava desastroso para o peronismo foi a militância peronista, com destaque para o agrupamento kirchnerista. De tradição aguerrida, militante e combativa, esta militância foi fundamental na construção do resultado de domingo.
As próximas quatro semanas até 19 de novembro, quando ocorre o segundo turno, serão de enorme complexidade para que Sérgio Massa consiga derrotar Javier Milei.
Os dois candidatos disputam os quase 9 milhões de votos dados a Bullrich, ao dissidente peronista Juan Schiaretti/4º lugar e à candidata de esquerda Myriam Bregman/5º lugar.
Ainda que a lógica não garanta nenhum prognóstico na “indecifrável” realidade argentina, como diz Pepe Mujica, pelo menos se pode dizer que do ponto de vista sociológico a tendência é que Massa se beneficie majoritariamente dos votos dos 2,5 milhões dos eleitores de Schiaretti e Bregman.
Além disso, Massa tem condições de receber pelo menos metade dos 6,3 milhões de votos dos eleitores de Patrícia Bullrich que se assombram com os riscos terríveis que Milei representa.
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